Cientista denuncia remédio ineficaz para tratamento de
câncer
Um medicamento para tratamento de câncer, importado
da Argentina pelo Ministério da Saúde para atender cerca de 200 mil
pacientes do SUS, tem um defeito na fórmula que pode induzir os
médicos a erro na prescrição, e pode criar resistência no tumor,
agravando o estado do paciente. Essa denúncia foi trazida ao
conhecimento dos deputados da Comissão de Saúde da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais pelo cientista Antônio Salustiano
Machado, e será esclarecida em audiência pública marcada para esta
quarta-feira (29/8/07), a partir das 9h15, a requerimento do
presidente da comissão, deputado Carlos Mosconi (PSDB).
"O professor Salustiano, que foi secretário de
Ciência e Tecnologia no governo Itamar Franco, é PhD em Química na
França. Portanto, tem qualificação para fazer essa denúncia tão
grave. Segundo ele, falta um estabilizante na fórmula do medicamento
docetaxel, importado de laboratórios argentinos. Queremos esclarecer
também as razões pelas quais a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) recebeu a denúncia há um ano e meio e não tomou
as providências que tem obrigação de tomar para analisar o
medicamento e suspender sua distribuição, se comprovada a
instabilidade", informa o deputado Mosconi.
Estão convidados para a audiência pública o
secretário de Estado de Saúde, Marcus Pestana; o superintendente da
Vigilância Sanitária de Minas Gerais, José Geraldo Leal de Castro; a
diretora da Vigilância Sanitária em Medicamentos e Congêneres de
Minas Gerais, Terezinha Póvoa; o presidente da Sociedade Brasileira
de Oncologia, Roberto Porto Fonseca; e o professor da Faculdade de
Farmácia da UFMG, Gérson Pianetti.
Do médico Porto Fonseca, os deputados esperam obter
informações que confirmem a suspeita sobre os erros na prescrição da
dosagem que podem ser provocados pela instabilidade do docetaxel.
Outro convidado importante com presença confirmada é o jurista
Alexandre Dupeyrat, ex-ministro da Justiça, que travou recentemente
batalhas jurídicas para defender a indústria farmacêutica nacional
contra os interesses dos grandes conglomerados multinacionais.
Vigilância Sanitária estadual tem autonomia
O objetivo da audiência é pressionar a Anvisa para
que realize as análises dos medicamentos e determine sua retirada,
se comprovada a denúncia. No entanto, o deputado Mosconi acredita
que, mesmo se a Anvisa não tomar providências, a Vigilância
Sanitária estadual tem autonomia para determinar as análises,
resguardando a Secretaria de Saúde, o município e o Ipsemg de
adquirir medicamentos de eficácia duvidosa para o tratamento do
câncer.
Segundo Salustiano Machado, o docetaxel é uma
molécula extraída da casca do teixo, e conhecida desde a década de
60 por suas propriedades de eliminar tumores malignos, preservando
os tecidos sadios. Só na década de 90, no entanto, foi possível
sintetizar essa molécula em laboratório, abrindo caminho para o
desenvolvimento do medicamento, que é um dos mais modernos para
tratamento de câncer de mama, de próstata, de pulmão e pequenos
tumores. Ele informa que a pesquisa básica foi toda financiada por
dinheiro público na França, e mais tarde a patente foi entregue ao
grupo Rhône-Poulenc, que comercializou o produto com altos lucros em
todo o mundo.
No Brasil, um frasco do medicamento custava R$ 3,5
mil, até que o Laboratório Quiral, de Juiz de Fora, começou a
fabricá-lo por R$ 790,00. Nesse laboratório, Salustiano analisou
amostras de dez marcas do docetaxel utilizados no Brasil. As
fabricadas pelo laboratório Eurofarma e pelo Sanofi Aventis Pharma
(preposto no Brasil do Rhône-Poulenc) estão de acordo com as normas
bioquímicas. Todavia, nas oito fabricadas por laboratórios
argentinos faltaria um estabilizante que provoca a perda de potência
e, em casos mais graves, sua decomposição em uma fórmula que cria,
no tumor maligno, resistência ao tratamento.
"Por dever ético, apresentei reiteradas denúncias à
Anvisa e estou perplexo porque esse gravíssimo risco à saúde pública
não vem merecendo atenção por parte da agência. Decidi então
procurar os deputados da Comissão de Saúde da Assembléia para dar
repercussão à denúncia e iniciar, por Minas, o devido controle da
qualidade desse medicamento", disse o cientista.
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