Direitos Humanos defende posseiros e quilombolas no Norte de Minas

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa realizou duas audiências públicas no Norte de Minas, nesta q...

07/06/2006 - 00:01
 

Direitos Humanos defende posseiros e quilombolas no Norte de Minas

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa realizou duas audiências públicas no Norte de Minas, nesta quarta-feira (8/6/06). Na parte da manhã, em Grão Mogol, os deputados debateram o destino de 142 famílias que vivem e trabalham na área do Parque Estadual de Grão Mogol. À tarde, em Montes Claros, dois assuntos dominaram a audiência: a falta de demarcação das terras onde vivem remanescentes quilombolas e a expulsão de grupos de sem-terra que ocuparam fazendas na região.

Em Grão Mogol, o auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, com capacidade para 110 pessoas, foi pequeno para os quase duzentos trabalhadores rurais que se apinhavam em busca de solução para o problema que os aflige: sua permanência ou expulsão da área de 33,5 mil hectares do Parque. Dezenas deles foram ao microfone relatar sua relação de amor e respeito à terra em que nasceram, herdada de seus antepassados, e que suas famílias ocupam sem destruir há mais de um século.

O presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo (PT), disse que o parque foi criado pelo decreto 39.906/98 do então governador Eduardo Azeredo, sem levar em consideração a situação dos posseiros, meeiros e demais trabalhadores que dali tiravam seu sustento. Desde então, as famílias ficaram impedidas de plantar, reformar ou ampliar suas moradias. Segundo o deputado, em todo esse tempo, o Governo não fez sequer um cadastramento das famílias, tarefa que ficou a cargo da Comissão Pastoral da Terra. Também ficou em suspenso a revisão da área do parque, através do chamado "decreto de desafetação", que retiraria as fazendas Cardoso e Andorinha, onde moram grande número de famílias.

Chifre em cabeça de cavalo

"O decreto de criação do parque veio de cima pra baixo, sem levantamento de quem vivia e trabalhava na área, e hoje não temos direito a nada. Quando chegar o Luz para Todos em Grão Mogol, nós não vamos ter direito, mesmo gente que a família mora há mais de 70 anos ali. Quando pedimos aos deputados para testemunharem a injustiça que estamos sofrendo, disseram que estamos procurando chifre em cabeça de cavalo", desabafou Lúcio Moreira Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

Luiz Chaves, presidente do ITER-MG, relatou sua experiência como advogado dos trabalhadores rurais na década de 80, quando empresas como a Florestas Rio Doce expulsavam posseiros à força. Chaves reconhece que a situação melhorou, mas a legislação continua sendo adversa a quem não pode provar a propriedade da terra. "O Estado não pode indenizar ocupante de terra devoluta, porque estaria pagando por terra que é sua", explicou. A saída, segundo ele, é o reassentamento das famílias que precisarem mesmo ser removidas, ao final do processo de revisão da área do parque. Preocupado com o impasse e a espera, o presidente do Iter disse que a tarefa de levantamento da cadeia dominial de um terreno é mesmo demorada.

Vili Tomich, representante do IEF-MG, disse que o órgão hoje se preocupa com o destino das populações tradicionais que são afetadas pelos projetos dos parques estaduais, e anunciou que o instituto assinou contrato com a Unimontes para identificar as pessoas que realmente têm direito sobre a terra, e a partir daí propor sua indenização ou reassentamento com titulação. "A dificuldade está em separar o joio do trigo, ou seja, quem tem realmente direito daqueles invasores mais recentes. Afirmou que o parque tem R$ 4 milhões em recursos garantidos para começar a regularização fundiária.

Encurralados pelo eucalipto

Clarissa Germana Queiroz, falando em nome dos atingidos, disse que a comunidade vivem em estado de apreensão há oito anos, e que não é possível esperar mais. "Não temos aqui aventureiros ou invasores. Todos são trabalhadores", disse ela. Alvimar Ribeiro dos Santos, da Pastoral da Terra, acrescentou: "Nos anos 80, os coronéis podiam bater, matar, expulsar, porque os trabalhadores não eram organizados. Daí resultou que fomos encurralados pelo eucalipto".

Também o vereador Antônio Messias relatou outra situação aflitiva: 25 trabalhadores que vieram da área do parque tinham sido dispensados da Prefeitura e não podiam voltar para suas antigas posses. Messias exigiu que o IEF distribuísse cestas básicas mensalmente para todos aqueles impedidos de explorar suas posses.

Analisando os dados em suas mãos, o deputado Durval Ângelo disse que 117 famílias moram no parque, e 25 não moram, mas usufruem e trabalham ali. "A solução deste impasse me parece mais próxima de solução do que em outros locais onde comparecemos, como no Parque Estadual do Rio Preto, em Felício dos Santos", opinou. Para ele, os trabalhadores rurais de Grão Mogol sofreram três ondas de opressão: das reflorestadoras, das remoções provocadas pela obra da usina de Irapé e agora pela ameaça de implantação do parque estadual.

