Massacre de Felisburgo completa dois anos de impunidade

Revolta e frustração marcaram a audiência pública realizada nesta sexta-feira (17/11/06) pela Comissão de Direitos Hu...

17/11/2006 - 01:00
 

Massacre de Felisburgo completa dois anos de impunidade

Revolta e frustração marcaram a audiência pública realizada nesta sexta-feira (17/11/06) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais para ouvir autoridades e sobreviventes da chacina de trabalhadores rurais sem-terra em Felisburgo (Vale do Jequitinhonha), ocorrida em 20 de novembro de 2004. Após dois anos, apenas dois dos 15 acusados da chacina permanecem presos, os familiares dos cinco mortos e 12 feridos continuam sem qualquer indenização, não há perspectiva de desapropriação da área em disputa, enquanto os militantes sem-terra permanecem em situação precária, sofrendo agressões e ameaças de assassinato pelos próprios suspeitos de participação no massacre.

Os relatos foram ouvidos pelos representantes da comissão, deputados Rogério Correia (PT) e Carlos Gomes (PT), que elaboraram dez requerimentos exigindo providências diversas no sentido de agilizar os processos judiciais e melhorar a situação das famílias acampadas em Felisburgo. Entre elas, um requerimento para envio de ofício ao presidente da Assembléia Legislativa, deputado Mauri Torres (PSDB), pede a inclusão na Ordem do Dia do projeto de lei que concede indenização às famílias das vítimas da chacina.

Um relatório denunciando as falhas do Estado brasileiro em punir os culpados e proteger os sobreviventes da chacina de novas agressões está sendo preparado pelo relator nacional para os direitos humanos da Plataforma Dhesca (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais), Flávio Valente, que participou da reunião. Segundo ele, o relatório deve ser concluído em dez dias e encaminhado a entidades governamentais e à Organização das Nações Unidas (ONU), a fim de mobilizar entidades internacionais na cobrança de providências.

Agricultores continuam sob ameaça

De acordo com a representante do Acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, Maria Gomes Soares, os militantes sem-terra continuam sendo agredidos e ameaçados dois anos após a chacina. Ela se queixou que a prefeitura vem se recusando a melhorar a infra-estrutura e assistência ao acampamento, sob o argumento de que a terra ainda está em situação irregular. Uma das queixas é que uma professora designada para a escola instalada no acampamento é casada com um motorista suspeito de ter prestado serviço aos participantes da chacina. Em vez de ensinar, ela estaria maltratando as crianças.

Sobrevivente da chacina, o agricultor Jorge Pereira afirmou que a prefeitura já recusou a instalação de mata-burros, manilhas para evitar o alagamento do acesso à localidade e condução para os acampados. Ele disse sofrer constrangimentos e ameaças freqüentes, já que os suspeitos circulam livremente pela região, inclusive armados. "Já disse para a minha família que eles têm que se preparar para ser viúva, para ser órfão. Vamos fazer cinco anos de acampamento, com massacre e ameaças, e o Estado não dá uma resposta positiva. Será que a lei é a lei da bala?", questionou. Outros acampados disseram que já há famílias que, desiludidas, abandonaram a fazenda para viver sem emprego na cidade, mendigando.

Balanço da Comissão Pastoral da Terra mostra que a situação de Felisburgo é um exemplo extremo de um problema comum a todo o território nacional. Entre 1995 e 2005, foram 1.065 conflitos rurais com morte no País, resultando em 1.425 assassinatos. Destes, só 78 casos foram julgados, sendo condenados 68 homicidas e 15 mandantes. "É lamentável que não há qualquer solução para este caso após dois anos do massacre, e que a situação no acampamento hoje é de muita tensão, com ameaças dos mandantes", afirmou o deputado Carlos Gomes. A representante nacional do MST resumiu a revolta contra a impunidade. "Causa indignação ver uma mesa repleta de autoridades e termos que recorrer a Deus para nos proteger. Isso mostra a fragilidade de nosso estado de direito", afirmou a militante.

