Transtorno Mental conclui coleta de depoimentos para
relatório
A última audiência da Comissão Especial de
Transtorno, Deficiência Mental e Autismo foi destinada, por seu
presidente, deputado Célio Moreira (PSDB), ao debate entre usuários
dos serviços de saúde mental e seus familiares, e os representantes
dos órgãos e instituições que são membros natos da Comissão. Nesta
audiência, realizada no auditório da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais na tarde desta terça-feira (4/7/06), a ênfase maior ficou com
os depoimentos dos pais de autistas, embora outros tipos de
deficientes tenham sido defendidos.
Cláudia Behring relatou os progressos de sua filha
Priscila, atendida no Creia e no Hotel CreSer. Ela faz parte do
coral e do balé, e acaba de fazer o papel de noiva numa festa
junina. A mãe receia que a linha antimanicomial venha deixar a
menina sem a assistência satisfatória que recebe. "O que será dela e
de nós quando isso acabar? Precisamos ser ouvidos e atendidos. Chega
de discurso e teoria. A vida deles é que está em jogo", desabafou
Cláudia.
Edmar Rocha mantém o filho Marcelo, de 33 anos, no
Hotel CreSer. O rapaz estuda no Colégio Pitágoras de Nova Lima e há
8 anos frequenta o Hotel. "Custa caro mantê-lo em instituições
privadas, mas por duas vezes tentei a escola pública e por duas
vezes recusaram meu filho. Em face da humilhação, desisti".
Ingrid Albuquerque, cujo filho Gabriel estuda na
Escola Creia em horário integral, relatou a dificuldade que enfrenta
depois que o rapaz entrou na puberdade. "A questão da sexualidade é
complicada. Ele não sabe lidar com seu corpo, e já passei várias
noites correndo em volta da mesa para não apanhar dele", relatou.
Gabriel tem 18 anos, 1,90m e 90 kg. Ingrid reclamou que não tem
férias, feriado, domingo. "As falas que ouvi aqui são muito bonitas,
mas não funcionam".
Um caso notável de superação
O único usuário do sistema que deu depoimento
pessoal foi Sócrates de Araújo, que tem distúrbio da fala e dos
movimentos, seqüelas neurológicas de um acidente de trânsito que
sofreu aos 13 anos. Hoje já grisalho, Sócrates lembra que passou 49
dias em coma e, ao despertar, teve que reaprender tudo. Esteve
internado inúmeras vezes em hospitais psiquiátricos, tomou
eletrochoque, foi cobaia de medicamentos, passou por todo o pacote
repressor que a luta antimanicomial combate. "Todos os dias eu luto
para me tornar um homem capaz e apto", resume. Solidário, Sócrates
criou a Associação Verde Esperança, para egressos do sistema
psiquiátrico, e promove atividades esportivas, recreativas e de
lazer.
O depoimento de Sócrates Araújo comoveu os pais
presentes, e alguns deles disseram que o sonho de suas vidas era ver
seus filhos capazes de recuperar-se como ele. Leda Lúcia Oliveira
tem uma filha usuária do Centro de Referência em Saúde Mental. "Ela
tinha 28 anos quando surtou de repente e há cinco anos recebe um
excelente tratamento. Por isso, defendo a luta antimanicomial. Não
sei se minha filha retornaria à normalidade se ficasse internada
numa instituição", afirmou.
Os pais de autistas criticaram Leda Oliveira,
dizendo que o caso de sua filha era diferente dos autistas. Mônica
Amaral expôs a situação de sua filha Roberta, de 24 anos e há 10,
internada no Centro Especializado Ester Assunção. O marido sofreu
derrame e foi aposentado por invalidez. Roberta tem autismo grave e
comportamento agressivo, mas o Centro enviou a Mônica uma carta para
providenciar a remoção da moça em dez dias. "A médica que a
acompanha não indica nenhum tipo de convívio social. Ela não come
sozinha, não fala, não se higieniza. Sua tutela pertence ao Estado,
e temos uma bolsa da Loteria Mineira para cobrir a mensalidade de R$
5.600,00. Onde vou colocá-la? Em Aracaju?", pergunta a mãe.
Residências terapêuticas seriam a solução
Fernanda Abaurre disse que seu filho autista lhe dá
lições cotidianas de vida e enfrenta com desassombro a ignorância ou
a crueldade da sociedade. Não pretende afastar-se de seu filho, mas
quer que os autistas sejam vistos com compaixão. "O Estado não nos
oferece o que precisamos, e não queremos criar centros para
internação. Não queremos que o Estado oculte nossos filhos", disse
ela.
Rogério Araújo Souza listou inúmeros perfis de
autistas, desde aqueles de alto desempenho, capazes de certa
autonomia, aos que têm déficit de cognição, autismo associado a
deficiências físicas, e o seu próprio filho, que tem esquizofrenia
associada. Ele acha complicado estabelecer padrões ou faixas de
atendimento para esse tipo especialíssimo de paciente, cujo
diagnóstico costuma demorar quatro anos. "A demanda é maior que os
recursos disponíveis. Assim, temos que achar a solução mais justa,
sem olharmos só para nosso próprio umbigo".
As autoridades e especialistas presentes à mesa
anotaram as queixas e sugestões para orientar a elaboração de
políticas públicas, mas não deixaram dúvidas de que a questão da
saúde mental se encaminha inexoravelmente para o SUS, que pode haver
cooperação entre os sistemas estaduais de Saúde, Educação e
Assistência Social para o atendimento aos autistas, que a luta
antimanicomial prossegue, mas pode admitir formas alternativas de
residência terapêutica para pacientes adultos.
A deputada Maria Tereza Lara (PT), relatora da
Comissão, enxerga um gargalo no relacionamento do privado com o
público e lacunas na legislação que rege instituições como os hotéis
para pacientes autistas. Dispôs-se a lutar contra o fechamento de
instituições que os pais defendem, mas exigir que elas se adequem à
legislação vigente, principalmente da Anvisa. Exortou os pais a
exerceram controle social juntamente com o governo sobre as
instituições e anunciou que pretende apresentar seu relatório para
votação nos próximos dias.
Presenças: Deputado Célio
Moreira (PSDB), presidente; deputada Maria Tereza Lara (PT),
relatora; Ana Regina de Carvalho, diretora da Secretaria de Estado
da Educação; Marta Elizabeth de Souza, coordenadora da Secretaria de
Estado da Saúde; Patrícia Cunha, coordenadora da Secretaria
Municipal de Educação de BH; Estela Mares Guillen de Souza,
presidente da Apape; Paulo dos Reis Braga, representante da
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas
Gerais; Rosana Palhares Zschaber de Araújo, coordenadora do NEP do
Centro Psicopedagógico; e Leila Regina da Silva, da Arquidiocese de
Belo Horizonte.
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