Participação da mulher na esfera pública enfrenta série de
obstáculos
A inclusão das mulheres na esfera pública foi um
dos maiores avanços democráticos do século passado, mesmo com
preconceito e discriminação históricos. Essa constatação, da
coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher
(Nepem/UFMG), Marlise Matos, marcou o início de sua palestra "A
política na ausência das mulheres", na manhã desta quarta-feira
(14/3/07). Ela participou do Ciclo de Debates "A participação da
mulher nos espaços de poder", promovido pela Assembléia Legislativa
de Minas Gerais em comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Marlise Matos completou sua afirmação ao dizer que
o processo de conquista das mulheres na esfera pública e os avanços
em campos como da saúde sexual, dos direitos trabalhistas,
previdenciários, públicos e civis e da violência de gênero não são
lembrados. Destacou ainda que a igualdade da representação política
é um objetivo básico da democracia. "Se não temos essa igualdade,
podemos afirmar que existe um déficit democrático. Temos aí um
elemento comprometedor de consolidação do processo democrático",
alertou a coordenadora do Nepem.
Marlise Matos abordou, especialmente, os obstáculos
percorridos pelas mulheres para alcançar cargos eletivos no
Legislativo. Apresentou dados que mostram que o Brasil ocupa a 104ª
posição na representação feminina da América Latina e Caribe. Na
Câmara dos Deputados, por exemplo, ao longo de 70 anos (1932-2002),
a representação feminina passou de "parco 1% para algo entre 7% ou
8%". Ou seja: "com todas as transformações políticas, econômicas,
sociais e culturais ocorridas no Brasil, ao longo do mesmo período,
é desproporcional à participação político-institucional das
mulheres". Principalmente, ainda de acordo com Marlise, se
considerarmos que as mulheres correspondem a 51,3% da população
brasileira, totalizam 42,7% da população economicamente ativa,
comandam 26,8% dos lares e são 51,2% do eleitorado nacional.
Na Assembléia Legislativa, Marlise lembrou a queda
do número de mulheres deputadas da 15a legislatura para
esta: de 10 para sete, sendo que a deputada Elbe Brandão atualmente
ocupa o cargo de secretária de Extraordinária de Desenvolvimento dos
Vales do Jequitinhonha/Mucuri e Norte de Minas. E ela fez a seguinte
pergunta, tema de uma pesquisa que está sendo desenvolvida pelo
Nepem: "Por que a presença das mulheres nos poderes decisórios, em
especial no Poder Legislativo, tem avançado tão lentamente?"
Para responder a questão, Marlise citou um série de
combinação de fatores institucionais e individuais, entre eles as
barreiras da ambição política, da estrutura do sistema
político-partidário e da elegibilidade. Segundo ela, muitas mulheres
podem não desejar cargos políticos por questões culturais, já que,
há bem pouco tempo, a mulher era a responsável exclusivamente pelo
lar (privado) e o homem pelas questões públicas. Destacou ainda como
barreira os critérios do partido político para definir os candidatos
e os recursos disponíveis para as mulheres. Existe ainda a dupla
jornada de trabalho: "o marido da candidata vai ficar com os filhos
enquanto a mulher participa de uma reunião de partido?", questiona
Marlise. E acrescenta: "as mulheres que hoje estão na política são
mais velhas, descasadas e com alta escolaridade porque elas podem se
dar ao luxo de praticar política".
Questionou ainda o motivo pelo qual as mulheres não
votam em mulheres e, no Parlamento, por que elas não têm espaço para
comandar comissões importantes, como de orçamento, de constituição e
justiça e de administração pública, e vão apenas para nichos de
atuação feminina, como educação, saúde e cultura.
Reforma política também é abordada
A reforma política foi também abordada pela manhã,
durante o ciclo de debates. Tanto Marlise Matos quanto duas outras
expositoras - a deputada federal Jô Moraes (PCdoB) e Tatau Godinho,
ex-titular da Coordenadoria de Mulheres da Prefeitura de São Paulo -
enfatizaram a necessidade de as mulheres se debruçarem sobre o tema.
Tatau Godinho lembrou que, em todos os países onde cresceu a
presença da mulher na política, o incremento se deu graças, entre
outros fatores, à votação em lista partidária, com mecanismos de
ação afirmativa. Ela alertou para o fato de que é preciso estudar a
experiência desses países ao se discutir a reforma política no
Brasil.
Sobre o voto distrital, Tatau Godinho enfatizou que
ele é despolitizado e fortalece os mecanismos clientelistas de
participação política e, ao contrário do que alguns pregam, não
favorece a mulher. Ela foi apoiada pela deputada federal Jô Moraes,
ex-deputada estadual, que destacou ser o voto distrital aquele que
assegura a prevalência do poder econômico. Na opinião da
parlamentar, a reforma política com financiamento público e sem
cláusula de barreira cria melhores espaços para as mulheres. Assim
como Marlise Matos, Jô Moraes considera o sistema político eleitoral
com voto proporcional mais favorável à mulher. Segundo dados da
União Interparlamentar, com o voto proporcional, a média de eleitas
é de 15,4%; no voto distrital, é de 8,5%.
