Agricultura familiar produz 75% dos alimentos no
Brasil
A agricultura familiar responde hoje por 75% do
alimento consumido pelos brasileiros. Além disso, é o setor da
economia nacional que mais gera emprego e renda, embora receba menos
investimentos e crédito que outros setores. Em municípios mineiros
de menor porte, o volume de recursos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) representa três
vezes o montante do Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
beneficiando até 80% da população. Ainda assim, há muitos gargalos,
como os problemas vividos pelos produtores de assentamentos rurais,
que não contam com mecanização nem com sistema de estocagem.
Os dados, citados por representantes de governos e
instituições ligadas à agricultura familiar, enriqueceram a
audiência pública sobre o tema, realizada nesta quarta-feira
(18/10/06) pela Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial
da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Durante a reunião,
solicitada pelo deputado Padre João (PT), presidente da comissão, os
convidados debateram os investimentos na agricultura familiar e sua
relação com a segurança nutricional sustentável em Minas, em
comemoração ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de
outubro.
O secretário-executivo do Conselho de Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea-MG), Celi Márcio Santos,
falou sobre a programação da Semana Mundial da Alimentação e afirmou
que a agricultura familiar ou camponesa está intimamente ligada ao
direito de todo cidadão a um alimento de qualidade, com respeito à
diversidade cultural dos hábitos alimentares. "Sete em cada dez
pessoas que trabalham na roça são da agricultura familiar. Ela gera
emprego e renda e fixa o homem no campo, além de ser grande
produtora de alimentos. Por isso, a atividade teria que ter mais
crédito e financiamento", defendeu.
Santos lembrou ainda que o pequeno agricultor tem
uma relação afetiva com a terra, o que resulta em maior
sustentabilidade ambiental e volume menor de insumos químicos. "A
Lei Estadual da Segurança Alimentar, regulamentada em julho passado,
tem como diretriz o apoio à agricultura familiar e à reforma
agrária", acrescentou. A assessora do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), Adriana Bicalho, enfatizou que o volume de alimentos
produzido na agricultura familiar, por si só, é suficiente para
mostrar que o setor é fundamental para o desenvolvimento sustentável
não apenas da área rural, mas também das cidades.
Citando dados que indicam o aumento do investimento
no setor, o delegado regional do MDA em Minas, Igino Marcos da Mata
Oliveira, afirmou que o crédito está próximo da universalização.
Segundo ele, na safra 2002/2203, o Pronaf contou com R$ 2,4 bilhões.
Já na safra 2006/2007, foram disponibilizados R$ 10 bilhões. "Em
Minas planejamos investir R$ 800 milhões, mas os contratos somaram
R$ 950 milhões", argumentou. Dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), citados pelo delegado, apontam que o
País tem 4 milhões de agricultores familiares, sendo 400 mil em
Minas. "Foram fechados dois milhões de contratos no país e 220 mil
em Minas", compara.
Para Igino Oliveira, é preciso agora planejar os
gastos dos agricultores, junto com os gestores municipais, para que
os recursos do Pronaf circulem no município, elevando seu Produto
Interno Bruto (PIB). O delegado trouxe ainda a informação sobre uma
norma recente, que permite a individualização de dívidas dos
produtores, contraídas por meio do chamado aval solidário. Essa,
segundo ele, era uma demanda dos acampamentos de reforma
agrária.
O coordenador do programa Compra Direta da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em Minas Gerais, Luiz
Eduardo Marques Dumont, citou os projetos desenvolvidos pela empresa
estatal, que permitem a compra de alimentos diretamente dos
produtores ou cooperativas, para garantia de preço. Segundo ele, no
início do próximo ano será efetivado ainda um programa que visa à
comercialização dos produtos da agricultura familiar para a merenda
escolar. "O agricultor tem dificuldade de participar de licitações.
Por meio de convênio, a Conab poderá repassar os alimentos às
prefeituras", resume.
Programas precisam ser aperfeiçoados
Ao mesmo tempo que os participantes da reunião
reconheceram as conquistas da agricultura familiar no País e em
Minas Gerais, muitos deles apontaram carências e pontos que ainda
precisam ser aperfeiçoados. O presidente da Associação dos
Produtores Integrados de Minas Gerais (Aprimig), Thomé Palhares
Filho, encaminhou à comissão um documento com sugestões de medidas
referentes à produção leiteira em Minas Gerais. Ele lembrou que
Minas é responsável por um terço da produção de leite no País, mas
está atrás de outros estados com relação a programas de incentivo
para o setor.
Entre as principais reivindicações encaminhadas
pela Apri, está a implantação, em todo o Estado, de um programa de
adição de ferro e vitamina A no leite a ser fornecido para as
crianças entre seis e 14 anos. Palhares também cobrou um programa de
aproveitamento do soro, muitas vezes jogado fora, prejudicando
cursos d'água, enquanto poderia estar enriquecendo a merenda
escolar.
O deputado Laudelino Augusto (PT) lembrou que
pesquisas realizadas em Itajubá já comprovaram o valor do soro de
leite como complemento alimentar. O tema será motivo de visita da
comissão ao município, provavelmente em novembro. O deputado também
ressaltou a necessidade de maiores investimentos em agricultura
familiar. "A sociedade demorou para descobrir que a agricultura
familiar é investimento, e não gasto", declarou o
parlamentar.
