Mídia pode ajudar na conscientização sobre questão
feminina
Os meios de comunicação, que geralmente reproduzem
a imagem estereotipada da mulher, baseada na ditadura da beleza e
voltada para o consumo, podem ser um importante aliado na
conscientização da sociedade sobre as questões de gênero. Os
movimentos sociais, por outro lado, devem intervir nessa relação,
incluindo as questões femininas nas agendas de discussão ou até
mesmo questionando comerciais que tratam a mulher como item de
consumo. Esses foram alguns dos pontos discutidos nesta terça-feira
(27/3/07), no debate sobre a influência da mídia na formação da
mulher, realizado na Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
A audiência conjunta das Comissões de Educação,
Ciência, Tecnologia e Informática e de Transporte, Comunicação e
Obras Públicas faz parte das comemorações do Dia Internacional da
Mulher e foi requerida pela bancada feminina da ALMG, integrada
pelas deputadas Cecília Ferramenta (PT), Elisa Costa (PT), Gláucia
Brandão (PPS), Ana Maria Resende (PSDB), Maria Lúcia Mendonça (PFL)
e Rosângela Reis (PV).
Para o professor Carlos Alexandre Gualberto Freire,
coordenador do Curso de Comunicação Social da Universidade Fumec, a
mídia ganha força na medida em que grupos estruturais da sociedade -
como família, igreja e escola - deixaram de ser referência.
"Passamos a buscar nossa identidade onde ela está visível, que é na
mídia. E a identidade se tornou um discurso. A consciência do que
somos abre espaço para o que os outros pensam que somos", pontua.
Esse discurso, na visão do professor, é poderoso, encerra verdades
freqüentemente ideológicas e tem estratégias para referendar isso.
"Nos apoiamos nele para construir uma visão de mundo, mas ele pode
ser aprisionador", alerta.
Nesse sentido, Freire cita o exemplo de revistas
femininas, que enaltecem a mulher completa (mãe, empresária, amante
etc) e a busca pela beleza, agora não só na forma de cosméticos, mas
de intervenções cirúrgicas cada vez mais agressivas. O poder da
mídia de cristalizar estereótipos foi ressaltado também pela
assessora de comunicação da Coordenadoria Adjunta dos Direitos de
Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, Noélia Pereira Prado, que
propôs uma reflexão sobre o papel que os governos, a sociedade
organizada e o meio acadêmico desempenham nesse cenário. Dados
citados pela assessora apontam que, a cada segundo, uma mulher é
agredida no Brasil.
Mídia reproduz papel submisso da mulher
Noélia Prado enfatizou o processo histórico de
construção da imagem feminina, a dona de casa voltada para agradar e
servir o homem, o embate entre beleza contra a inteligência. Essa
imagem, segundo ela, vigora ainda hoje, por exemplo, nas propagandas
de cerveja. Para a assessora, profissionais que trabalham com a
questão de gênero não podem deixar que as notícias virem espetáculo
ou sensação. "Falta compreensão quanto a isso entre os jornalistas",
argumenta.
Já Neusa Cardoso de Melo, da Articulação de
Mulheres Brasileiras, reforça que a questão da mulher é tratada de
forma semelhante em todos os meios de comunicação: como uma relação
baseada no poder masculino. "Alguns temas nem passam pelos jornais,
como a morte materna. E o aborto ainda é tratado de forma
conservadora e preconceituosa", salienta. Ela citou uma ação movida
há três anos contra a Kaiser, que foi obrigada a rever comerciais de
cerveja. "Hoje já está tudo igual", lamenta. A assessora da PBH,
Noélia Prado, também defende, nesses casos, o recurso ao Conselho
Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar).
Já a dependência à figura masculina, atribuída a
mulheres que exercem papel de líderes, foi ressaltada por Virgília
Rosa, titular da Coordenadoria Especial de Promoção e Defesa da
Mulheres, que integra a estrutura da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social (Sedese). Citando sua própria história, ela
relatou que, na função de vereadora de Pouso Alegre, era sempre
confrontada por adversários com a imagem de seu pai, que foi
prefeito da cidade e deputado. "Infelizmente, as novelas refletem a
realidade do País. Mas cabe à mídia responsável ajudar a mudar essa
realidade. Há novelas que já vêm enfrentando esses temas polêmicos",
salienta.
