Comissão de Direitos Humanos quer apressar reforma agrária no
Noroeste
A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais vai solicitar ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) agilização no processo de
vistorias em sete fazendas passíveis de reforma agrária no município
de Lagoa Grande, no Noroeste mineiro. Os deputados querem, também,
que seja apurada a responsabilidade do juiz Joamar Gomes Vieira
Nunes, da comarca de Presidente Olegário, na retirada à força de
trabalhadores rurais que ocuparam a Fazenda Gameleira, situada no
primeiro município.
A comissão, presidida pelo deputado Durval Ângelo
(PT), realizou nesta quinta-feira (3/8/06), em Lagoa Grande,
audiência pública para apurar as denúncias de arbitrariedade e abuso
de poder de policiais militares e um oficial de justiça na
desocupação da fazenda. O encontro foi no Clube Talismã e contou com
a presença representantes do Ministério Público, autoridades locais
e representantes dos sem-terra.
O conflito ocorreu no dia 18 de março, um sábado,
quando cerca de 25 famílias invadiram a fazenda, de propriedade do
prefeito de Lagoa Grande, José Francelino Dias. O objetivo, segundo
os próprios líderes do movimento, era pressionar o Incra a
desapropriar outras duas fazendas que estão em fase de vistoria na
cidade, a Jequié e a Muleta. A fazenda invadida é considerada
imprópria para reforma agrária, pois produz cerca de 8 mil litros de
leite por dia.
Durante a tentativa de acabar com o movimento, os
policiais prenderam oito pessoas, entre elas a presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e vereadora do município,
Maria Rosária dos Santos, e outro vereador da cidade, Geraldo Wagner
de Matos (PT). Também levaram os dois filhos da vereadora, Nara
Sthefane dos Santos Peres, de 7 anos, e Heitor Henrique dos Santos
Peres, de 4, além do companheiro, Silésio Peres da Silva.
Segundo Maria Rosária, ela foi convidada pelo
sargento Menezes, encarregado de registrar a ocorrência, para tentar
convencer os trabalhadores e abandonar o local. Ela esteve na
fazenda de manhã, mas conseguiu apenas a promessa de que eles
sairiam na segunda-feira seguinte. À tarde, a vereadora recebeu a
visita do sargento e do oficial de justiça de Presidente Olegário,
José Ribeiro Godinho, conhecido como Zelão, que a convenceram a
voltar ao acampamento para apressar a desocupação.
Após a nova conversa, a vereadora se surpreendeu
com a prisão em frente ao acampamento. Também foi preso um casal que
se prontificou a arrumar gasolina para o carro da parlamentar, outro
casal que passava pelo local e um dos trabalhadores que seguia para
a fazenda levando alimentos. Eles ficaram detidos na delegacia de
Presidente Olegário até a manhã do dia seguinte e foram liberados
pelo delegado, que considerou que não houve crime. Enquanto estavam
detidos, os policiais retiraram os trabalhadores da fazenda.
Os trabalhadores, agora, estão acampados às margens
de uma estrada vicinal que liga o município à BR-040. Atualmente,
cerca de 130 famílias estão morando em barracas de lona, à espera
dos assentamentos.
Tanto a vereadora quanto o vereador Geraldo Matos
afirmaram aos deputados que quando estavam saindo do acampamento,
minutos antes da prisão, o oficial de justiça recebeu um telefonema
de "uma autoridade", que eles suspeitam seja o juiz. Diante da
suspeição, a comissão apresentou um requerimento para apurar a
responsabilidade do magistrado. "No Estado democrático de direito,
todos estão submetidos à lei, independente do cargo. Ao contrário,
os ocupantes de cargos de poder têm que dar o exemplo", justificou
Durval Ângelo. O parlamentar explicou que a retirada não poderia ter
sido ordenada verbalmente.
Desrespeito à legislação estadual
O deputado Rogério Correia lembrou que há uma lei
estadual que determina que nenhuma desocupação pode ser feita à
noite e que tem que ser comunicada, antecipadamente, à Comissão de
Direitos Humanos da ALMG e à Câmara Municipal local, o que foi
desrespeitado na ação. "Foi um processo ilegal, tanto que o delegado
mandou liberar todo mundo", afirmou.
O vice-prefeito Welton Nicanor Galvão disse que o
conflito foi motivado por diferenças políticas entre os dois
vereadores e o prefeito da cidade e solicitou pressa no processo de
assentamento na cidade.
Durval Ângelo afirmou que o Ministério Público
Estadual (MPE) já apresentou denúncias contra dois policiais
militares e o oficial de justiça que comandaram a operação. Ele
ressaltou que o direito agrário gera muitas controvérsias no País.
"Alguns ressaltam o direito à propriedade, mas a Constituição fala
da função social da propriedade. O trabalhador que luta e se
organiza está sendo um cidadão brasileiro, fazendo prevalecer um
direito constitucional".
O procurador de Justiça e coordenador do Centro de
Apoio Operacional das Promotorias de Conflitos Agrários, Afonso
Henrique Teixeira, completou que a ação movida pelo MPE também se
baseia no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois duas crianças
sofreram violência. Segundo a vereadora, os meninos foram presos sob
armas apontadas pelos policiais e choraram muito. Eles foram
liberados ainda em Lagoa Grande, e entregues para a filha mais velha
da vereadora. Os outros detidos seguiram para a delegacia da cidade
vizinha.
O ouvidor agrário, desembargador Gercino José da
Silva Filho, admitiu que o conflito apresentou erro das duas partes
envolvidas. Os trabalhadores não poderiam ter invadido uma
propriedade produtiva, e as autoridades não poderiam realizar a
desocupação de maneira ilegal e violenta. Ele se comprometeu a fazer
ingerência junto ao Incra para agilizar os processos de
desapropriação de fazendas na cidade.
Requerimentos - Após
ouvirem algumas das pessoas presas durante a desocupação, políticos
presentes e representantes de movimentos de luta pela terra, os
deputados apresentaram dez requerimentos solicitando mais
informações sobre o conflito. Entre eles, a solicitação de uma
reunião com o governador Aécio Neves e representantes do Comando
Geral da PM, da Promotoria de Conflitos Agrários, Ouvidoria e
Instituto de Terras (Iter). Os requerimentos devem ser apreciados na
próxima reunião da comissão.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; e Rogério Correia. Também
participaram da reunião o promotor de Justiça da Promotoria de
Conflitos Agrários, Luís Carlos Martins Costa; o vice-prefeito de
Lagoa Grande, Welton Nicanor Galvão; e o secretário municipal de
Ação Social, Inocêncio Lino da Silva.
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