População de Miraí cobra fechamento da Barragem de São
Francisco
Cerca 70 pessoas lotaram o Auditório da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, nesta quarta-feira (11/4/07), para
ouvir das autoridades as causas e os encaminhamentos relacionados ao
rompimento da Barragem de São Francisco, em Miraí, na Zona da Mata,
no último 10 de janeiro, quando 2 milhões de m³ de lama alagaram
várzeas e residências na região. A reunião conjunta das comissões de
Meio Ambiente e Recursos Naturais e de Participação Popular durou
cinco horas e teve a participação de uma caravana dos atingidos pela
tragédia, de representantes de órgãos governamentais, da sociedade
civil e do gerente de Operações da Mineradora Rio Pomba
Cataguases.
Entre as reivindicações da população atingida,
apresentadas pelo coordenador do Centro de Estudo, Integração,
Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata (Ceifar), Rogério
Rezende da Silva, estão a exigência de parar todo processo de
licenciamento ambiental na região; de cobrir imediatamente os danos
materiais dos atingidos; de reparar os danos ambientais; além de
realizar uma audiência pública sobre o assunto na cidade, para que a
comunidade participe.
A sugestão da audiência será viabilizada no próximo
dia 23. Essa é a data da reunião ordinária da unidade regional do
Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), marcada para 14
horas, em Miraí. Rogério Rocha, representante da Secretaria de
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad),
convidou a Assembléia, órgãos públicos e atingidos presentes à
reunião a participarem desse encontro, que será uma espécie de
prestação de contas sobre os impactos causados pelo rompimento da
barragem às populações e ao meio ambiente.
Durante as cinco horas de audiência, cerca de 20
pessoas do público fizeram uso da palavra, muitos lembrando a
situação em que os atingidos se encontram. A moradora, e atingida
pela barragem, Zélia Astrogilda Bizarro, emocionou os presentes com
seu depoimento. "O que mais doeu foi a perda da minha história. É
humilhante para os atingidos a forma como estamos sendo tratados",
disse. O deputado André Quintão (PT) registrou que todas as
sugestões encaminhadas durante a audiência sejam transformadas em
documentos oficiais das comissões. Segundo ele, Agropecuária, Meio
Ambiente e Participação Popular são comissões que continuarão a
acompanhar os desdobramentos desse caso. "Espero que cada um dos
órgãos presentes tenha percebido a grande necessidade de ações",
afirmou.
Durante a audiência, foi votado um requerimento com
pedido de encaminhamento a órgãos do Executivo estadual de documento
entregue pela Fetaemg com sugestões a serem incorporadas no Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC). "Termino a audiência ainda muito
angustiado. Essa multa de R$ 75 milhões parece um teatro, uma
encenação. E a empresa já contestou. A coisa está cheirando mal. Até
agora, de concreto, não temos nada", lamentou o deputado Padre João
(PT).
Parlamentar cobra ação efetiva do Estado
Um dos autores do requerimento para o debate, Padre
João disse que houve uma ausência do Estado entre o primeiro e
segundo acidente. "Acredito que não foi acidente porque foi previsto
há mais de um ano", opinou o parlamentar, que cobrou ainda ações no
sentido de indenizar as famílias atingidas. Já o presidente da
Comissão de Participação Popular, deputado André Quintão, também
autor do requerimento, fez um relato histórico sobre a questão das
barragens e destacou que a ALMG acompanha a situação na Zona da Mata
há um bom tempo, especialmente o conflito existente ente as
mineração da bauxita e a agricultura familiar.
Já o deputado Sebastião Costa (PPS), também autor
do requerimento para a audiência pública, lamentou o fato de a
reunião não estar sendo realizada em Miraí, para facilitar a
presença dos municípios envolvidos, mas destacou a importância do
debate e do diálogo sobre os impactos ambientais do rompimento da
barragem. Todo o público se manifestou insatisfeito com a realização
da audiência em Belo Horizonte.
O vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente,
deputado Fábio Avelar (PSC) informou aos atingidos que vai sugerir
às comissões de Meio Ambiente e de Participação Popular que
reivindiquem do Executivo a regulamentação da Lei 15.399, de 2004,
fruto de projeto do ex-deputado Laudelino Augusto (PT). A lei
determina que o responsável por empreendimento público ou privado em
operação no Estado, considerado efetiva ou potencialmente poluidor
ou degradador do meio ambiente, cuja atividade implique risco de
acidente capaz de provocar dano ao meio ambiente, a vida humana ou a
recurso econômico, encaminhará, quando lhe for solicitado, relatório
de avaliação de risco ambiental, a ser encaminhado aos integrantes
do Sistema Estadual de Meio Ambiente; órgãos e entidades públicos
municipais de meio ambiente; Ministério Público e Assembléia.
O Projeto de Lei (PL) 265/07, que dispõe sobre a
obrigatoriedade de apresentação de garantia real, por parte de
empreendimentos econômicos, nas hipóteses de risco iminente ao meio
ambiente e à população, do deputado Padre João, também foi lembrado.
"Queremos que essa comissão conjunta apóie a tramitação urgente
desse projeto", pediu Leonardo Resende, advogado da comissão criada
pelos atingidos.
O projeto já passou pela CCJ e recebeu um
substitutivo. Outra proposta em tramitação, da deputada Elisa Costa
(PT), citada por ela na reunião desta quarta, é o PL 35/07, anexado
ao PL 265/07. A parlamentar reivindicou que seja acelerada a
tramitação da matéria.
Dez por cento das barragens não seriam
estáveis
A diretora de Licenciamento de Atividades
Industriais e Minerárias da Feam, Zuleika Chiacchio Torquetti,
trouxe dados preocupantes. Das 606 barragens classificadas quanto ao
potencial de dano ambiental, 41% são de médio potencial (classe II);
31% seriam de alto potencial (classe III). Essa avaliação não é da
estrutura da barragem, mas sim da fragilidade da área no entorno.
Das 606 barragens, 373 (62%) seriam em minerações; e 233 (38%) em
indústrias.
A técnica mostrou ainda os resultados de uma
auditoria técnica de segurança, feita por auditores independentes
por determinação do Copam, cujos relatórios foram analisados pela
fundação. A auditoria abrangeu 93% das 606 barragens classificadas.
Essa pesquisa apontou que 10% do total não teriam garantia de
estabilidade; 75% seriam estáveis e, em 14%, não foi possível chegar
a uma conclusão, pois as barragens eram muito antigas e não havia
documentos técnicos suficientes para análise. A maior parte dessas
barragens sem garantia de estabilidade - que não chegariam a 60 -
seriam de mineração, mas não estariam concentradas em um único local
no Estado.
Em entrevista à imprensa, Zuleika Torquetti afirmou
que a situação é preocupante, mas que isso não significa que essas
barragens estão prestes a romper. Significa, sim, que precisam de
atenção especial e adequações - que podem ser desde a simples
limpeza do local até uma obra de engenharia para reforço da
barragem. Ela informou na reunião desta quarta que a Feam vai
concentrar esforços na fiscalização dessas barragens, negociando
planos de ações individuais com os seus responsáveis. A técnica
disse que a fundação está montando um plano de fiscalização, em
parceria com o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia (Crea/MG).
Sociedade civil não participou do Termo de
Ajustamento de Conduta
O coordenador do Ceifar reclamou da demora em
ressarcir a população atingida e o desconhecimento do conteúdo do
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pela empresa
responsável pela barragem, a Rio Pomba Cataguases, e o Ministério
Público (MP) estadual. Em resposta, a promotora de Justiça e
coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Histórico e Cultural e da
Habitação, Shirley Senvi Bertão, informou que discussão em torno do
TAC foi "eminentemente técnica e jurídica" e que o MP não pode
dispor do direito individual de cada um, porque cada pessoa
envolvida tem o direito legítimo de ser ressarcido. "Neste
particular, não temos como interferir porque não temos legitimidade
para tal, mas o TAC prevê que a empresa deve indenizar as pessoas",
afirmou a promotora.
