Deputados buscam solução para conflito em Rio Pardo de Minas

Depois de 30 anos de monocultura de eucalipto, a região de Rio Pardo de Minas volta a conhecer áreas de agricultura f...

24/08/2006 - 00:01
 

Deputados buscam solução para conflito em Rio Pardo de Minas

Depois de 30 anos de monocultura de eucalipto, a região de Rio Pardo de Minas volta a conhecer áreas de agricultura familiar e de extrativismo vegetal. Baixadas antes ressecadas pelo reflorestamento extensivo voltam a produzir água, mandioca, abacaxi, arroz e feijão. O melhor exemplo de reconversão agroextrativista vem da localidade de Vereda Funda, uma área retomada por 250 pequenos agricultores, após o fim do contrato de arrendamento da empresa Florestaminas, no final de 2004. Mas o conflito fundiário está latente devido a demandas judiciais e corre o risco de degenerar em violência.

Este foi o quadro encontrado pela Comissão de Agropecuária e Política Agroindustrial em Rio Pardo de Minas, na audiência pública realizada na Câmara Municipal, nesta quinta-feira (24/8/06). O Plenário ficou lotado de representantes de inúmeras comunidades agrícolas dessa cidade e das vizinhas São João do Paraíso, Fruta de Leite, Indaiabira e Vargem Grande. O deputado Padre João (PT), presidente da comissão, inverteu a rotina das audiências e deu a palavra em primeiro lugar aos agricultores, deixando para o final as autoridades e o representante das empresas.

A apresentação do assunto ficou a cargo do deputado Rogério Correia (PT), autor do requerimento da reunião. "Na década de 70, o Governo do Estado fez inúmeros contratos de arrendamento de terras consideradas devolutas para as empresas de reflorestamento, desconsiderando se havia ou não posseiros morando ali. Vieram os tratores com os correntões e arrastaram tudo, fosse chapada, cerrado, mata de transição ou nascente. Criaram graves problemas ambientais e sociais. Findos os contratos, os moradores passaram a reivindicar a posse das terras que seus pais ocupavam. Instalaram-se conflitos que estamos aqui para tentar evitar", disse o deputado.

Depois que o deputado apresentou o requerimento, chegaram ao seu gabinete novas denúncias sobre fornos clandestinos e notas frias para legalizar cargas de carvão feito de madeira nativa, e de que o cartório de Taiobeiras estaria tentando legalizar à força terras reivindicadas pela Florestaminas. A derrubada de cercas dos posseiros por parte das empresas sem ordem judicial estaria prestes a produzir confrontos armados.

Encurralados pelo eucalipto e recanteados como gado

Mais de vinte representantes dos pequenos agricultores se sucederam ao microfone, compondo um quadro de injustiças e arbitrariedades sofridas por eles, seus pais e avós desde a década de 70, quando se instalaram na região Norte do Estado 17 empresas de reflorestamento beneficiárias de incentivos fiscais para produzir combustível destinado a abastecer as siderurgias mineiras em expansão.

No município de Indaiabira ficam as comunidades de Curral Novo e Muzelo, 140 famílias lideradas por Seu Joaquim. "O trabalhador vive numa prensa. Quando mais mexe, mais aperta. A gente perde o fôlego, vive assombrado, como quem já viu onça e tem medo. As firmas acabaram com o mangaba, o pequizeiro, as frutas que sustentam o pobre numa precisão. Nunca vi ninguém conseguir morder uma tora de eucalipto. Agora nós estamos produzindo feijão, mandioca, melancia com a chuva que Deus dá. Pegar na enxada e na foice é o normal que a gente consegue", disse ele.

Aderbal, da comunidade Roçado e Buquém, denunciou a pressão de um empreendedor italiano. "Nós moramos aqui tem quase cem anos, e ele chama a gente de sem-terra. Sem terra é ele, que chegou num avião e não trouxe terra nenhuma". Delvino Gomes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João do Paraíso, informou sobre a saída de cargas de carvão clandestino e o corte de cercas de vários posseiros. "Estamos expulsos, recolhidos nos boqueirões e caminhando só no trilho das cercas, como gado num curral", comparou.

Na Vereda Funda, a Florestaminas devolveu 500 hectares ao Governo, e esse foram prontamente ocupados por 133 famílias num projeto agroextrativista que fez ressurgirem as nascentes. Elmir, vice-presidente da associação local, relatou as pressões que a Florestaminas exerce sobre elas. "Dizem que nosso projeto é bestagem. Eles gradearam o carreador (estrada) rente do açude para abastecer dez famílias, que nós cavamos, tirando a terra em couro de boi. Quando veio a chuva, entupiu tudo".

