Audiência Pública abre novas discussões sobre carteira de
estudante
A Comissão de Cultura da Assembléia Legislativa de
Minas Gerais realizou, na tarde desta terça-feira (17/4/07), um
grande debate sobre o Projeto de Lei 59/07, de autoria do deputado
Weliton Prado (PT), que estende para qualquer jovem até 18 anos o
direito estudantil de meia-entrada nos espetáculos públicos. A
numerosa lista de convidados para a audiência pública realizada a
requerimento da deputada Maria Lúcia Mendonça (DEM) incluiu
promotores culturais, lideranças estudantis e representantes da
Justiça e dos órgãos de defesa do consumidor.
O foco do debate não ficou propriamente no tema do
PL, mas na legitimidade das entidades estudantis para emitir a
carteira de estudante e nos artifícios utilizados pelos empresários
culturais para burlar esse direito. Durante quase quatro horas, com
muitas manifestações da platéia formada por representantes de
entidades estudantis, argumentos foram apresentados pelos
representantes de cada segmento, sem que se pudesse chegar a um
formato conclusivo. A presidente da Comissão, deputada Gláucia
Brandão (PPS), disse que as sugestões de todos serão consideradas
para o aprimoramento do projeto. Maria Lúcia Mendonça e Carlin Moura
(PCdoB) avaliam que a reunião levantou temas para inúmeras outras
audiências.
Dois comandos legais foram citados repetidamente
durante a audiência: A lei estadual 11.052, de 1993, de autoria do
deputado Mauri Torres (PSDB), que criou o direito à meia-entrada
para estudantes em espetáculos e diversões públicas no território
estadual. A Medida Provisória 2208, de 2001, quebrou o monopólio da
emissão de carteiras de identidade estudantil, permitindo que sejam
emitidas pelas escolas, pelas entidades ou por credenciados. A
emissão indiscriminada de carteiras sem padrão e sem autenticação
teria provocado desconfiança sobre o documento.
Estudantes defendem direito à emissão de
carteiras
As entidades estudantis presentes ao evento
apresentaram posições divergentes. O presidente da União Nacional
dos Estudantes (UNE), Daniel Ferreira Coelho, reivindica para a UNE
e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), o direito
de emissão do documento, sob o argumento de que as entidades têm 70
anos de existência e lutaram contra o totalitarismo e o golpe
militar de 1964.
Lisa Prado, representante do Procon de Uberlândia,
contra-argumentou que a carteira da UNE custa R$ 40,00, e há
entidades que as fornecem por R$ 5,00. "A medida provisória veio
garantir independência ao movimento estudantil brasileiro e retirar
a obrigação de filiação à UNE ou à Ubes", disse Lisa Prado,
sugerindo ao deputado autor que prepare um substitutivo mais
abrangente ao seu projeto.
Atendendo a um pedido do deputado Gilberto Abramo
(PMDB), a presidente da comissão admitiu a presença e deu a palavra
a Eliseu José da Silva, presidente de uma entidade chamada Movimento
Estudantil do Brasil (MEB), de Ibirité. Silva assegurou que cobra
apenas R$ 5,00 pela identidade estudantil e que havia feito convênio
com várias escolas para fornecer carteiras durante sete anos. O
deputado Carlin Moura criticou o que considera vitaliciedade de
entidades como essa, que não têm histórico de compromisso com as
lutas estudantis. Abramo contra-argumentou que a MP 2208 retira o
monopólio do credenciamento da UNE, e que o MEB de Ibirité estava em
pé de igualdade com a UNE na legislação.
Outro dirigente estudantil foi admitido no recinto,
desta vez a requerimento do deputado Weliton Prado. Foi Simão
Martins, dirigente da Associação Mineira dos Estudantes
Secundaristas (Ames). Ele defendeu que as empresas de emissão de
carteiras sejam afastadas e que as entidades estudantis possam
emiti-las, porque representam uma importante fonte de renda para
sustentar suas atividades.
Rodrigo Figueira, diretor da Associação Mineira dos
Estudantes, afirmou que as verbas para financiar a cultura estão
surgindo e que o governo vem cumprindo seu papel de universalizar o
acesso aos bens culturais, como no caso dos financiamentos do BNDES
com incentivos para a produção cinematográfica. Figueira denunciou
que os empresários culturais de Uberlândia burlam a lei da
meia-entrada.