O procurador de Justiça Afonso Henrique Miranda Teixeira, coordenador das promotorias de Direitos Humanos, Apoio Comunitário e Conflitos Agrários, criticou "a criação aleatória de parques que cria impacto social e inviabiliza até projetos de reforma agrária". Para ele, a solução em Grão Mogol é fácil, só depende de vontade do Governo. "Isso tem que ser resolvido antes que se torne um conflito. As omissões devem ser cobradas, porque os débitos com esta população vêm da época das empresas de reflorestamento", alertou.

O deputado Jésus Lima (PT) anunciou a chegada do programa Luz para Todos, de uma usina de biodiesel no Jequitinhonha e estimulou os agricultores a plantar mamona, girassol ou pinhão-manso. Criticou a omissão do IEF-MG e a ausência de seu diretor-geral, Humberto Candeias Cavalcanti, que poderia dar uma solução imediata para os atingidos.

Amizade e estimação pela terra

Aberto o microfone para depoimentos da platéia, sucederam-se homens e mulheres, alguns deles muito idosos, em manifestações tocantes, demonstrando sua perplexidade por estarem em vias de perder a terra onde nasceram. "Hoje a gente mora nas quebradas, nas barrocas, porque os lugares planos as firmas de eucalipto tomaram todos e acabaram com as águas. Agora querem tomar também nossa água", disse Osvaldo Miranda. "Caminhei três horas para pegar o carro e vir aqui dizer pra companheirada que não estão me deixando nem reformar minha casa", disse Adão Rodrigues. "Pelejo muito e faço pouco, porque as forças 'tão faltando", confessou, envergonhado, o idoso Joaquim Inácio. "Nasci e criei ali, e tenho cinco filhos pra sustentar, sem salário, sem profissão. Só sei viver da terra", depôs José Domingos. "Trouxe pra vocês minhas tristezas. Quero voltar levando só objetivo de alegria e paz", pediu Osvaldo Dias. "Sou da minha terra. Ela não empresto, e dali não saio. Os velhos só saem depois que morrerem", assegurou Isalina Francisca. "Temos estimação por esse lugar, temos amizade pela nossa terra!, clamou Laurenço Alves da Silva.

Requerimentos: Ao final da reunião, vários requerimentos foram apresentados pelos deputados. Um deles pede a inclusão da Pastoral da Terra e do Iter-MG nas negociações com o IEF-MG. Outro pede o envio das notas taquigráficas da reunião para o diretor-geral do IEF, para o Ministério Público e para as entidades presentes. "Se não resolver a situação, vamos promover a ida de vocês a uma audiência pública na Assembléia, para dar visibilidade ao seu protesto. De lá, vamos em caminhada até o Palácio da Liberdade, e o Governo não poderá ignorá-los", disse Durval Ângelo.

Quilombolas lutam pelo acesso à terra

Diante da Câmara Municipal de Montes Claros, um numeroso grupo de quilombolas aguardava a chegada dos deputados apresentando números folclóricos inspirados no bumba-meu-boi, mas com alegorias que representavam outros animais: tamanduá, onça, anta, pato, etc. Com o apoio de representantes da Pastoral da Terra, de dirigentes do Movimento dos Sem-Terra e da Organização para Libertação dos Sem-Terra, e a presença de antropólogos do Ministério do Desenvolvimento Social e da Unimontes, os remanescentes dos quilombos do Norte de Minas se queixaram da falta de acesso à terra, e dos conflitos fundiários que enfrentam nas comunidades de Brejo dos Crioulos, Brejo Grande e Gorutuba, e nas fazendas Primavera e Bonanza, que invadiram em busca de terras para plantar.

O mandato de reintegração de posse da Fazenda Bonanza foi expedido para ser cumprido na próxima segunda-feira (14/6). Os quilombolas se queixaram de que, quando são agredidos, mortos e expulsos, a Polícia sequer comparece para fazer boletim. Quando invadem uma terra ociosa, horas depois os fazendeiros acionam as autoridades. O deputado Durval Ângelo se comprometeu a ligar para o juiz e tentar adiar o cumprimento da sentença.

"A dívida que a sociedade brasileira tem para com os negros tem que ser paga", declarou o deputado Rogério Correia (PT). Correia sugeriu que a Comissão convide a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, para que se posicione em favor do direito assegurado aos descendentes de escravos africanos pela Constituição Federal.

Presenças: Deputado Durval Ângelo (PT), presidente; deputados Jésus Lima e Rogério Correia, ambos do PT.

 

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