Medicamento de câncer será analisado pela Vigilância Sanitária

A Vigilância Sanitária estadual vai promover análises químicas de pH e de contaminantes nas diversas amostras do medi...

29/08/2007 - 00:00
 

Medicamento de câncer será analisado pela Vigilância Sanitária

A Vigilância Sanitária estadual vai promover análises químicas de pH e de contaminantes nas diversas amostras do medicamento docetaxel que o Sistema Estadual de Saúde adquire para tratamento de milhares de pacientes de câncer de mama, de próstata, de pulmão e pescoço. Se comprovada a denúncia de instabilidade do medicamento, trazida à Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa de Minas Gerais pelo cientista Antônio Salustiano Machado, o órgão de controle vai utilizar o princípio da precaução para determinar sua retirada do mercado mineiro. Este foi o principal resultado da reunião realizada na manhã desta quarta-feira (29/8/07).

Salustiano Machado explicou detalhadamente aos deputados as análises que realizou no laboratório Quiral Química, de Juiz de Fora, em uma dúzia de amostras desse medicamento, provenientes da Inglaterra, da Argentina, da Índia e de laboratórios nacionais. Segundo ele, "o docetaxel é a maior descoberta da Ciência para o tratamento do câncer nos últimos 40 anos". Trata-se de uma molécula extraída da casca do teixo, conhecida desde a década de 60 por suas propriedades de interferir no DNA das células cancerosas, impedindo-as de se multiplicarem. Só em meados da década de 90, no entanto, foi possível sintetizar o docetaxel em laboratório e produzir medicamentos em alta escala.

"Desde 1995 o docetaxel está no mercado brasileiro. No entanto, em 2000 foram descobertos os contaminantes extremamente perigosos que podem surgir em suas formulações, um deles capaz de induzir resistência ao tratamento. Em 2002, descobriu-se que a adição de um estabilizante ácido torna a fórmula confiável", explicou o cientista. No entanto, nem todos os fabricantes teriam sido comunicados desse aperfeiçoamento e continuaram produzido a formulação instável, que tem livre entrada no mercado brasileiro, já que a fórmula condiz com a que está registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Contaminantes 55 vezes acima do limite da FDA

Salustiano citou os dispositivos da Lei 6.360 a que estão sujeitos os fabricantes de medicamentos e que sustentam sua iniciativa de denunciar à Anvisa as fórmulas deterioradas, e manifestou sua perplexidade por sua denúncia ter sido desconsiderada pela agência. "A Quiral Química é especializada em química de taxanos. Nossas análises foram feitas por cinco cientistas, PhDs, três mestres e quatro farmacêuticos. Não somos exatamente novatos, nem irresponsáveis de fazer denúncias infundadas. Tudo o que pedimos é que a Anvisa mande realizar os testes e tome as medidas que tiver que tomar", desabafou.

O achado mais alarmante em suas análises é que as amostras instáveis, a 30 graus centígrados, apresentaram contaminantes que ultrapassam 55 vezes o limite estabelecido pela Food and Drugs Administration (FDA) norte-americana. Após sua exposição, o cientista disse que, como a Anvisa não dá resposta, veio recorrer ao Parlamento mineiro para que, pelo menos no âmbito de Minas Gerais, os pacientes de câncer tenham assegurada a qualidade dos medicamentos que lhes serão ministrados.

O jurista Alexandre Dupeyrat, ex-ministro da Justiça, informou que até 1995 o Brasil não reconhecia patentes de medicamentos, e que a multinacional que detinha a patente na Europa tentou um monopólio ilegal no Brasil, mas que a Justiça repediu suas intenções. Dupeyrat alertou que os laboratórios têm grande receio de lançar medicamentos verdadeiramente inovadores, porque os remédios estariam cada vez mais potentes e potencialmente mais perigosos. "O fabricante responde ilimitadamente pelos efeitos do seu produto, independentemente de culpa, como no caso famoso da talidomida", exemplificou.