A proibição da participação de representantes da
sociedade civil organizada nas discussões sobre o TAC foi contestada
por vários presentes à reunião, inclusive pelo advogado Leonardo
Resende, e pelo membro da Fetaemg e do Copam Eduardo Nascimento.
"Essa decisão é ilegal e equivocada. A discussão é técnica. Temos,
além de técnicos, o domínio completo do fato", afirmou Leonardo.
Shirley Senvi Bertão apresentou as decisões
presentes no TAC, como de encerrar definitivamente, em até 180 dias,
a exploração de bauxita na Fazenda São Francisco; de identificar as
áreas de risco provenientes do rompimento; de diagnosticar os
problemas existentes; e de ressarcir os danos materiais e morais dos
atingidos. De acordo com a promotora, esse termo é preliminar porque
ainda devem ser adotadas as medidas compensatórias. No entanto, ela
destacou que este foi o segundo TAC assinado com a Rio Pomba
Cataguases, já que, em março de 2006, outro acidente ocorreu na
mesma barragem e foram definidas obras para evitar novo desastre,
fato este que ocorreu antes da conclusão das obras. "Na nossa visão
houve culpa e erro de quem executou o projeto e isto é passível de
punição", afirmou a promotora.
Segundo a diretora de Licenciamento de Atividades
Industriais e Minerais da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam),
Zuleika Chiacchio Torqueti, o órgão acompanhou todas as medidas
corretivas estabelecidas no primeiro TAC e fez seis vistorias no ano
passado; mas antes da última vistoria houve o acidente, mais grave
que o primeiro. Ela lembrou que o rompimento da barragem, em março
de 2006, despejou 130 mil m³ de rejeitos. No acidente de janeiro
deste ano foram despejadas 2 milhões de m³ de água e argila, que
inundaram várzeas e residências, pessoas ficaram desabrigadas, houve
interrupção do abastecimento de água e erosões abaixo da barragem (a
jusante).
Empresa apresentou recursos contra a multa
Segundo a diretora da Feam, Zuleika Chiacchio
Torqueti, a Rio Pomba Cataguases foi multada em R$ 75 milhões pelo
acidente em janeiro deste ano, mas apresentou defesa que está sendo
avaliada pela Feam. Informou ainda que as atividades na empresa
foram embargadas e as próximas discussões serão no sentido de
desativar definitivamente as barragens de São Francisco e de Bom
Jardim, com a recuperação das águas, e ajudar na negociação sobre as
indenizações dos atingidos. De acordo com a promotora, a Rio Pomba
Cataguases está pleiteando a licença ambiental para operar na
Barragem Bom Jardim.
O presidente da Feam, Ilmar Bastos Santos, se
colocou à disposição para debater o assunto em Miraí. "Temos na
região grande afloramento de bauxita e, por outro lado, os
agricultores familiares. Temos, dessa forma, o conflito instalado,
que precisa ser repensado por todos os órgãos", afirmou. Também se
mostrou disposto a colaborar o representante do secretário Nacional
de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Renê
Vilella. De acordo com ele, os mananciais da barragem de Miraí
integram a Bacia do Rio Paraíba do Sul e que o governo federal está
em fase inicial de revitalização do rio, abordando especialmente a
atividade mineral. Ele apresentou aos deputados presentes o programa
Gestão de Conflitos Relacionados à Mineração (Gescom). O programa
avalia o potencial econômico dos resíduos existentes para que, a
médio prazo, tenha menor número de barragens. "Se houver interesse
da ALMG, podemos promover um seminário legislativo sobre atividade
mineral, meio ambiente e sociedade", sugeriu Renê Vilella.
Também foi entregue aos deputados um documento
apresentado no Seminário Nacional de Barragens e Rejeitos, ocorrido
em julho de 2003. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias
Extrativas do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), na ocasião,
diversas recomendações foram apresentadas e acidentes poderiam ter
sido evitados, entre elas a exigência de uma anotação de
responsabilidade técnica (ART) e a responsabilidade do empreendendor
em relação às irregularidades. "Obra de engenharia, se bem
projetada, construída e fiscalizada, não cai.", afirmou.