Soluções - Para amenizar
os efeitos nocivos da mídia sobre as mulheres, Noélia Prado lembra
que o próprio jornalismo pode ser parceiro, através da informação.
"Um pessoa informada é mais capaz de fazer uma crítica ao que é
apresentado como verdade", argumenta. O professor Carlos Freire
acrescenta que é preciso criar alternativas para a mídia capitalista
e consumista. "As TVs públicas se apresentam como um caminho",
indica. Já Neusa Melo ressalta que debates como esse possibilitam a
construção de leis e políticas públicas.
Parlamentares alertam para o preconceito
A deputada Maria Lúcia Mendonça, que presidiu a
reunião, fez um retrospecto de como as questões de gênero são
tratadas pela mídia, culminando, a partir dos anos 90, com a
exploração da sexualidade e sensualidade e com o estereótipo de
muita beleza e pouca inteligência. "As mulheres aparecem nas novelas
com vários papéis sociais, mas o predomínio é masculino. A mulher
forte, atuante, é exceção, um plano ideal que a mulher comum não
pode atingir. Até aqui, na Assembléia, não temos nenhuma mulher na
Mesa Diretora", salienta. Para ela, a mulher deve se cuidar, manter
sua feminilidade e lutar para que essa diferença seja
respeitada.
Gláucia Brandão lembrou que a mídia, como formadora
de opinião, ocupa espaço no cotidiano da sociedade e dissemina
valores e padrões de comportamento. "É importante que ela seja
aliada na luta pelos direitos da mulher, em campanhas educativas
para disseminar a qualidade de vida", defendeu. Por outro lado, a
deputada lembrou que a mídia perversa prega o culto exacerbado ao
corpo, ao belo, como se essa fosse a essência da mulher. "Há pessoas
morrendo por isso; há um investimento alto nesse sentido e há
crianças sendo formadas nesse ambiente", alerta.
Também a deputada Elisa Costa lembrou a influência
negativa e positiva da mídia, a primeira delas fruto do modelo de
sociedade capitalista e machista desenvolvido no Brasil. "Esse
modelo privilegia o mercado, o lucro, a competição. E esses valores
influenciam a mulher, foco das campanhas de consumo. É preciso
partir para um novo modelo, que valorize o ser humano e o
protagonismo da mulher", aponta.
Ana Maria Resende acrescentou que é preciso
implantar o planejamento familiar nos postos de saúde, assim como a
distribuição eficiente de preservativos, para fazer frente ao
problema do aborto. Ela convocou ainda as supervisoras pedagógicas,
como ela, presentes à reunião para que deflagrem um trabalho de
conscientização do professorado, buscando construir uma nova imagem
de mulher nas escolas.
Já o deputado Carlin Moura (PCdoB) acredita que a
mídia é usada como instrumento de difusão da ideologia da
inferiorização da mulher, construída pelo Estado patriarcal e
capitalista. "A mulher fica a serviço do Estado, que visa o lucro.
Com os salários mais baixos, há uma queda na massa salarial das
mulheres, aumentando o lucro do sistema", aponta. Para o deputado,
os meios de comunicação também são um negócio e a notícia, uma
mercadoria. "É preciso não uma censura, mas um controle social,
democrático, do conteúdo da programação", defende.
Debates - Durante a fase
de debates, a presidente em exercício do Conselho Estadual da
Mulher, Maria Nazaré Carvalho, destacou que o tema da reunião está
incluído na programação das Conferências Estadual e Nacional de
Políticas Públicas para Mulheres, que se realizam em 9 e 10 de julho
e 18 a 21 de agosto, respectivamente. Outros participantes
destacaram a importância da educação na formação de uma nova
identidade feminina.
Presenças: Deputadas Maria
Lúcia Mendonça (PFL); Gláucia Brandão (PPS), Elisa Costa (PT), Ana
Maria Resende (PSDB) e deputado Carlin Moura (PcdoB).
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