Geraizeiros x reflorestadoras: um drama no Norte de Minas

De um lado, comunidades tradicionais, que vivem do extrativismo do cerrado. De outro, grandes empresas proprietárias ...

20/04/2007 - 00:00
 

Geraizeiros x reflorestadoras: um drama no Norte de Minas

De um lado, comunidades tradicionais, que vivem do extrativismo do cerrado. De outro, grandes empresas proprietárias de enormes extensões de florestas plantadas. Os conflitos entre comunidades rurais e grandes reflorestadoras do Norte de Minas culminaram no assassinato do lavrador Antônio Joaquim dos Santos, em fevereiro deste ano. O assunto motivou uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais realizada em Bocaiúva na tarde desta sexta-feira (20/4/07).

O trabalhador rural foi assassinado no dia 26 de fevereiro, quando supostamente apanhava lenha dentro da fazenda Pé do Morro, de propriedade da Vallourec & Mannesmann (V & M do Brasil), em Guaraciama, cidade vizinha de Bocaiúva. Seguranças armados da reflorestadora teriam atirado no lavrador com revólver calibre 38 e fugido logo em seguida. Os acusados do crime são quatro vigilantes da empresa Pré Service, que presta serviços de segurança para a V & M: Claudiney Pereira da Silva, João Pereira da Silva Cachoeira Neto, Ângelo Antônio Librelon e José Francisco de Oliveira.

"No dia do crime, eu falei com o João (um dos envolvidos no crime): eu te conheço, me dá um socorro. Ele me respondeu que é uma autoridade para fazer aquele tipo de coisa", contou, emocionada, a viúva do trabalhador rural, Maria Judite de Souza Santos. O filho da vítima, Edmar Aparecido dos Santos, relatou ser vítima de ameaças por parte dos acusados, que estão livres e continuam trabalhando normalmente. "Eles podem ficar soltos na rua fazendo ameaças?", questionou o irmão do lavrador, Joaquim dos Santos, também muito emocionado.

O inquérito policial que apurou o caso foi concluído em 15 dias, e pede o indiciamento dos quatro envolvidos no crime. O Ministério Público já ofereceu a denúncia, que precisa ser recebida pela Justiça. Ao Judiciário, cabe marcar os primeiros interrogatórios, para dar prosseguimento ao processo. Os denunciados podem pegar até 30 anos de prisão pelo crime de homicídio, além de outros 20 anos por tentativa de homicídio. "Fatalmente eles serão condenados. Está claro nos autos o crime de homicídio qualificado", adianta o delegado regional de Montes Claros, Aloísio Mesquita.

A V & M enviou a superintendente administrativa Denise Vieira à reunião, que lamentou o episódio e eximiu a empresa de responsabilidade no crime. "A empresa que presta o serviço de vigilância tem autorização da Polícia Federal, e seus funcionários recebem treinamento e passam por testes psicológicos severos. A V & M não tem como dar ordens e determinações para esses funcionários", limitou-se a dizer.

A morte de Antônio Joaquim dos Santos ilustra o acirramento dos conflitos entre os chamados geraiseiros (moradores de pequenas comunidades rurais que sobrevivem coletando frutos e raízes do cerrado mineiro) e as reflorestadoras. "A gente podia colher mangaba e pequi para vender no mercado. Hoje a nossa comunidade não tem mais isso. O povo está cada vez mais encurralado pelo eucalipto, que não fornece o sustento de nossas famílias", relatou a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bocaiúva, Marli Duarte de Souza.

O representante do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, Carlos Dayrel, acrescentou que as comunidades geraizeiras são vítimas constantes de perseguições e ameaças por parte das reflorestadoras. "Essas empresas vêm explorar nosso povo, degradar nossos recursos naturais e ainda têm a cara de pau de dizer que estamos roubando lenha", acusou. Segundo ele, os geraizeiros retiram seu sustento do cerrado de forma harmônica há três séculos, mas nos últimos 30 anos, o governo do Estado expropriou essas terras (que seriam devolutas) e as repassou para grandes empresas plantarem eucalipto e pinus. "Vivemos um momento crítico no Norte de Minas. A violência contida pode explodir a qualquer hora", afirmou.

Prova do acirramento dos ânimos é a quantidade de inquéritos instalados para se investigar roubo de lenha nessas fazendas. São 48 somente na área subordinada à Delegacia Regional de Polícia de Montes Claros. "O conflito social está latente", avalia o delegado Aloísio Mesquita. "Estamos diante de uma situação de exclusão social e impactos ambientais incomensuráveis", acrescentou o coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Conflitos Agrários, procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira.

O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que solicitou a realização da audiência, defendeu a retomada das reservas extrativistas para assegurar a sobrevivência da população geraizeira. Ele informou que o Estado pretende renovar os contratos de repasse das terras devolutas para as reflorestadoras e abrir licitações para permitir novos reflorestamentos nessas terras. O parlamentar garantiu que vai pedir providências para todas as questões levantadas durante a reunião.

Presenças - Deputado Durval Ângelo (PT), presidente da comissão. Também participaram da reunião o coordenador estadual da Comissão Pastoral da Terra, Alvimar Ribeiro dos Santos; e o presidente do Sindicato dos Vigilantes, Carlos Antunes.

 

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