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Especialistas são contrários à redução da maioridade penal no
País
A revisão de alguns pontos do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) e a implementação de políticas públicas para os
jovens foram algumas das sugestões de ações apresentadas pelos
participantes do debate sobre a maioridade penal na legislação
brasileira, promovido nesta terça-feira (24/4/07) pelas comissões de
Segurança Pública e de Participação Popular da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais. Os juristas presentes na reunião
defenderam a importância do Estatuto como instrumento de inclusão
social dos jovens infratores e se mostraram, em grande maioria,
contrários à redução da maioridade penal. Entre os argumentos
contrários à proposta de mudança na Constituição Federal estão a de
que os adolescentes são responsáveis por 0,33% dos homicídios
cometidos no País e que 85% dos presos vêm de famílias
desestruturadas.
Por outro lado, o presidente da Comissão de
Segurança Pública da ALMG, deputado Sargento Rodrigues (PDT),
lembrou que a redução da maioridade penal, se aprovada pelo
Congresso Nacional, pode ter efetividade se aplicada nos casos de
crimes hediondos, mediante uso de violência. Para ele, os problemas
de segurança pública no Brasil são muitos, e é preciso que o poder
público aperfeiçoe o sistema prisional, os centros de recuperação e
o combate ao tráfico de drogas e armas, mas acredita que a pena em
casos de violência ainda é branda e condescendente. "A redução de
maioridade não é a solução para segurança pública, porém, nestes
casos, a punição não deve levar em conta a idade", disse. "Pequenos
delitos podem até ser justificados pela pobreza, mas a punição à
violência deve ser tratada como um ato de respeito à vítima",
concluiu Sargento Rodrigues.
Desembargador rebate argumentos pela mudança
constitucional
A defesa incondicional dos jovens foi feita pelo
desembargador do Tribunal de Justiça, Tarcísio Martins da Costa. "Me
coloco frontalmente contrário à redução da maioridade penal",
afirmou ao destacar a importância do debate que envolve um dos
segmentos mais frágeis da sociedade brasileira, que são as crianças
e os adolescentes. Ele rebateu os argumentos que sustentam a
proposta de redução da maioridade penal que são, segundo o
desembargador, a de que os adolescentes têm discernimento sobre seus
atos; que são os responsáveis pelo aumento da criminalidade no País;
e que podem responder criminalmente aos 16 anos, já que podem
votar.
Em sua ponderações, o desembargador afirmou que o
adolescente de hoje, apesar de ser bem informado, é mais imaturo do
que o de décadas anteriores. "Naquela época, se saía da infância
para o mercado de trabalho; se amadurecia rápido. Hoje a
adolescência se prolonga no tempo; alguns jovens não querem assumir
as responsabilidades da fase adulta", ponderou o desembargador.
Tarcísio Martins da Costa rebateu ainda a afirmação
de que os adolescentes são responsáveis pelo aumento da
criminalidade e apontou, como uma das justificativas, o pequeno
número de varas e delegacias especializadas. Destacou um número
preocupante: "Para cada homicídio que um adolescente comete, morrem
de sete a dez adolescentes". O desembargador ponderou também que o
jovem que pode votar aos 16 anos não pode se candidatar a um cargo
público, casar-se, ou mesmo outorgar escrituras. "Isso mostra que o
adolescente tem que ser tratado de forma diferente, de forma
especial, porque é um ser humano em formação", esclareceu.
Mesma opinião tem o coordenador do Núcleo da
Infância e da Juventude da Defensoria Pública, Wellerson Eduardo
Silva Correia. "A imputabilidade do menor tem o objetivo de proteger
a presumida incapacidade desses adolescentes. Eles não podem ser
comparados aos adultos", afirmou. Para ele, quando um adolescente
comete um crime, a pessoa deve se sobrepor ao fato, já que este
jovem pode estar inserido no contexto da pobreza, negligência,
desestrutura familiar, trajetória precoce de rua, enfim, excluído do
sistema produtivo. Disse ainda que o adolescente é visto pela
sociedade como um transgressor, um problema a ser resolvido e
punido.
Adolescente é vítima do sistema, diz
delegado
"Eu não conheço adolescente envolvido em esquema de
corrupção, envolvendo bilhões de reais. Não conheço adolescente que
tem plantação de maconha ou que refina cocaína", disse o
delegado-geral de Polícia, Dagoberto Alves Batista, ao destacar que
o adolescente, em sua grande maioria, é uma vítima do sistema. "É
mais fácil para a polícia prender o jovem infrator porque dá uma
resposta imediata à sociedade; mas resolve o problema?", questionou
o delegado, que defende ações preventivas no âmbito da estrutura
educacional e familiar. Disse ainda que algumas alterações no ECA
devem ser feitas, mas não no momento de tristeza e comoção. "Um
crime como do João Hélio choca as pessoas, mas choca mais ainda a
mãe que perdeu o filho adolescente para o crime".
Para o desembargador do TJ, Tarcísio Martins da
Costa, o eixo da discussão em torno da redução da maioridade penal
tem que ser mudado. "Cadeia é a solução? Mandar meninos para a
faculdade do PCC e do Comando Vermelho?", perguntou o desembargador.
"Será um tiro pela culatra. Eles vão sair piores do que entraram",
respondeu ele próprio. Neste sentido o defensor público Wellerson
Eduardo apresentou um dado preocupante: cerca de 680 adolescentes no
Brasil estão cumprindo medidas socioeducativas em cadeias públicas.
