Participantes de audiência pública pedem suspensão da PEC 75/04
A proposta de emenda à Constituição que amplia de
250 hectares para 2.500 hectares o limite para acordos de
legitimação de terra devoluta rural no Estado foi tema da audiência
pública desta quarta-feira (29/11/06) da Comissão de Política
Agropecuária e Agroindustrial da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais. Representantes do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), do Instituto de Terras de Minas Gerais
(Iter) e de movimentos sociais ligados à questão da terra, como a
Comissão Pastoral da Terra, questionaram a mudança sugerida na PEC
75/04, do deputado Gil Pereira (PP), que está pronta para ser
analisada pelo Plenário, em 1o turno, e pediram a
suspensão da tramitação do projeto.
Ao final da reunião, que durou mais de cinco horas,
os participantes definiram criar um grupo de trabalho para avaliar a
destinação das terras oriundas de reflorestamentos em Minas e
sugerir mudanças na proposição. O presidente da comissão e autor do
requerimento para o debate, deputado Padre João (PT), se comprometeu
a, junto com a bancada do PT/PCdoB, negociar com o atual presidente,
deputado Mauri Torres (PSDB), com o autor da PEC e com deputados da
base do governo para suspender a tramitação até que se chegue a um
consenso com os movimentos sociais. O secretário de Estado
Extraordinário para Assuntos de Reforma Agrária, Márcio Kangussu,
também se dispôs a colaborar com Padre João para adiar a
votação.
"Permitir a legitimação de terra devoluta de até
2.500 hectares não irá beneficiar o agricultor familiar. Com essa
PEC estaremos contribuindo para gerar latifúndios em terras
públicas", afirmou o deputado Padre João (PT). Mesma opinião tem o
assessor jurídico do Iter, Abraão Soares dos Santos: "Legitimação de
terra acima de 250 hectares é um retrocesso". Para o ex-presidente
do Iter e do Incra, a PEC vai envergonhar Minas Gerais, já que
pretende "regularizar 2.500 hectares para a iniciativa privada
enquanto existem trabalhadores precisando de terra".
O representante da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), frei Gilvander Luís Moreira, considera a proposta
"inconstitucional, injusta, anti-social e imoral". Segundo o frade,
o projeto beneficia apenas a elite (empresas, produtores de
eucaliptos e guseiros), em detrimento de pobres e trabalhadores
rurais, e defendeu a extinção da PEC. O pesquisador do Centro de
Agricultura Alternativa (CAA) de Montes Claros, Carlos Dayrell, fez
coro contra a provação da proposta: "Queremos que a PEC seja extinta
e que faça valer a Lei 11.020, de 1993, que destina essas terras
devolutas para a reforma agrária". O cumprimento da lei também foi
cobrado pelo representante da Federação dos Trabalhadores em
Agricultura Familiar (Fetraf), Ronaldo Cardoso.
A destinação das terras devolutas para fins de
reforma agrária foi abordada por outros convidados que participaram
da reunião. O representante do Iter, Abraão Soares dos Santos,
afirmou que as prioridades para os acordos de legitimação de terras
públicas devem ser a destinação para reforma agrária e a defesa do
meio ambiente. Segundo ele, se a terra não preencher nenhum desses
dois pressupostos, a legitimação deve ser encaminhada para
terceiros, desde que respeite o limite de 250 hectares, que hoje é
determinado na Constituição Estadual. Ele assumiu ainda que o Iter
sofre pressão de carvoarias para aumentar esse limite.
Função social - Já para
Marcelo Resende, as terras devolutas precisam cumprir sua função
social, que não se resume apenas à reforma agrária. "Terra pública,
em hipótese nenhuma, deve ir para iniciativa privada. Que ela vá
comprar suas terras", opinou, ao lembrar que o Estado deve recuperar
essas áreas que estão há mais de 30 anos nas mãos de empresas.
Segundo ele, em Minas Gerais são 11 milhões de hectares de terras
presumidamente devolutas. "Quero refutar aqueles que negam esse
número", cobrou Marcelo Resende.
Brasil tem 200 milhões de hectares sem
registro
Os números são mais alarmantes quando se pensa no
Brasil. De acordo com o chefe da Divisão de Obtenção de Terras do
Incra, Nilton de Oliveira, o País tem 850 milhões de hectares de
terra, dos quais 650 milhões são de particulares e do poder público.
"Portanto, 200 milhões de hectares nós não sabemos onde se
encontram", afirmou. "Nós não temos ainda domínio exato sobre esse
quadro fundiário e isso tem criado conflitos sociais, como o de
Felisburgo", completou o representante do Incra. Ele propôs que o
Estado desenvolva uma política fundiária parta identificar essas
terras no Estado e defendeu uma parceria entre os órgãos federais e
estaduais. O representante da CPT, frei Gilvander, também citou uma
pesquisa realizada pelo Congresso Nacional que estima que no Brasil
existam cerca de 250 milhões de hectares de terras devolutas,
correspondentes a 30% do território nacional.