Fernando Reiff, representante do Instituto Estadual
de Florestas (IEF), afirmou que será preciso avaliar melhor os danos
causados pelo rompimento da barragem, a fim de promover ações de
recuperação ambiental. Será necessário, acrescentou, repovoar os
cursos d'água com espécies da ictiofauna nativa. De acordo com o
técnico, a elevação brusca da turbidez da água, causada pelo
escoamento dos rejeitos da barragem, provocou não somente a
mortandade dos peixes, mas também danos futuros à cadeia
alimentar.
Será preciso, ainda, promover a fertilização do
solo, para permitir o crescimento das plantas. Segundo o engenheiro
florestal, o alumínio presente na argila que compõe o rejeito da
barragem torna o solo mais ácido. Este é um fator limitador da
produção agrícola, além de provocar a diminuição das pastagens.
Milton Olavo de Paiva Franco, que representou o
Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), informou que não houve
contaminante tóxico no rompimento da barragem. O monitoramento dos
cursos d'água começou 12 horas após o acidente e, segundo o técnico,
após 20 dias a turbidez teria voltado ao nível normal. As
informações de Franco foram contestadas pelo deputado Bráulio Braz
(PTB), que é de Muriaé. Segundo o parlamentar, a região sofre até
hoje com os efeitos do acidente ambiental. "A turbidez continua; a
água não está limpa", ressaltou. A população presente reafirmou a
fala do deputado.
Atingidos alertam para risco de novo acidente;
empresa se justifica
Antônio José Francisco, do Comitê de Bacia
Hidrográfica do Rio Muriaé, alertou sobre os riscos de um novo
acidente ambiental. Ele pediu às comissões de Meio Ambiente e de
Participação Popular que visitem a barragem rompida. Segundo ele,
60% do rejeito ainda estariam no local e qualquer chuva mais forte
poderia levá-los para o rio Muriaé, causando nova inundação. Ele
também criticou o Igam, afirmando que a turbidez da água permanece.
"Os fenômenos meteorológicos não podem tirar a responsabilidade da
mineradora. Quem trará mais peixes para os rios e quem vai cobrir o
prejuízo do povo?", questionou.
Para Antônio José Francisco, uma audiência no
interior deveria acontecer não na cidade de Miraí, mas em Muriaé,
onde a Mineradora Rio Pomba Cataguases ainda não chegou a um acordo
com os atingidos. Ele cobrou melhor atendimento por parte da empresa
durante as negociações. "Alugaram uma pequena sala no Centro da
cidade e deixaram mais de cem pessoas esperando no corredor,
recebendo senhas para serem atendidas semanas depois", criticou.
O gerente de Operações da mineradora, Alfredo
Mucci, limitou-se a enfatizar que a empresa está arcando com todos
os custos e danos causados pelo rompimento da barragem. Ele informou
que mais de 300 acordos foram firmados, o que abarcaria os atingidos
até a região de Miraí. Durante sua fala, representantes dos
atingidos levantaram cartões vermelhos que trouxeram ao auditório,
para expressar sua insatisfação.
Presenças - Deputados
André Quintão (PT), presidente da Comissão de Participação Popular,
que presidiu a reunião conjunta; Eros Biondini (PHS),
vice-presidente da comissão; Carlin Moura (PCdoB); Fábio Avelar
(PSC), vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente; Almir Paraca
(PT), Rômulo Verenoso (PV), Wander Borges (PSB), Padre João (PT),
Ronaldo Magalhães (PSDB), Bráulio Braz (PTB), Sebastião Costa (PPS),
Dinis Pinheiro (PSDB), Irani Barbosa (PSDB), e Gil Pereira (PP) e as
deputadas Maria Lúcia Mendonça (DEM) e Elisa Costa (PT); além de
representantes de órgão governamentais e da sociedade civil.
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