A representante da Visa estadual, Ana Paula Campos Silva, antecipou-se ao requerimento do deputado Ruy Muniz (DEM) que pede ao secretário de Estado de Saúde, Marcus Pestana, que determine a análise química da qualidade dos medicamentos. Segundo ela, a Fundação Ezequiel Dias não teria dificuldade em realizar a análise de pH das amostras, e que os contaminantes podem ser remetidos para análise pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).

Questionado pelo deputado Ruy Muniz, Salustiano Machado disse que não é seu papel fornecer os nomes dos fabricantes do docetaxel instável, e que essa investigação sobre marcas cabe à autoridade sanitária. No entanto, adiantou que a simples análise de acidez é capaz de demonstrar sua denúncia, já que o pH das amostras instáveis é levemente ácido, entre 5 e 7. Os estáveis seriam fortemente ácidos, entre 3 e 3,5. Apenas os instáveis devem ser enviados a análise de contaminantes.

Deputados querem conhecer relatos clínicos

Mitiko Yokota, chefe do Setor de Alta Complexidade da Secretaria de Estado de Saúde, ofereceu-se para compilar, na literatura, relatos sobre metabólitos que estariam causando efeitos adversos nos pacientes de câncer, já que os deputados Hely Tarqüínio (PV) e Carlos Pimenta (PDT) questionaram muito a riqueza de dados químicos e a falta de informação clínica sobre a prática dos oncologistas. O oncologista Luiz Adelmo Lodi, da Secretaria de Estado de Saúde, disse que os editais de compras de medicamentos se limitam aos registros e aos certificados de boas práticas farmacêuticas chancelados pela Anvisa. Segundo ele, quem cumpre essas exigências está dentro da lei.

Em defesa da Anvisa, o deputado Carlos Mosconi informou que foi relator, no Congresso Nacional, do projeto de criação dessa agência. "Até alguns anos atrás, o Brasil era cobaia das indústrias farmacêuticas internacionais. Com a criação da Anvisa, que foi uma vitória obtida após uma negociação política muito complexa, tivemos grandes ganhos de qualidade para nossa população. Lamento que atualmente todas as agências reguladoras estejam em xeque, sob suspeita de não agirem em nome do interesse público como deveriam agir", disse o presidente da comissão. O deputado também teve a iniciativa de apresentar requerimento, assinado por todos os deputados, questionando a Anvisa sobre a denúncia apresentada pelo professor Salustiano.

Edson Perini, professor da Faculdade de Farmácia da UFMG, também defendeu a missão institucional da Anvisa, ao dizer que no Brasil não há história de controle de qualidade de medicamentos, e que o Programa de Farmacovigilância estabelecido pela Anvisa é uma conquista importante do povo brasileiro. Perini sugeriu que se faça pesquisa clínica em alguns serviços de oncologia para verificar se há dúvida manifestada quanto à eficácia dos medicamentos, e disse que a questão deve ultrapassar os limites do Estado. Por fim, manifestou uma dúvida: "Por que algumas indústrias utilizam a formulação com pH mais ácido e outras não? O que há por trás disso?"

O deputado Carlos Pimenta (PDT) relatou ter recebido um telefonema do médico Roberto Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia, desculpando-se pela ausência, e pediu que a comissão receba os clínicos em data próxima, para trazer a denúncia. Para ele, os grandes laboratórios fazem lançamentos simultâneos em todo o mundo, e indagou se o medicamento seria o mesmo em todo o mundo. Perini respondeu que, infelizmente, os lançamentos obedecem mais às exigências do mercado de cada país do que à legislação, e que essa constatação deve ser considerada em toda formulação de políticas de medicamentos.

Presenças: Deputados Carlos Mosconi (PSDB), presidente; Hely Tarqüínio (PV), vice; Doutor Rinaldo (PSB), Carlos Pimenta (PDT), Ruy Muniz (DEM), Domingos Sávio (PSDB) e Weliton Prado (PT).

 

 

 

 

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