Agricultores lotam Plenário e exigem políticas públicas para o
setor
A agricultura brasileira quase dobrou o volume
exportado e teve uma receita 50% menor em dólares entre 2000 e 2004.
O dado, apresentado durante o debate público "A perda de renda do
produtor rural na atual fase de crescimento do agronegócio mineiro e
brasileiro", na tarde desta segunda-feira (26/3/07), foi um dos
muitos apresentados durante o evento. Relatos dramáticos sobre a
transferência de renda do setor rural para o urbano, previsões de
falência geral do agronegócio e conclamações à organização da
categoria para pressionar o governo federal foram a tônica durante
mais de cinco horas de debate, com o Plenário e as galerias lotados.
Solicitado pelo deputado Antônio Carlos Arantes
(PFL), por meio de requerimento endossado pela Comissão de Política
Agropecuária e Agroindustrial da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais, o debate público reuniu produtores, autoridades e
representantes do agronegócio, que encheram o Plenário da ALMG, para
discutir propostas e propor alternativas para solucionar o problema
da perda de renda do produtor rural. Compõem a comissão e
participaram da mesa de debates os deputados Vanderlei Jangrossi
(PP), presidente; Padre João (PT), vice; Antônio Carlos Arantes,
Chico Uejo (PSB) e Getúlio Neiva (PMDB). No início do debate, o
deputado Vanderlei Jangrossi comentou a sistemática perda de renda
do produtor rural e destacou a necessidade de reunir propostas para
o estabelecimento de uma agenda técnica para enfrentar o problema no
setor.
Os dois painelistas escolhidos, o deputado federal
Carlos Melles (PFL-MG) e o presidente da Federação da Agricultura e
Pecuária do Estado (Faemg), Roberto Simões, trataram,
respectivamente, dos problemas da cafeicultura e da pecuária de
corte e de leite, setores majoritários da economia mineira. Entre os
debatedores, estavam o ex-ministro da Agricultura, Alysson
Paulinelli; o secretário de Estado de Agricultura, Gilman Viana
Rodrigues; o presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas
do Estado de Minas Gerais (Ocemg), Ronaldo Scucato; o presidente da
Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Robson
Braga de Andrade; e o ex-presidente da Cooperativa de Santa Rita do
Sapucaí (Cooperrita) e representante de cooperativas, sindicatos e
produtores rurais, Carlos Henrique Moreira Carvalho.
Tecnologia e qualificação não garantem
renda
O deputado Antônio Carlos Arantes, que é produtor
rural, declarou que, juntos, os produtores precisam cobrar uma
política justa para o setor. "Nasci, vivi e me tornei prefeito
trabalhando na roça. Antigamente, via muita gente perdendo seus
negócios por não dispor de tecnologia adequada ou utilizar recursos
de forma equivocada. Hoje, é o trabalhador honesto que está
quebrado", disse. Segundo ele, mesmo quem trabalha com tecnologia de
ponta e mão-de-obra qualificada não está conseguindo manter um
rendimento razoável. "O governo federal está tirando de nós o
direito de cuidar de nossa família com dignidade, abusa de nós.
Vamos para Brasília defender nosso produtor", afirmou.
Medidas públicas para o enxugamento da produção e
conseqüente diminuição da oferta e aumento do valor de mercado dos
produtos rurais; além da renegociação dos contratos de crédito rural
são duas atenções imediatas que o governo deve ter em relação ao
agricultor brasileiro, segundo o secretário de Estado de
Agricultura, Gilman Viana Rodrigues. "Somos o segmento mais
penalizado com a ineficiência das políticas públicas", declarou. "O
que será, por exemplo, do etanol brasileiro? Como entregar a
produção? Como comercializar se não temos infra-estrutura para
isso?, questionou, ao afirmar que o produtor rural precisa, com
urgência, de políticas públicas eficientes.
'Agronegócio gera 37% dos empregos do país', afirma
Melles
Para o deputado federal Carlos Melles, a
significativa presença de produtores do Sul de Minas no evento é um
indício claro de como está ruim a situação do homem do campo. "O
governo não teve a percepção de que está matando a galinha dos ovos
de ouro. Temos competência técnica, o que precisamos agora é de
organização política", disse. Melles apresentou uma série de dados
que comprovam a perda de renda do produtor brasileiro. "O
agronegócio é responsável por 27% do PIB brasileiro", informou.
Segundo ele, o setor é responsável por 37% dos empregos no país.
"Desde 1986, somos vítimas dos planos econômicos, mas nunca fomos
tão aviltados como no atual governo. O empobrecimento do agricultor
brasileiro é real", afirmou.
De acordo com os dados apresentados por Carlos
Melles, em 1991, o PIB do café brasileiro foi de R$ 30 bilhões,
sendo que 30% desse valor ficou com os produtores. Em 2001, o valor
chegou a R$ 70 bilhões, enquanto somente 8% do total chegou às mãos
do agricultor. O deputado acredita que são muitos os fatores que
influenciam diretamente na crise do setor. Ele citou alguns, como o
rompimento de cláusulas da Organização Internacional do Café (OIC),
a perda de liderança na entidade, a extinção do Instituto Brasileiro
do Café (IBC) e a transferência do tema café do Ministério da
Indústria e Comércio para o da Agricultura. "Fomos muito
prejudicados com essa mudança", comentou. O deputado sugeriu que o
Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé, que tem o objetivo de
fomentar a cafeicultura nacional, por meio das linhas de
financiamento destinadas aos tratos culturais, colheita, estocagem)
tenha mais autonomia, assim como o Conselho Deliberativo da Política
de Café (CDPC).