Deputado visitou cemitério e acampamento

Na quinta-feira (16), o deputado Rogério Correia (PT) visitou o cemitério de Felisburgo e o acampamento para ouvir os trabalhadores, representando a Comissão de Direitos Humanos. Foi acompanhado por representantes de entidades. "O que vimos é que a escola e a estrada são precárias, sem condições de saúde e higiene", afirmou o parlamentar. Quanto ao crime, ele destacou a necessidade de transferir o julgamento da comarca local para Belo Horizonte, a fim de evitar a influência do suspeito de ser o mandante, o fazendeiro Adriano Chafik, que está livre. "Também faço um apelo para que o Iter interceda junto ao Executivo a fim de que a bancada governista permita votar e aprovar aqui na Assembléia o projeto que concede indenização às famílias das vítimas, e que já está pronto para entrar em pauta", afirmou o deputado.

O coordenador das promotorias de Direitos Humanos e Conflitos Agrários, procurador Afonso Teixeira, disse não ter dúvida que o massacre ocorreu por omissão do Estado, e que as indenizações são mais que devidas. "Um mês antes do crime enviamos ofício à Delegacia Regional de Polícia, advertindo sobre a situação", afirmou Teixeira. Segundo ele, dos 15 suspeitos, três já foram pronunciados, e estão prontos para ir a júri popular. Outros dois estão na iminência de serem pronunciados. Teixeira afirmou que a Justiça mineira foi dura com os acusados, e que vários só estão soltos hoje por decisão do Superior Tribunal de Justiça, inclusive o suspeito de ser o mandante. Ele disse estar confiante que os julgamentos ocorrerão em Belo Horizonte.

Ainda mais complicado é o processo de desapropriação e assentamento dos trabalhadores sem-terra. De acordo com a representante do Incra, Moema Rocha, o instituto já concluiu que parte da fazenda é produtiva e não pode ser desapropriada. Outra parte foi considerada devoluta, e por isso a competência caberia ao Estado. O Incra estaria estudando a realização de uma "desapropriação por interesse genérico", a fim de resolver o problema.

Já o diretor-geral do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter), Luiz Chaves, disse que a ação discriminatória, que tem a função de determinar qual a parcela devoluta da área envolvida, está praticamente na estaca zero. Segundo ele, nos últimos dois anos a vara especializada apenas definiu que a ação seria conduzida pela Justiça local. "Essa ação não deve sair rápido. Insisto para que essa Casa pressione o Judiciário, e acho que devíamos fazer um mutirão dos órgãos envolvidos para buscar meios jurídicos a fim de fazer uma desapropriação por interesse público", defendeu Chaves.

Providências - Além do requerimento para ofício ao presidente da ALMG, outros seis requerimentos para envio de ofícios foram propostos pelos deputados Rogério Correia e Carlos Gomes. Um ao prefeito de Felisburgo para garantir assistência médica e escolar adequada às crianças do acampamento; um ao Tribunal de Justiça para agilizar o julgamento e transferir o foro do processo para BH; um ao Incra para solicitar a agilização do processo de desapropriação e assentamento; um à Cemig pedindo infra-estrutura de energia elétrica para o acampamento; um ao Instituto de Terras para agilizar o processo de indenização às famílias; e um sexto requerimento para envio de ofícios à Polícia Militar, Polícia Civil e Secretaria de Defesa Social pedindo apuração de denúncias de ameaças aos acampados de Felisburgo. Outros dois requerimentos determinam o envio das notas taquigráficas da audiência ao Superior Tribunal de Justiça e a diversos órgãos federais e estaduais. Um último requerimento propõe o agendamento de visita da Comissão de Direitos Humanos à Cemig para pedir a instalação de luz elétrica em pelo menos um ponto do acampamento.

Presenças - Deputados Rogério Correia (PT) e Carlos Gomes (PT). Também participaram da reunião a representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Marcilene Ferreira; os coordenadores estaduais do MST, Vanderlei Martini e Mauro Lemes; o padre Newton Dias, da diocese de Almenara; delegado federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Igino de Oliveira; o assessor de Ouvidoria Agrária Nacional, Leonardo Damasceno; a defensora pública Ilcelena Queiroz; e a representante da Rede Nacional de Advogados Populares, Delze Laureano.

 

 

 

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