Outros números, desta vez de Minas Gerais, foram
apresentados pelo deputado Padre João, com base em informações do
Iter. Segundo ele, 37% do território do município de Rio Pardo de
Minas, no Norte do Estado, está nas mãos de cinco empresas que têm
contratos de terras devolutas. Em São João do Paraíso são 27,81% da
área total do município e em Salinas esse número é de 10,33%. "A PEC
propõe continuar isso por mais 30 anos, sem essas terras produzirem
alimento. Esta é a nossa preocupação", disse Padre João. O colega
petista, deputado Rogério Correia, também é contrário à proposta e
se mostrou indignado: "É um tremendo retrocesso. Não podemos deixar
que esta Casa aprove a PEC". Ele propôs que seja solicitada uma
audiência com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador
Orlando Carvalho, para criar um vara específica para o julgamento
dos contratos de terras devolutas no Estado, para cumprir sua função
social.
Para conhecer a realidade das terras devolutas,
Marcelo Resende sugeriu que o Iter promova um levantamento
georreferenciado das áreas de reflorestamento para a delimitação das
áreas. Também propôs um estudo da situação das empresas e dos
municípios, para saber, por exemplo, quanto e se está sendo arrecado
em impostos, os valores gerados em ICMS, emprego e renda, entre
outros itens sociais, econômicos e ambientais.
Terras devolutas são produtivas
O argumento de que as terras devolutas são
impróprias para reforma agrária, como muitos dizem para justificar
os acordos com empresas de reflorestamento, foi rebatido pelo
representante do Movimento dos Sem Terra (MST), Mauro Lemos. "Hoje
temos tecnologia para produzir até na pedra", ironizou. Criticou o
Judiciário, que não prioriza a celeridade dos processos de retomada
das terras, e lembrou que mesmo com o resgate dessas terras que
ficaram nas mãos de produtores de eucalipto é preciso resolver o
passivo ambiental deixado por elas. Segundo ele são 17 grandes
reflorestadoras em Minas que pagam aluguel de R$ 1,60 por hectare
para o Estado e, destas, apenas três pagam pontualmente. O valor foi
retrucado pelo representante do Iter, que afirmou ser de R$ 100,00 o
ha pelo aluguel. "Elas não cumprem a função social", reclamou Lemos.
Ele convocou a platéia a fazer uma mobilização em todo o Estado para
"colocar o assunto em pauta" e lutar contra os reflorestadores.
Já o representante da Federação dos Trabalhadores
em Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Rômulo Luiz
Campos, disse que se sente constrangido diante do projeto,
ironizando que os argumentos não convencem "nem a um recém-nascido".
Lembrou que a definição dos 250 hectares na Constituição mineira foi
uma "grande luta" dos movimentos sociais e que agora está sendo
sepultada pelo projeto. "Isso é chamar a todos para o confronto",
advertiu. Rômulo disse que todos os mais de 500 sindicatos de
trabalhadores rurais e movimentos ligados à luta pela terra são
contrários à PEC. Sugeriu que caso o projeto seja aprovado, que
sejam divulgadas, nas bases eleitorais, as fotos de todos os
deputados que votaram a favor.
Já Elmy Pereira Soares, da Comunidade Geraiseira do
Alto do Rio Pardo, afirmou que as pessoas que moram em comunidades
rurais estão se sentindo ameaçadas de perder as terras que possuem
em função da pressão dos produtores de eucalipto. "Se plantarem mais
eucalipto as famílias não terão condições de sobreviver porque as
terras estão se acabando", disse. Afirmou que vai divulgar a
tentativa de aprovação da PEC para as comunidades internacionais com
as quais mantém contato e lamentou que a monocultura está acabando
com o meio ambiente e a cultura das comunidades rurais mineiras. "As
comunidades não produzem dinheiro para o capital, mas produzem muita
vida para os que moram lá".
O secretário de Estado Extraordinário para Assuntos
de Reforma Agrária, Márcio Kangussu, considerou verdadeiros os
relatos que ouviu na reunião. "Eles falam a verdade de quem conhece
a terra e luta pela vida", disse . O secretário complementou
afirmando que nas terras próprias para a reforma agrária, ela será
feita. Mas ressalvou que concorda com a PEC 75/04, pois, na sua
visão, as terras impróprias para reforma agrária devem ser
trabalhadas de outra maneira, gerando emprego e lucro.
Requerimentos aprovados - Os deputados aprovaram dois requerimentos numerados: 6.967/06,
do deputado Dalmo Ribeiro Silva (PSDB), e 6.971/06, da Comissão de
Direitos Humanos. O primeiro recebeu o substitutivo nº 1,
apresentado pelo relator, deputado Doutor Viana (PFL). Pela forma
aprovada, o requerimento solicita que seja formulado apelo ao
ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para que envide
esforços necessários para o retorno das regiões mineiras produtoras
de bovinos de corte ao cronograma de inspeção e vistoria dos órgãos
de fiscalização da União Européia, do qual foram excluídas. A outra
proposição requer que seja encaminhado ao superintendente do Incra
em Minas Gerais pedido de providência para agilizar os procedimentos
necessários para desapropriação e assentamento das famílias na
Fazenda Nova Alegria, em Felisburgo.
Presenças - Deputados
Padre João (PT), presidente; Marlos Fernandes (PPS), vice; Doutor
Viana (PFL), Rogério Correia (PT) e Carlos Gomes (PT) e a deputada
Ana Maria Resende (PSDB).
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