Só em Minas Gerais são 300 adolescentes nessa situação.
Na opinião do coordenador do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias Criminais e de Execução Penal do
Tribunal do Júri e da Auditoria Militar, Joaquim José Miranda
Júnior, é necessário que o Estado assuma e tente sanar as falhas na
implementação de políticas públicas para os jovens infratores. "A
pena por si só não vai recuperar ninguém. Isto é um fato",
afirmou.
Nesta linha, o desembargador Tarcísio Martins da
Costa propõe que o ECA seja aplicado também para o adulto e defendeu
mudanças na obrigatoriedade de liberar o menor aos 21 anos de idade
e na aplicação de medidas socioeducativas por tempo determinado.
Promotor defende o ECA
Retirar a aplicação de uma lei inclusiva, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, colocar outra, o Código Penal,
que não tem pretensão de incluir. Dessa forma o promotor de Justiça
da Promotoria da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Celso
Penna Fernandes Júnior, resumiu a proposta de mudança na legislação
brasileira em relação à maioridade penal. "A lei penal é feita para
punir o crime do pobre, e não o do rico. A classe dominante não vai
fazer uma lei para colocá-la na cadeia", ressaltou ao afirmar que no
Brasil existe uma "elite branca', que não tem interesse em que o
País desenvolva e promova a exclusão social. Disse ainda que a elite
pretende retirar a melhor lei do Brasil, o ECA, que, na sua opinião,
é mal compreendido e ignorado pela sociedade.
Para o presidente da Comissão de Participação
Popular, deputado André Quintão (PT), e um dos autores do
requerimento pela audiência pública, o debate prioritário não
deveria ser a redução da maioridade, mas sim a defesa da aplicação
do ECA e a implantação de políticas públicas voltadas para a
juventude. "Temos que discutir hoje a situação de milhares de jovens
que não conseguem completar seus estudos e não têm acesso ao
primeiro emprego", destacou. Para o deputado, em Minas Gerais é
preciso, por exemplo, garantir o cumprimento das medidas
socioeducativas previstas pelo ECA, ampliar o acompanhamento do
jovem egresso dessas medidas e aumentar a abrangência dos programas
de ressocialização.
Mesma opinião tem o deputado João Leite (PSDB):
"colocar o adolescente no sistema prisional brasileiro é algo
criminoso". Segundo ele, o Brasil oferece pouca oportunidade para o
jovem pobre. Criticou também que a mesma imprensa que exibe filmes
violentos, estimulando os jovens, adota o discurso de que o
adolescente é responsável por todos os crimes do Brasil
André Quintão lembrou ainda da importância da
realização pelas comissões do debate sobre a maioridade penal.
Segundo ele, as pesquisas indicam que 80% da população defende a
redução da maioridade penal, mas que esse índice está ligado ao
desconhecimento da opinião pública sobre o ECA e as punições nele
previstas. "Ao realizar esse debate, a Assembléia está
disponibilizando as informações para que cada um possa formar sua
opinião", afirmou.
Deputados defendem ampliação do debate
Também autor do requerimento para o debate, o
vice-presidente da Comissão de Segurança Pública, deputado Paulo
Cesar (PDT), acredita que medidas para combater a criminalidade do
menor infrator devem ser tomadas. "Embora a competência de mudança
na legislação penal seja federal, Minas não pode se omitir de
discutir um tema tão relevante", afirmou.
Os deputados Luiz Tadeu Leite (PMDB) e Carlin Moura
(PCdoB) defenderam a idéia de que a redução da maioridade penal não
representa o caminho para o fim da violência no País. Segundo Luiz
Tadeu, as causas da falta de segurança pública estão ligadas à má
gestão do governo federal no que se refere ao tráfico de drogas e
armas. Ele acredita que o projeto que versa sobre a redução da
maioridade é uma forma de desviar a atenção do verdadeiro problema.
Para Carlin Moura, o fundamental é cobrar das
autoridades responsáveis a efetividade na aplicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente e não penalizar ainda mais os jovens. "Há
estatísticas que mostram que os locais onde há um maior números de
crianças matriculadas em escolas das redes pública e particular o
índice de violência é próximo de zero. A solução para os problemas
da segurança pública passa pelo investimento na educação e no
cumprimento das leis sociais", afirmou.
A promotora da Vara da Infância e Juventude de Belo
Horizonte, Maria de Lourdes Santagema, reforçou a opinião dos
deputados, ao afirmar que há solução para a questão da recuperação
de jovens infratores, desde que haja recursos públicos para essa
finalidade.
Presenças - Deputados
Sargento Rodrigues (PDT), presidente da Comissão de Segurança
Pública e que presidiu a reunião conjunta; Paulo Cesar (PDT),
vice-presidente; Délio Malheiros (PV), Luiz Tadeu Leite (PMDB);
André Quintão (PT), presidente da Comissão de Participação Popular;
João Leite (PSDB) e Carlin Moura (PCdoB) e a deputada Elisa Costa
(PT). Além das autoridades citadas na matéria, participaram da
reunião representantes de diversas entidades voltadas à infância e à
adolescência, além de estudantes da Faculdade de Direito do UNI/BH,
por meio do programa Conexão Assembléia, desenvolvido em parceria
entre a Escola do Legislativo e aquela universidade.
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