Florestaminas reivindica direitos sobre 240 mil hectares

Um a um, os representantes das comunidades foram mostrando os gravames sobre o conflito fundiário armado na região, mencionando abusos dos prepostos das empresas Plantasete, Refrasa, Italmagnésio, Sidersa, etc. A única exceção entre elas foi o Grupo Gerdau, que devolveu voluntariamente a Fazenda Embaúba, onde 60 famílias utilizam coletivamente 300 hectares. Entre todas as empresas de reflorestamento do vale do Rio Pardo, a mais criticada é a Florestaminas, que teria arrecadado nada menos que 240 mil hectares, expulsando centenas de famílias. Uma parte migrou para as cidades, outra ficou encurralada nas grotas e boqueirões. Com o fim da ditadura e a reorganização do movimento sindical, eles reivindicaram seus direitos, desta vez com o reforço de entidades ambientais que combatem a monocultura.

Luiz Chaves, diretor-geral do Instituto de Terras, mostrou perfeito conhecimento da situação, informou que o Iter havia entregado 1.200 títulos de propriedade na região e relatou as ações que o órgão move para reaver as terras devolutas. Ele rebateu a acusação de omissão do Executivo estadual e atribuiu ao Judiciário a responsabilidade pelas decisões contrárias ao Estado e aos posseiros. Chaves informou que as empresas, ao ganharem do Iter na Justiça as primeiras ações de reintegração de posse, trataram de replantar as áreas com contratos vencidos e agora reivindicam plenos direitos sobre elas. Ele informou que a Florestal Acesita está reivindicando 89 mil hectares no Jequitinhonha, o que seria uma derrota desastrosa para o movimento social se a Justiça conceder.

Representantes da Vereda Funda e do Riacho dos Cavalos asseguraram que ninguém mais plantará eucalipto naquelas terras, que ninguém sairá de lá, nem com ordem judicial, e que preferem ser enterrados ali do que sair. Os promotores de Justiça Marisson Maurício Mendes e Ali Ayoub, presentes à reunião, reclamaram da falta de estrutura do Ministério Público para trabalhar na região, sem um colega designado para a Comarca, e pediram defensores públicos para cuidar dos interesses dos trabalhadores. Os deputados Padre João e Rogério Correia imediatamente apresentaram requerimento à Defensoria Pública para enviar advogados para Rio Pardo de Minas.

Grilagem moderna e carvão ilegal

Marisson Mendes explicou como funciona a grilagem moderna de terras, quando uma empresa compra uma pequena propriedade legítima de 25 hectares, através de um testa-de-ferra, e este a revende para um "laranja", que registra 1.700 hectares em cartórios fraudulentos de outras regiões. "Tais escrituras questionáveis ficam guardadas para gerar benefícios futuros", interpretou. Ali Ayoub revelou como se faz para retirar cargas de carvão ilegal de mata nativa, arranjando os sacos no meio de fileiras externas de carvão de eucalipto". Ambos recomendaram que ninguém assine papel algum sem a assistência de um advogado de confiança.

A professora universitária Isabel Brito apresentou uma dissertação de mestrado sobre a situação sócio-econômica do vale do Rio Pardo, e afirmou que, em sua pesquisa, encontrou inúmeras provas documentais de que a população é tradicional na região. "Inúmeras dessas famílias já haviam sido recenseadas aqui em 1920", assegurou. Ambientalistas que apóiam os posseiros questionaram a falta de Estudo de Impacto Ambiental para os novos projetos de reflorestamento, exigidos pela legislação.

O deputado Padre João considerou inadmissível que as empresas estejam repetindo, no século 21, as práticas de desmatamento e plantio da década de 70, que hoje seriam consideradas crime ambiental. Ao encerrar a reunião, elogiou os êxitos da agricultura familiar na produção de alimentos e na recuperação de mananciais, e fez um apelo à organização comunitária e à resistência na terra.

Presenças - Deputado Padre João (PT), presidente; deputado Rogério Correia (PT); Marisson Maurício Mendes, procurador de Janaúba; Ali Ayoub, promotor de Porteirinha; Luiz Chaves, diretor-geral do Iter-MG; Marcos Mendes Ferreira, delegado de Polícia; Ascendino Romualdo dos Reis, gerente da Gerdau; Eliseu José de Oliveira, diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas; José Maria Ferreira dos Santos, representante da Fetaemg.

 

 

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715