Burocracia ainda é empecilho
O secretário executivo do Conselho Municipal de
Segurança Alimentar e Nutricional de Belo Horizonte, Moisés Machado,
chamou atenção para as dificuldades que o poder público impõe para
que a produção dos pequenos municípios e produtores seja utilizada
na merenda das crianças daquelas mesmas comunidades. "Já trabalhei
em Conselheiro Lafaiete e lá a gente tinha que comprar uma batata
mais cara que a produzida lá", afirmou Machado.
A necessidade de se permitir que a merenda
aproveite produtos locais foi enfatizada pelo deputado Padre João
(PT). "Como vamos resgatar o valor da agricultura familiar se a
própria escola não contribui para isso?", questionou o parlamentar.
Um dos caminhos apontados na reunião é a priorização da compra
direta, por meio da qual o governo federal reserva recursos para a
compra de produtos da agricultura familiar. Há um mês, o valor anual
de compras por família foi ampliado de R$ 2,5 mil para R$ 3,5
mil.
O presidente da Federação dos Trabalhadores na
Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, também
citou alguns gargalos, como a necessidade de convênios com
prefeituras, para que a Emater possa prestar assistência. "Nossa
reivindicação é que seja criada em Minas uma secretaria de Estado da
Agricultura Familiar", salientou. A coordenadora da Federação dos
Trabalhadores em Agricultura Familiar de Minas Gerais (Fetraf),
Teresa dos Santos Silva, também lembrou que a maior parte dos mais
de 200 assentamentos em Minas não tem condições de aumentar a
produção, em função da falta de equipamentos e até mesmo de uma
política de preços.
"Não temos como agregar valor à produção e, com
isso, perdemos parte do lucro. A fixação do homem no campo tem que
ser feita com qualidade", defendeu. A pedagoga da Associação Mineira
das Escolas Famílias Agrícolas (Amefa), Marinalva Jardim Franca,
também apresentou o trabalho das 13 escolas de Minas e solicitou
mais apoio. Já a pedagoga Ana Rosa Martins enumerou as atividades
realizadas pela Coordenação de Vigilância Alimentar e Nutricional da
Secretaria de Estado da Saúde, que incluem capacitação de
merendeiras escolares, pesquisas sobre anemia e suplementação de
ferro e incentivo à mudança de hábitos.
Projeto de incentivo ao Sisbov tem parecer
aprovado
Antes da audiência com os convidados, a comissão
aprovou parecer de 1º turno favorável ao Projeto de Lei (PL)
3.330/06, com duas emendas. De autoria do deputado Leonardo Moreira
(PFL), a proposição dispõe sobre o desenvolvimento de programas,
projetos e atividades visando incentivar os criadores de gado bovino
a integrar o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de
Origem Bovina e Bubalina (Sisbov).
Entre as ações previstas no projeto, estão a
pesquisa e o desenvolvimento de dispositivos de identificação e
monitoramento individual de bovinos, instituição de linhas especiais
de financiamento e divulgação institucional.
Em seu parecer, o relator, deputado Doutor Viana
(PFL), citou que o Sisbov, desde julho deste ano, passou a
denominar-se Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de
Bovinos e Bubalinos e teve sua estrutura ampliada e aprimorada. Como
a mudança do nome não foi considerada no texto original do projeto,
o parlamentar apresentou a emenda nº 1, que promove essa alteração.
Já a emenda nº 2, de acordo com o relator, busca corrigir uma
deficiência do projeto, que não faz referência ao gado bubalino em
diversas partes do texto, quando há citação ao gado bovino.
O parlamentar acrescenta que o Sisbov é tratado com
grande interesse pelo Estado. Tanto que o Instituto Mineiro de
Agropecuária (IMA), a despeito da inexistência de norma estadual que
vincule sua atividade ao programa federal, está estabelecendo
parcerias com empresas de Santa Rita do Sapucaí, Sul de Minas, para
desenvolver um dispositivo eletrônico de identificação com custo
acessível para os criadores. O IMA, de acordo com o parecer,
pretende ainda incentivar a adesão de criadores subsidiando a
identificação de um milhão de animais.
Requerimentos - A comissão
aprovou ainda dois requerimentos do deputado Padre João. O primeiro
solicita a realização de audiência pública para discutir as
perspectivas da política agrícola para a reforma agrária e
agricultura familiar e a relação dos atores dessas políticas em
Minas Gerais. De acordo com o parlamentar, são necessários alguns
ajustes nessa política, no tocante ao zoneamento agrícola e à
questão do crédito, por exemplo.
Já o segundo requerimento solicita a realização de
audiência conjunta com a Comissão de Trabalho, Previdência e Ação
Social. O objetivo é dar encaminhamentos à situação dos
trabalhadores de Minas que se deslocam para a colheita de
cana-de-açúcar em São Paulo. Em sua justificativa, o deputado Padre
João cita que apenas do Vale do Jequitinhonha saem cerca de 40 mil
migrantes, que trabalham nos canaviais paulistas sem carteira
assinada e em condições insalubres.
Presenças - Deputados Padre
João (PT), presidente da comissão; Marlos Fernandes (PPS),
vice-presidente; Doutor Viana (PFL), Paulo Piau (PPS) e Laudelino
Augusto (PT).
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