Roberto Simões, presidente da Faemg, considera a
crise de 2006 a mais grave, porque atinge todos os produtos ao mesmo
tempo. Ele exibiu um estudo sobre a evolução da remuneração recebida
numa cesta de 15 produtos, cujo gráfico aponta uma forte queda nos
últimos anos, com custos não cobertos pela venda. Os estudos mostram
que, de 2000 a 2007, a remuneração da carne caiu 29%. Entre 2000 e
2005, o índice de preços recebidos pelo produtor de leite aumentou
63,5%, mas os combustíveis subiram 150% e a alimentação animal 97%.
"Enquanto nossa realidade é essa, a mídia tenta
passar à opinião pública a idéia de que o país está no melhor dos
mundos, e que qualquer queixa é choradeira nossa. É verdade que o
brasil tem a alimentação mais barata do mundo, mas à custa de
transferência de renda do setor produtivo. Não sobreviveremos sem
medidas duráveis, baseadas no seguinte tripé: seguro agrícola,
política de preço mínimo que funcione, e crédito no tempo e na
medida certa", propôs Simões.
Agricultores franceses bloquearam o país por seis
dias
O ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli,
(entre os anos de 1974-79), fez uma palestra sobre a evolução da
agricultura brasileira. Segundo ele, o modelo era inexpressivo até a
década de 70, mas, a partir de então, foi possível desenvolver a
primeira agricultura tropical bem sucedida do mundo. "Depois de 500
anos sem competitividade, levamos deslumbramento e pavor ao mundo
inteiro. Os países ricos tiveram que aumentar o subsídio de seus
produtos, para competir com nossa agricultura, que não tem subsídio
e paga a mais alta carga de impostos do mundo, de 25% sobre o
produto in natura".
Para o ex-ministro, foi o câmbio que empobreceu o
setor. Para estimular o produtor a reagir contra esse estado de
coisas, ele lembrou o exemplo dos agricultores que paralisaram a
França por seis dias para exigir do presidente Miterrand uma
política de preços mínimos. Conseguiram não apenas isso, mas uma
política de renda mínima, segundo Paulinelli.
Ronaldo Scucato, presidente da Ocemg, confirmou a
tendência mundial de transferência de renda para os setores urbanos
da economia e arrocho sobre o setor primário. "Um estudo da Food and
Agriculture Organization (FAO) nos países emergentes, mostra que o
retorno do investimento é de 67% para o setor secundário, 22% para o
terciário e apenas 11% para o campo".
Protestos contra inércia do governo
O ex-presidente da Cooperrita, de Santa Rita do
Sapucaí, Carlos Henrique Moreira de Carvalho, criticou a paralisia
do governo e acrescentou a taxa de juros ao rol dos vilões no qual
Paulinelli já havia incluído a defasagem cambial. O deputado Getúlio
Neiva convocou a classe dos produtores a conscientizar-se sobre a
força que têm e realizar uma nova inconfidência mineira. "Se os
mineiros brigaram contra o governo por causa do quinto do ouro,
podem brigar porque estão pagando 40% de impostos". E concluiu: "É
preciso reagir agora, do contrário, em breve seremos carpideiras no
velório dos produtores rurais".
O deputado Chico Uejo (PSB) lembrou um bem sucedido
núcleo agrícola criado pelo então ministro Paulinelli em São
Gotardo, sua região de origem, e disse que o perfil do produtor
rural mineiro é de ser honesto, trabalhar muito e falar pouco. Uejo
propôs também que o Estado exporte idéias para o agronegócio, com o
objetivo de tirar o setor produtivo da situação em que se encontra.
Outro deputado criticou o governo federal por não
enxergar a verdadeira situação do setor agropecuário no Brasil,
levando-o à falência, foi Domingos Sávio. "Os produtores rurais são
escravos do próprio governo", disse. Ele também falou da necessidade
de uma ação para amenizar a agressividade do câmbio no país, e de
uma maior união por parte de cooperativas, prefeituras e sindicatos
na lutar em favor dos direitos dos trabalhadores rurais. O
parlamentar criticou ainda o Banco do Brasil, que, segundo ele,
obriga o produtor a comprar seguro quando pede empréstimos.
Dalmo Ribeiro Silva informou que foi relator da
Comissão Especial da Cafeicultura e viajou para todos os núcleos
produtores de café do Estado, colhendo depoimentos dos próprios
cafeicultores. "Desde essa época até hoje o quadro de dificuldades
não melhorou. Apesar de perder cada vez mais sua renda, o produtor
não perdeu sua dignidade".
Questionado pelos participantes da audiência
pública se iria apoiar o movimento dos produtores agrícolas e
acompanhá-los a Brasília para pressionar o governo federal, o
deputado Padre João (PT) assumiu esse compromisso. "Eu me disponho a
garantir, sim, a recepção pelo presidente Lula, a buscar esse canal.
Nunca me intimidei. Fui eleito para representar o povo", afirmou o
parlamentar.
Padre João aconselhou os representantes dos
produtores rurais a abandonarem qualquer discussão partidária e
investirem no associativismo. Ele admitiu que a administração Lula
comete falhas na agricultura, mas ressalvou que a crise já foi pior
em outros governos. "A própria Confederação Nacional de Agricultura
reconhece que houve alguns avanços, como os sucessivos aumentos de
produção", afirmou o deputado petista. Ele defendeu a pressão sobre
o governo federal, mas disse que também é necessário considerar as
questões relativas aos governos estaduais e municipais.
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