Comissão ouve dona-de-casa que alega ter sido agredida em loja de
BH
Um caso de insatisfação nas relações de consumo
acabou por se tornar uma denúncia de tortura policial de uma
dona-de-casa, nas dependências da loja Ponto Frio do centro de Belo
Horizonte. A história de Regina Célia Abade, 46 anos, motivou uma
longa reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais nesta quinta-feira (12/7/07).
Regina Célia relatou que adquiriu um guarda-roupas
na loja da Rua Curitiba e que pagou integralmente, mas voltou à loja
sete vezes para reclamar da cor do móvel e das portas que não
fechavam bem. Ela disse que, no dia 19 de junho, sua nota fiscal foi
apreendida pelo gerente da loja. Ela, então, requisitou dois PMs que
estavam na rua para lavrar uma ocorrência mas, segundo ela, os
policiais, depois de ouvir o gerente, levaram-na para os fundos da
loja e passaram a agredi-la, algemando-a com brutalidade,
desferindo-lhe socos no peito e na boca e tentando sufocá-la com o
plástico de um colchão. Só com a chegada do seu marido, que é cabo
da PM, e do comandante da 6ª Companhia, tenente Câmara, os PMs
teriam retirado as algemas, conduzindo-a ao Hospital Odilon Behrens
para ser medicada.
Presentes à reunião, os soldados PM Gustavo
Gonçalves e Gláucia Simões, acusados dos maus-tratos, desmentiram as
acusações de brutalidade. Eles disseram ter atendido à solicitação
de Regina Célia Abade, que estava "muito exaltada" e queria uma
viatura para lavrar boletim de ocorrência, porque pretendia
processar a loja. Após ouvir o gerente, tentaram apaziguar a
cliente, mas passaram a ser insultados e agredidos por ela. O
soldado anunciou que poderia prendê-la por desacato e foi desafiado
a fazê-lo.
Fotos mostram hematomas pelo corpo todo
Regina Célia teria, então, torcido o braço da
soldado Gláucia e, em seguida, foi derrubada pelo soldado Gonçalves
sobre um colchão, onde foi dominada e algemada. "Minha reação foi
proporcional à agressão. Apesar de sermos agredidos com socos e
chutes, trata-se de uma senhora com idade para ser minha mãe. Por
isso usei técnicas moderadas para contê-la e chamei meu comandante,
tenente Câmara. A ocorrência tinha se tornado mais grave", relatou o
soldado.
O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da
Comissão, exibiu fotos trazidas pela vítima, mostrando diversos
hematomas pelo corpo, especialmente no peito, ferimentos nos pulsos
e um laudo odontológico atestando que metade de sua arcada dentária
estava abalada. O marido de Regina Célia, cabo PM Adriano Araújo,
disse que encontrou sua esposa com a boca sangrando e que o tenente
mandou retirar as algemas, depois de assegurar-se de que ela estava
calma.
O deputado interpelou os PMs se os ferimentos
vistos naquelas fotos poderiam ser considerados "contenção
moderada". Tanto os policiais como a testemunha Karine Santos Flores
disseram que sua ação não poderia ter causado tantos ferimentos. O
major PM Haroldo Pinheiro alertou o deputado de que o laudo do
hospital Odilon Behrens fica pronto nesta sexta-feira (13/7), e que
só esse laudo terá validade para responsabilizar os policiais por
possíveis excessos. O tenente Alisson Câmara disse que, nos casos de
relações de consumo em que a PM é acionada, o reclamante sempre
espera "que a gente pegue o gerente da loja pela goela e mande
trocar o objeto, mas a função da Polícia é mediar o conflito".
O deputado Durval Ângelo argumentou que uma pessoa
que vai inúmeras vezes a uma loja resolver uma situação não fica
propriamente calma quando vê seu direito negado, e que o desacato a
esse direito não é menor que o desacato à autoridade. Os gerentes do
Ponto Frio, José Carlos Carneiro Gomes, e Mateus Mesquita Rodrigues,
também presentes à reunião, informaram que, apesar de seu serviço de
atendimento ao consumidor não reconhecer o direito, tentaram
substituir o móvel, mas que não havia no mostruário guarda-roupas da
cor que a cliente desejava, e que o montador não teria encontrado
ninguém em casa para fazer o serviço.
Incidente - Durante uma
interrupção da reunião, quando os deputados foram chamados ao
Plenário para votação, o major Pinheiro decidiu retirar do auditório
da Assembléia seus comandados, que estariam sendo apontados pelo
marido da vítima ao jornalista Cláudio Vilaça. O jornalista reagiu e
foi interpelado pelo tenente-coronel Domingos Sávio Mendonça. Em
socorro a Vilaça, os promotores de Justiça Spencer Ferreira Júnior e
Andréa de Figueiredo Soares, que participavam da reunião como
integrantes da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Controle
Externo da Atividade Policial, acabaram dando voz de prisão ao
militar. Imediatamente o tenente-coronel retribuiu a voz de prisão.
O impasse foi resolvido com o retorno do deputado Durval Ângelo, que
manteve a prisão do tenente-coronel Mendonça, apesar da argumentação
do deputado Sargento Rodrigues (PDT) de que também o promotor teria
se exaltado.
Presenças: Deputados Durval
Ângelo (PT), presidente; João Leite (PSDB), Ruy Muniz (DEM),
Vanderlei Miranda (PMDB), Luiz Tadeu Leite (PMDB), Sargento
Rodrigues (PDT), Wander Borges (PSB) e Antônio Genaro (PSC). Além
dos citados, compuseram a mesa também a coordenadora da Delegacia
Adida ao Juizado Especial Criminal, Letícia Alex Machado Rogedo; a
professora de Direito da UFMG Mariá Brochado; o Major Pereira
Santos; o soldado Maurício Fernandes de Melo e o sargento Gespaque
dos Santos.
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