Especialistas avaliam sistema de justiça
criminal
O sistema de justiça criminal brasileiro é
desarticulado e só poderá ser eficiente se houver investimento
significativo em capacitação, treinamento e valorização das
diferentes categorias profissionais envolvidas diretamente com a
área de segurança pública. A constatação é dos especialistas que
participaram, na manhã desta terça-feira (22/8/06), no Plenário da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, do Seminário Legislativo
"Segurança para todos - Propostas para uma sociedade mais segura".
Um sociólogo e um filósofo, ambos estudiosos da
questão da segurança, foram os palestrantes do painel que abordou o
tema "Administração de recursos humanos do sistema de justiça
criminal", no segundo dia do seminário que reúne mais de 500
participantes e 30 entidades apoiadoras, da Capital e do interior. O
evento será encerrado nesta quarta-feira (23) com a aprovação de um
documento com sugestões e propostas dos poderes do Estado e da
sociedade civil para combater a violência e aprimorar a política de
segurança.
O primeiro expositor foi o sociólogo Sérgio Adorno,
coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (USP), para quem não é possível tratar de políticas públicas
penais sem levar em conta a necessidade de qualificação dos recursos
humanos envolvidos. Segundo ele, o atual governo federal segue, em
linhas gerais, o mesmo programa do anterior no que se refere ao
diagnóstico, metas e estratégias da área de segurança.
Problemas como a insuficiência do policiamento
ostensivo, recursos humanos mal preparados, escassez de
equipamentos, baixos salários, número insuficiente de juízes e
código penal obsoleto já eram apontados pelos pesquisadores no
início dos anos 90. As linhas de ação a serem adotadas também já
eram conhecidas, como estreitar a cooperação entre estados e
municípios no enfrentamento da violência, fortalecer os órgãos
federais de segurança, reformar o sistema penitenciário e a
necessidade de uma Justiça mais rápida e acessível.
Perfil da criminalidade mudou
"Mas por que um programa tão articulado, tão
bem-feito, e que tem tido continuidade, não produziu resultados?",
indagou o pesquisador da USP. Para ele, nos últimos 20 anos houve
uma mudança no perfil da criminalidade no País, com o crescimento
dos crimes violentos. "O crime-negócio contaminou o perfil da
criminalidade e isso tem grande repercussão no sistema de justiça
criminal, que passa por enorme desarticulação interna, que não tem
integração entre seus órgãos", analisou.
Um indicador dessa desarticulação, segundo Sérgio
Adorno, é a impunidade. Estudos feitos pela USP mostraram que apenas
9,5% dos crimes violentos ocorridos na cidade de São Paulo, entre
1991 e 1997, transformaram-se em inquéritos policiais. Isso, na
opinião do sociólogo, deve-se ao despreparo dos recursos humanos do
sistema de justiça criminal e a uma concepção de segurança
ultrapassada, que considera como papel da polícia apenas "caçar
bandidos", em vez de proporcionar segurança aos cidadãos. Para
Adorno, a administração pública precisa discutir seriamente a
relação custo/benefício dos investimentos em segurança pública e
trabalhar com uma contabilidade de resultados. "Não basta
reequipamento, é preciso inovação, formação de recursos humanos que
possam operar com sistemas de inteligência. "Não basta ter
informações; é preciso saber trabalhar essas informações, produzir
análises e cenários", advertiu.
Instituições são ultrapassadas
O segundo palestrante, o professor de Filosofia do
Direito da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ramos Aguiar,
ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro e do Distrito Federal,
também defendeu a necessidade de grandes investimentos na
qualificação dos recursos humanos e modernização das instituições.
"Não temos um sistema nacional de segurança pública, um sistema
criminal integrado; mas um feudalismo de instituições",
criticou.
De acordo com Roberto Aguiar, as instituições
envolvidas não se comunicam, não se conhecem operacionalmente, nem
sequer têm um conceito comum do que seja segurança pública. O
despreparo também atinge o Judiciário e a participação da cidadania
nos conselhos comunitários apresenta problemas como sua
instrumentalização política. Ao lembrar as novas modalidades de
crimes, como os delitos que se utilizam da tecnologia e da
eletrônica, o professor avaliou que hoje, muitas vezes, os
criminosos estão mais atualizados que as polícias, e que as
instituições do sistema de justiça criminal têm gestões amadoras.
Outro problema assinalado foi a infiltração da delinqüência no
aparelho de Estado, a exemplo do que aconteceu nos estados de
Rondônia e Espírito Santo.
Roberto Aguiar defendeu, entre outras propostas,
formação única e multidisciplinar na justiça criminal, piso salarial
nacional para as diversas categorias, ampliação dos mecanismos de
participação dos cidadãos sem o aparelhamento político dos
conselhos, atualização científica e tecnológica das polícias,
constituição de conselhos interinstitucionais e aplicação de penas
alternativas à prisão.
Após as exposições, houve debate coordenado pelo
deputado Sargento Rodrigues (PDT).
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