Produtores culturais querem que o Estado cubra
meia-entrada
O posicionamento dos produtores e empresários
culturais presentes à reunião seguiu a linha de não-interferência do
Estado na livre iniciativa. Lúcio Oliveira, presidente da Associação
Brasileira de Promotores de Espetáculos (Abrape), exibiu um vídeo
com artistas famosos se manifestando pela regulamentação da
meia-entrada. Para ele, não é justo que o cidadão adulto, que já
paga todos os impostos, tenha que arcar com o benefício, e menos
justo ainda que o artista arque com o prejuízo. Para ele, uma
proposta razoável seria vincular a meia-entrada aos espetáculos
financiados pela Lei de Incentivo à Cultura.
Cássio Barcellos, presidente do Fórum Permanente
dos Dirigentes das Casas de Espetáculos de Minas Gerais, acrescentou
que todos deveriam pensar a cultura num patamar mais elevado, onde
haja respeito pela classe. "Muitas vezes, a meia-entrada prejudica a
classe artística. O ator não tem salário fixo. Ele recebe pela
bilheteria. Então a meia-entrada tira seu sustento", afirmou.
Posição diferente tem o produtor cultural José
Lopes da Silva, de Uberlândia, que saúda as iniciativas do governo
de garantir o acesso à cultura e prefere ver cheias as casas de
espetáculo com estudantes a vê-las quase vazias só com pagantes de
inteira. O acesso maior é mais vantajoso sob todos os aspectos,
segundo ele.
Neivaldo Aroldo Ramos, procurador-chefe do Palácio
das Artes, afirmou que a meia-entrada foge ao espírito pela qual foi
criada, e desviou a discussão para a questão do financiamento da
cultura. A programadora da Fundação Clóvis Salgado, Cláudia Garcia
Elias, pediu a regulamentação adequada da lei da meia-entrada, de
forma a não penalizar os produtores de cultura.
Pré-Vestibulando não tem direito a carteira
estudantil
O promotor de Defesa dos Direitos do Consumidor,
José Antônio Baeta Cançado, argumentou que a carteira estudantil,
bem regulamentada, pode funcionar até mesmo para incentivar o jovem
a permanecer na escola, devido às vantagens sociais que proporciona.
Na opinião dele, a carteira deve ser privilégio apenas dos
estudantes, e não de qualquer jovem, e o primeiro passo deve ser a
regulamentação, com a autenticação exigida pela lei. "Atualmente, os
adultos já estão pagando em média 20% a mais nos espetáculos por
causa da meia-entrada". Baeta esclareceu que a lei determina que o
benefício seja dado aos estudantes de 1°, 2° e 3° graus.
Curiosamente, não se estende aos estudantes de pré-vestibulares, uma
lacuna que foi preenchida pela interpretação do espírito da lei.
O autor do projeto de lei 59/07, Weliton Prado,
deixou para falar por último. Informou que aquele projeto havia sido
apresentado há quatro anos, que já havia recebido inúmeros
aperfeiçoamentos, mas ao ser arquivado no final da legislatura,
voltou em sua forma original. Prado atacou os empresários de
espetáculos que burlariam de todas as formas a legislação,
especialmente a que assegura direito à meia-entrada. Revelou que fez
investigações pessoalmente e foi agredido na entrada de casas de
espetáculos inclusive por policiais civis e militares que faziam
"bicos" em horários de folga.
O deputado autor assegurou que vai inserir
dispositivo no projeto, criando multas para fraudadores, destinadas
ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor. "Perdemos
todas as ações que ajuizamos", admitiu o deputado. "Mas tudo o que
os estudantes conseguiram até hoje não foi dado pela Justiça, mas
pelas mobilizações, pela resistência", afirmou Prado. O deputado
Carlin Moura sugeriu que as punições sejam aplicadas nos fraudadores
dos dois lados, tanto o dos empresários como o das entidades
estudantis que emitem carteiras para falsos estudantes.
Presenças: Deputadas
Gláucia Brandão (PPS), presidente; Maria Lúcia Mendonça (DEM),
autora do requerimento; e Rosângela Reis (PV); deputados Weliton
Prado (PT), Gilberto Abramo (PMDB), Carlin Moura (PCdoB) e Lafayette
de Andrada (PSDB).
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