Criação de juizado é necessária para aplicação da Lei Maria da
Penha
A criação, no plano estadual, do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em caráter de
urgência, será uma das medidas necessárias para efetivar a
implementação da Lei Federal 11.340, de 2006, a Lei Maria da Penha.
Foi o que afirmou o desembargador Élcio Valentim, em reunião
conjunta das Comissões de Direitos Humanos e de Segurança Pública da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, nesta quarta-feira
(28/3/07). Como parte dos eventos comemorativos do Dia Internacional
da Mulher, a reunião foi convocada pela bancada feminina da
Assembléia, para discutir a implantação da nova legislação, e teve a
participação de representantes do Ministério Público, da Defensoria
Pública, da Delegacia de Mulheres e de entidades organizadas.
A Lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006,
foi um dos temas do Fórum de Políticas Públicas para Mulheres,
realizado pela Assembléia em 8 e 9 de agosto do ano passado. A lei
altera o Código Penal para permitir a prisão em flagrante de
agressores. Também acabam as penas pecuniárias e a prisão prevista
muda de seis meses a um ano para três meses a três anos. A nova
norma coloca o Brasil no 18º lugar entre os países da América Latina
a contar com uma legislação específica para a violência
doméstica.
Lei provocou necessidade de mudanças nos órgãos
públicos
De acordo com o desembargador Élcio Valentim, a Lei
Maria da Penha ainda não repercute nos tribunais como deveria. Para
ele, apesar de ser um retrato da incompetência de anos da sociedade
e do poder público ao tratar das questões de violência contra a
mulher, a lei é fundamental por trazer um conjunto de medidas que
visam atacar situações dramáticas que, muitas vezes, não chegam ao
conhecimento de quem, por direito, deveria tomar as providências
devidas. "Só quem lida com a situação sabe que nem só em relações
que compreendem contato sexual há violência contra a mulher",
considerou o desembargador.
A introdução da lei provocou muitas mudanças também
nos procedimentos internos das delegacias de polícia, que ainda
estão em fase de adaptação, como explicou a titular da Delegacia
Especializada de Crimes Contra a Mulher, Olívia de Fátima Braga
Melo. Segundo ela, os policiais agora têm mais cobertura e proteção
para trabalhar, como em situações que exigem encaminhamento de
vítimas a hospitais, abrigos e IML, retirada de pertences pessoais
na casa da vítima, autuações em flagrante e instauração de
inquéritos. A delegada informou que já foram feitas 120 autuações em
flagrante desde a vigência da lei e uma média de 200 expedientes
apartados (medidas de proteção às vítimas) por mês.
Mais efetivos - A nova lei
exigiu também mais recursos humanos e materiais. Segundo Olívia
Melo, chegarão duas delegadas e três novas viaturas à Delegacia de
Mulheres da Capital. Ela adiantou que, apesar de ainda haver déficit
de pessoal, cerca de 200 escrivães e 600 agentes de polícia já estão
participando de cursos de formação. A delegada ainda citou a criação
de duas novas delegacias para a Capital, em junho e fevereiro
próximos. Mas destacou que só há um abrigo para as vítimas e que a
concretização das ações contra a violência precisa da criação de
novas casas de passagem.
Norma ainda enfrenta entraves
Laís Maria Costa Silveira, da Promotoria de Defesa
da Violência Doméstica e Familiar, lembrou que a aplicação da Lei
Maria da Penha ainda enfrenta obstáculos culturais, muitas vezes por
parte das próprias mulheres, que só chegam a denunciar a violência
quando a situação se torna insustentável. Além disso, há entraves
jurídicos, questionando a constitucionalidade da lei, que acabam
dificultando a aplicação prática das medidas criadas por ela. A
promotora falou, ainda, sobre o funcionamento da promotoria
especializada, criada em outubro de 2006, logo quando a lei entrou
em vigor, e defendeu a criação do Juizado Especial pelo TJ e uma
atuação integrada e interdisciplinar para avançar no atendimento à
mulher.
O defensor público Heverton Rocha também defendeu o
trabalho em conjunto dos mais variados profissionais que trabalham
com atendimento à mulher vítima de violência. "Está na hora de
priorizar as garantias previstas na lei", disse, afirmando que os
defensores já estão se especializando na nova legislação. De acordo
com Rocha, entre agosto de 2005 a maio de 2006, a Defensoria Pública
da Mulher prestou 8 mil atendimentos e criou núcleos em várias
cidades, para atendimento especializado a mulheres vítimas de
violência, com equipe multidisciplinar.
Num discurso, que depois se estendeu para as
participantes do debate que se seguiu à reunião, a vice-presidente
do Movimento Popular da Mulher, Jovita Levy, enfatizou que o
problema da violência contra a mulher não é só delas, "mas de toda a
sociedade". E salientou também que, mais do que a violência física,
é preciso que a sociedade enfrente a violência moral e psicológica,
"aquela que humilha, que magoa". Ao lembrar que, em encontro com um
desembargador para entrega de um documento dos movimentos de
mulheres, ouviu dele o comentário de que "em breve teria-se que
criar juizados especiais para tudo, obesos, carecas", Jovita Levy
recebeu imediatamente, um pedido de desculpas do desembargador Élcio
Valentim, em nome do presidente do Tribunal de Justiça, Orlando
Adão.
Presente na platéia, o deputado João Leite (PSDB),
desabafou: "em que momento acontece na vida de nós, homens, este
desastre de nos voltarmos contra quem nos dá a vida?" E indagou do
representante da Defensoria Pública, sobre os resultados dos
núcleos. Heverton Rocha disse que a idéia é ampliá-los, "porque
estão dando uma resposta muito positiva".
Requerimento - As comissões
aprovaram requerimento para que seja enviado ao presidente do
Tribunal de Justiça pedido de providências urgentes para a
implementação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a
Mulher.
Presenças - Deputados Durval Ângelo,
presidente da Comissão de Direitos Humanos; Sargento Rodrigues
(PDT), presidente da Comissão de Segurança Pública; vice-presidentes
dessas comissões, Luiz Tadeu Leite (PMDB) e Paulo Cesar (PDT); além
de Carlin Moura (PCdoB), João Leite (PSDB) e Ana Maria Resende
(PSDB). Além dos convidados citados na matéria, participaram ainda
representantes de vários movimentos de luta contra a violência à
mulher.
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