Comitês de bacia cobram apoio do Estado; Igam alega falta de verba

Representantes de comitês de bacias hidrográficas de Minas Gerais cobraram, na manhã desta sexta-feira (23/3/07), mai...

23/03/2007 - 00:00
 

Comitês de bacia cobram apoio do Estado; Igam alega falta de verba

Representantes de comitês de bacias hidrográficas de Minas Gerais cobraram, na manhã desta sexta-feira (23/3/07), maior apoio financeiro de órgãos do Estado para a estruturação dessas instâncias decisórias, assim como esforços para efetivar a descentralização da gestão das águas, prevista em lei. As discussões aconteceram no Plenário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, no último dia do ciclo de debates que discute como enfrentar a escassez da água e que integra a programação do 6º Fórum das Águas.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari, Reinaldo Caetano, afirmou que falta melhor articulação de ações com órgãos como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e as demais estruturas do sistema estadual de gerenciamento de recursos hídricos. "É preciso uma política mais agressiva de descentralização, pois ela ainda é incipiente. Falta também uma política de financiamento para a constituição e a consolidação das agências de bacia", analisou.

A 1ª-secretária do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pará, Regina Greco, ratificou as palavras de Reinaldo Caetano, ao defender que deve ser prioridade de governo fazer com que cada comitê de bacia tenha escritório e estrutura própria. Ela cobrou articulação das instâncias governamentais que tratam da gestão das águas em Minas, além de apoio financeiro. Tanto Regina Greco quanto Caetano foram expositores na manhã desta sexta, quando falaram sobre as experiências dos comitês e dos municípios, sendo os trabalhos coordenados pelo deputado João Leite (PSDB).

Para entender - Tanto a lei nacional (Lei 9.433, de 1997) quanto a lei que detalhou a política estadual de recursos hídricos (Lei 13.199, de 1999) trazem como premissa que a gestão desses recursos será descentralizada, dela participando poder público, usuários e comunidades. Essa é uma mudança conceitual importante, pois o poder de definir as diretrizes e os investimentos relativos ao uso dos recursos hídricos se desloca do Estado, onde sempre esteve, para os cidadãos que residem na bacia. Nesse cenário, os comitês de bacia - formados pela sociedade, poder público e usuários - são considerados verdadeiros "parlamentos das águas" e têm, entre outras funções, as de aprovar o plano diretor da bacia (diretrizes e metas para investimentos e obras), a forma e os valores da cobrança pelo uso das águas. A cobrança é executada pela agência de bacia.

Igam afirma que faltam recursos, mas sinaliza novas ações de governo

Em resposta, o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Paulo Teodoro de Carvalho, um dos coordenadores do debate, alegou que o órgão trabalha com um orçamento muito estreito. Ele calcula que os investimentos necessários para a implantação de sistemas de geoprocessamento e de informações, a elaboração dos planos diretores dos 29 comitês existentes e a implementação das agências de bacia superem R$ 200 milhões, enquanto o orçamento do Igam é de R$ 3 milhões. "Então, temos que fazer a multiplicação dos recursos", ilustrou.

Teodoro informou, por outro lado, que estão sendo criados núcleos ambientais em cada uma das 11 secretarias de Estado que têm assento no Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) e no Copam. "Assim, o meio ambiente estará contemplado na elaboração das políticas de agropecuária e educação, entre outras, que compõem os 50 projetos estruturadores definidos para o segundo choque de gestão do governo Aécio Neves. Desta forma, vamos construir uma política ambiental que contemple a transversalidade, tão defendida pelo nosso secretário José Carlos Carvalho e pela ministra Marina Silva", disse, referindo-se ao titular da Semad e à ministra do Meio Ambiente.

Experiências dos comitês dos rios Pará e Araguari são relatadas

Regina Greco expôs a atuação do Comitê do Rio Pará, cuja bacia é formada por 36 municípios e onde há 25.393 produtores rurais cadastrados. O cadastro dos usuários das águas foi, inclusive, uma das ações do comitê divulgadas por ela durante o ciclo de debates. Esse número supera 28 mil. Além do cadastramento, o comitê investe agora na elaboração do plano diretor da bacia, que trará um diagnóstico dos problemas e das soluções possíveis. Com custo previsto de R$ 600 mil, o projeto do plano diretor está sendo viabilizado por meio de convênio com Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). Parcerias como essa foram enfatizadas por Regina Greco como essenciais na condução dos trabalhos do comitê.

O deputado João Leite, que coordenou o debate, fez uma homenagem ao Rio Pará, citando que ele faz parte de sua infância, já que seu avô, também chamado João Leite, viveu e morreu às suas margens. "Me lembro da paisagem de uma curva, chamada Corte do Caixão, onde meu tio pescava. O Pará é segundo afluente mais importante da margem direita do São Francisco e do qual a Regina cuida tão bem", assinalou, referindo-se à expositora. Para ela, hoje o principal problema da bacia é a falta de tratamento do esgoto. A situação mais problemática seria nos municípios de Pará de Minas, Itaúna e Divinópolis.

Rio Araguari - Reinaldo Caetano relacionou as principais ações do Comitê da Bacia do Rio Araguari, formada por 20 municípios, entre os quais Araguari, Uberlândia, Uberaba e Araxá. Entre elas, a criação de uma entidade equiparada a uma agência de bacia, que é a Associação Executiva da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari. Ele reivindicou do governo a assinatura de um contrato de gestão com a associação e, em resposta, obteve de Paulo Teodoro de Carvalho a garantia de que esse processo está em fase final. Segundo a legislação, para ser criada uma agência é preciso autorização do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) mediante solicitação de um ou mais comitês. Depois disso, o Executivo aprova, por meio de decreto, o ato constitutivo da agência, que celebra contrato de gestão com o Estado, a fim de exercer suas atribuições.