Cotas - Integrante da
Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, Jô
Moraes defendeu, no ciclo de debates, o sistema de cotas para as
mulheres nas chapas partidárias, afirmando que ele tem sido um
importante instrumento para incrementar a participação feminina no
processo eleitoral. Ponderou, por outro lado, que as cotas têm que
estar acompanhadas de medidas complementares, como qualificação e
participação nas instâncias partidárias. Para Jô Moraes, o êxito do
sistema de cotas depende, ainda, da existência de sanções ao seu não
cumprimento. Citou os exemplos do Peru, onde o partido é proibido de
disputar a eleição, e da França, onde a sanção é por meio de multa.
No Brasil, alertou, não existe qualquer punição para quem não
cumprir a lei.
As dificuldades da participação da mulher nos
espaços de poder foi relatada, na fase de debates, pela vereadora de
Araguari, Meire Simone, que também é delegada da Mulher. Ela é a
única entre 10 homens na Câmara Municipal. Relatou que, para muitos,
a pauta de projetos e assuntos relacionados à mulher é "simples
perfumaria", sendo considerada algo "irrelevante". Em resposta à sua
indagação sobre como vencer os obstáculos, Tatau Godinho ponderou
que o caminho é o fortalecimento coletivo das mulheres. "Nossa
participação não pode ser uma exceção nem fruto de esforço
individual; deve ser o resultado de um esforço coletivo",
completou.
Tatau Godinho retomou pontos abordados por Marlise
Matos, ao analisar o porquê da exclusão feminina dos espaços de
poder. Na opinião de Godinho, é preciso observar a questão levando
em conta três aspectos: o fato de a democracia ocidental ter
construído a noção de cidadania excluindo as mulheres, consideradas
apêndice do homem e da família; o fato de as relações sociais e
econômicas expressarem-se na divisão sexual do trabalho, com a
mulher sempre responsável por cuidar das crianças e da reprodução da
família; e o fato de, ao exercer papéis políticos, a mulher se
ressentir de um grande custo emocional e de menos tempo para as
relações afetivas e pessoais.
Cargo de marido - Entre os
exemplos dados por Tatau Godinho da institucionalização da
desigualdade, está o da nomenclatura dos cargos. Citou a área da
diplomacia, esfera em que a esposa tem um nome: embaixatriz, em
contraposição ao cargo de embaixadora. "Por que não existe o cargo
de marido?", questionou. Ela também citou exemplos na legislação,
como a existência da pensão para a filha solteira, e lembrou a
tradição de a mulher absorver o sobrenome do marido, ao se casar.
Tatau Godinho enfatizou que os homens continuam com o privilégio de
ocupar os espaços de poder porque "não têm jornada de trabalho
estendida, não precisam manter os laços familiares e nem cuidar dos
filhos".
Ela sugeriu que a II Conferência Estadual de
Políticas para Mulheres pode ser um momento importante para
reivindicar a creche como política pública integral - uma conquista
fundamental quando se discute a participação da mulher nos espaços
de poder. Isto porque hoje, segundo dados do Ministério da Educação
(MEC), apenas 11% das crianças até 3 anos têm acesso às creches e à
educação infantil, incluindo as esferas pública e privada. "Na
maioria dos casos, a mulher está tentando cuidar das crianças, que
estão em casa; trabalhar e participar da vida política",
disse.
Coordenação - Coordenando
os debates, a vice-presidente da Comissão do Trabalho, da
Previdência e da Ação Social da ALMG, deputada Elisa Costa (PT),
convidou as demais deputadas presentes a participarem da
coordenação. Dessa forma, as deputadas Maria Lúcia (PFL) e Gláucia
Brandão (PPS) ocuparam a mesa, assim como a ex-deputada estadual
Maria Tereza Lara.
Elisa Costa destacou, entre outros pontos, a nova
reflexão e o comprometimento da ALMG com a causa da mulher. Saudou
também os defensores públicos presentes no Plenário e afirmou o
apoio das deputadas estaduais na luta dos defensores por um salário
mais digno. Elisa Costa sugeriu que os movimentos de mulheres
precisam de unidade em suas "bandeiras", abraçando causas comuns. Já
a deputada Maria Lúcia, ao responder uma pergunta da platéia,
afirmou que um dos caminhos para romper preconceitos está na
educação dos filhos.
ALMG promove três audiências públicas sobre a
mulher
Ainda durante o mês de março, três audiências
públicas devem ocorrer na Assembléia Legislativa em comemoração ao
Dia Internacional da Mulher (8/3). São elas:
* Dia 20/3, às 9h30, no Auditório: Comissão do
Trabalho, da Previdência e da Ação Social discute "As desigualdades
de gênero no mercado de trabalho;
* Dia 21/3, às 9h15, no Auditório: Comissão de
Saúde debate "Câncer de mama e câncer de colo de útero";
* Dia 28/3, às 9 horas, no Auditório: Comissões de
Direitos Humanos e de Segurança Pública debatem "As dificuldades da
implantação da Lei Maria da Penha".
Atas da reunião e TV Assembléia - A presidência informou que a transcrição completa
das exposições e debates serão publicadas no diário oficial "Minas
Gerais"/Diário do Legislativo na edição do dia 17 de março. A
reprise dos debates pela TV Assembléia será no dia 18 de março, às
8h30.
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