Célio Valle pede repasse de R$ 40 milhões/ano para questão
fundiária
A destinação anual de pelo menos R$ 40 milhões no
Orçamento do Estado para serem usados exclusivamente na
regularização fundiária das unidades de conservação (UCs) foi
defendida pelo diretor de Pesca e Biodiversidade do Instituto
Estadual de Florestas (IEF), professor Célio Valle, nesta
quinta-feira (23/11/06), durante palestra de abertura do Ciclo de
Debates "Regularização fundiária das unidades de conservação", na
Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Para Valle, essa rotina é a
bandeira mais importante para os ambientalistas. "Esses recursos não
podem ser contingenciados. O resto a legislação segura", frisou.
Ambientalista apaixonado, Valle exemplifica que o
parque em fase de criação em Grão Mogol, no Norte de Minas, abriga
um tipo de cactus aparentemente inútil, mas que não existe em
nenhum outro lugar do planeta. "A penicilina veio de uma planta. E a
evolução ainda não terminou. Quem me garante que uma capivara não
será essencial no futuro? Eu tenho o direito de destruir isso? Somos
ligados de maneira física a plantas e bichos, e isso não é poesia. A
natureza protegida é condição para que o homem viva", afirmou.
Para Valle, grandes áreas protegidas são a solução
para plantas e bichos. Fazendo um paralelo com uma rede, ele
argumenta que as UCs são os nós que sustentam a rede, enquanto as
pessoas habitam os vazios. Segundo o diretor do IEF, se o homem
acreditar que é importante resolver o problema da propriedade da
terra para animais e plantas, tomará a decisão de investir, decisão
essa a cargo dos poderes públicos. "O meu orçamento diz onde está
meu coração. Essa reunião de hoje talvez seja histórica. Espero ver,
todo ano, uma verba aprovada por essa Casa para as unidades de
conservação", defendeu.
UCs representam menos de 10% da área explorada pela
agricultura
Informações do IEF apontam que as unidades de
conservação de Minas Gerais, inseridas no grupo de proteção integral
(estação ecológica, reserva biológica, parque, monumento natural e
refúgio da vida silvestre) ocupam 375 mil hectares, demandando quase
R$ 417 milhões para a regularização fundiária. Já a área do Estado
efetivamente explorada com reflorestamento, agricultura e pastagem
soma quase 38 milhões de hectares.
Célio Valle argumenta que a área protegida parece
grande, mas está longe de chegar, por exemplo, aos 727 mil hectares
de lâmina d'água das hidrelétricas mineiras. "Uma onça precisa de 50
mil m2 para viver", completa. O professor faz comparações
também com recursos destinados a outras causas no Estado. Segundo
ele, a Usina de Irapé demandou R$ 1 bilhão, enquanto cada quilômetro
de estrada asfaltado no programa Pró-Acesso custa R$ 300 mil. "Será
que nossos filhos e netos não merecem receber uma natureza
protegida?", pondera.
Questão social permeia regularização das
unidades
Falando para a platéia composta, inclusive, por
proprietários de terras transformadas em parques, que convivem com
as incertezas do processo de regularização fundiária, o professor
Célio Valle defendeu que as pessoas recebam um valor justo pela
terra e que sejam levadas para um lugar melhor. De outra forma,
segundo ele, seria uma injustiça tirá-las da terra para deixar o
lugar para plantas e bichos. "Enquanto a unidade de conservação for
considerada um invasor, é impossível defendê-la. Isso só se resolve
comprando a terra e pagando corretamente. Com dinheiro, é possível
fazer", afirmou.
Debate - Na fase de
debates, representantes de ONGs e associações de moradores se
manifestaram, preocupados com a questão. Um deles, Jesuilton José
Gonçalves, presidente de uma associação de quilombolas de Matias
Cardoso, no Norte do Estado, viajou cerca de 700 quilômetros para
relatar, no Plenário da Assembléia, a situação de sua comunidade,
que faz fronteira com um parque. "Querem comprar metade das terras e
inundar outra parte. Então por que não compram tudo?",
questionou.
O procurador Afonso Henrique de Miranda Teixeira,
coordenador da Procuradoria de Conflitos Agrários do Ministério
Público, observou que se a criação de UCs gerar exclusão social, a
problema da conservação permanece. "O motor da exclusão social é o
mesmo da degradação ambiental", concordou o secretário de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho.
Já o deputado Laudelino Augusto (PT), autor do requerimento para a
realização do ciclo de debates, lembrou que os quilombos têm
legislação especial no País.
Moradores de Grão Mogol, cidade cujo parque foi
criado em 1998 mas ainda não efetivado, também reclamaram da
exclusão de 150 famílias, assim como agricultores da região dos
parques Sete Salões e Serra do Papagaio. Para este último,
localizado no Sul de Minas, os proprietários de terra sugeriram a
criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural como forma de
permanecerem no local. "O maior problema é o de comunicação entre o
poder público e os moradores", afirmou Fábio Costa, do Instituto
Alma da Terra. "Cuidamos de um lugar onde o Estado não está presente
e somos tratados como inimigos", reforçou Guilherme Figueiredo,
proprietário de uma pousada que chegou a ser fechada no ano
passado.
Laudelino Augusto lembrou que a audiência pública
sobre o Parque Estadual da Serra do Papagaio, realizada pela
Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais em maio deste ano, foi
justamente o ponto de partida para a realização do ciclo de debates.
"Os depoimentos confirmam a urgência dessa discussão",
avaliou.
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