Comitê do Piracicaba destaca que avanços foram conseguidos com mobilização social

O subsecretário executivo do Consórcio Intermunicipal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, Dalto Fávero Brochi, relatou a experiência vivenciada no Estado de São Paulo, onde já foi implementada a cobrança pelo uso da água e onde a mobilização social de mais de 15 anos colhe frutos. "Todos os bons resultados são conseqüência de um intenso trabalho de mobilização. O retorno vem a duras penas, mas sabemos que a figura dos comitês consolida-se como um amplo espaço de discussão e tomada de decisões", disse. A bacia se divide entre São Paulo (92,6% da área) e Minas Gerais (7,4%), abrange 62 municípios, atende 4,25 milhões de habitantes e representa 5% do PIB nacional.

Desde 2006, a cobrança pelo uso da água já é realidade no Comitê Federal das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, instituído em 2003. São cem usuários a pagarem pelo uso das águas dos rios federais da bacia, tendo sido arrecadados, no ano passado, R$ 10,8 milhões, revertidos em obras na bacia. A expectativa de arrecadação em 2007 é de R$ 13,5 milhões e, em 2008, R$ 18 milhões. Quem atua como agência de bacia é o próprio consórcio. A maior contribuição na arrecadação (55,02%) vem da transposição das águas da bacia do Piracicaba para o sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana de São Paulo. Essa conta cabe à Sabesp, a companhia de abastecimento. Em segundo lugar, vem o saneamento (28,79%) e, em terceiro, a indústria (13,10%). A cobrança foi efetivada por meio de uma lei de 2005.

Sobre o sistema Cantareira, Dalto Brochi explicou que ele foi construído à época da ditadura e é constituído por um conjunto de represas interligadas por túneis. Responsável pelo abastecimento de 50% da Região Metropolitana de São Paulo, o sistema foi construído a partir da transposição das águas da bacia do Rio Piracicaba - o que gerou, segundo o expositor, um imenso impacto negativo na região. Até 2004, a transposição era de até 31 m3/seg, restando para a bacia 2 m3/seg. Depois de 2004, quando houve a renovação da outorga, os números mudaram para 28 m3/seg e 5 m3/seg, respectivamente, além de o restante da bacia poder utilizar hoje o sistema como reservatório para ser aproveitado nos períodos de estiagem.

Além do comitê federal (já que o Rio Piracicaba é federal), há também o comitê estadual (criado em 1993), já que os rios Capivari e Jundiaí são apenas "paulistas". Com relação à cobrança em nível estadual, Dalto Brochi informou que a expectativa é de que ela tenha início em abril deste ano e atinja mais de mil usuários. "A cobrança estimula o uso racional da água e gera recursos para investimentos na recuperação e preservação dos mananciais. Não é um imposto, mas um preço público de caráter condominial", explicou.

Assessor da Cipe Rio Doce destaca importância da participação dos municípios

O presidente do Instituto Ecobacia, Alberto Pêgo, propôs ainda, no Fórum das Águas, uma reflexão sobre como o município pode se inserir na discussão da escassez da água. Essa inserção, segundo Pêgo, se dá de duas maneiras: considerando a água como recurso hídrico, pensada em nível de bacia e obedecendo as regras da natureza; ou enquanto serviço público, com função social e econômica. Pêgo é assessor técnico, no Espírito Santo, da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Cipe Rio Doce).

No primeiro caso, o especialista argumenta que não está prevista na legislação a dominialidade da água pela esfera municipal, mas apenas pela estadual ou federal. Ainda assim, segundo ele, é grande a presença dos municípios nos comitês. Já no debate sobre o serviço público, a Constituição Federal assegura a dominialidade municipal, que pode ser concedida a terceiros, como acontece em 610 dos 853 municípios mineiros, nos quais a Copasa opera o sistema de abastecimento de água.

Alberto Pêgo concluiu que incluir o município na administração da água é a forma mais direta de garantir a participação da sociedade e que é preciso qualificar essa participação municipal para o debate sobre a escassez. Segundo ele, essa maior participação atenderia às "metas solidárias da civilização humana de inclusão e reconhecimento das necessidade de todos".

Para o especialista, a escassez de água não pode mais ser discutida estritamente no espaço global e no tempo futuro. Ela já ocorre, inclusive no Brasil, recordista mundial de recursos hídricos. Segundo Pêgo, as discussões geralmente tratam do problema só em outros países e fazem previsões futurísticas. "O Fórum das Águas traz o debate para aqui e agora, para o município, que é onde a escassez atinge as pessoas", reforçou. Para ele, aos invés de nos prepararmos para catástrofes futuras, devemos observar que mais de 1,5 bilhão de pessoas, alguns delas nossas vizinhas, já convivem com falta crônica de água.

Reprise - A Presidência informou que todas as palestras do ciclo de debates serão publicadas no diário oficial Minas Gerais/Diário do Legislativo no dia 31 de março. A TV Assembléia reprisará o evento nos seguintes dias, sempre às 9 horas: em 5/4, será reprisada a abertura; 6/4, a tarde do dia 21/3; 7/4, a manhã do dia 22/3; 8/4, a manhã do dia 23/3; e 9/4, a tarde do dia 23/3.

 

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