Comissão Especial debate o pacto federativo e a gestão
ambiental
A necessidade de fortalecimento e capacitação dos
municípios - para que atuem mais efetivamente nas questões
ambientais - e a apresentação de exemplos bem sucedidos ou
inovadores de gestão nessa área marcaram nesta quarta-feira
(24/5/06) a quinta reunião ordinária da Comissão Especial sobre
Governança Ambiental, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A
comissão busca, no prazo de 60 dias, estudar as medidas necessárias
para ajustar as exigências ambientais ao desenvolvimento do setor
produtivo no Estado.
Na reunião requerida pelo deputado Paulo Piau
(PPS), que preside a comissão, foi discutido o tema "Pacto
Federativo e a Gestão Ambiental", e os sub-temas "Descentralização e
o processo de Governança Ambiental" e "O Município na Gestão
Ambiental". O ex-prefeito de Rio Claro (SP), professor Cláudio
Antônio de Mauro, que presidiu por seis anos o Comitê das Bacias
Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, defendeu a
estruturação dos municípios, com criação de conselhos e fundos
municipais de meio ambiente, e a consolidação de leis municipais,
para fazer frente à descentralização de ações como o licenciamento
ambiental.
Mesmo reconhecendo que a descentralização pode
significar transferência de poderes para alguns grupos, o professor
avalia que ela fortalece a democracia. "Está em fase de implantação
no Brasil o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama)", enfatizou
Cláudio de Mauro, acrescentando que o Ministério do Meio Ambiente já
está arrematando o projeto que prevê recursos para a capacitação de
técnicos nos municípios, visando à gestão ambiental. "Os municípios
têm apenas entre 13% e 14% do bolo arrecadatório e nem sempre têm
capacidade para treinar pessoal. Mas eles também podem se associar,
em consórcios, por exemplo, criando uma competência técnica
regional", salientou.
Para o especialista, o Estado às vezes abafa a
possibilidade de o município oferecer licenças ou outorgas nos casos
em que o impacto do empreendimento é local. "Existe até a falácia de
que seria necessário assinatura de convênio para isso", acrescentou.
Mas, segundo ele, os municípios podem se valer das licenças e da
fiscalização até para arrecadar recursos, que podem compor, por
exemplo, um fundo para a área ambiental. O professor relatou que,
durante sua experiência como prefeito em Rio Claro, a cidade criou
até mesmo um código das águas - um bem natural gerido pela União.
"Temos leis sobre leis, sem muita clareza. Mas o que as indústrias
querem é uma norma mais clara, para que elas possam fazer seus
planejamentos", afirmou.
Cláudio de Mauro indicou ainda a construção de
planos regionais, com a possibilidade de adequação de normas gerais
a situações específicas de cada região. "Os municípios terão que
elaborar agora seu Plano Diretor e essa é uma oportunidade para
discussão do problema", concluiu.
Montes Claros cria sistema de incentivo ao
produtor
O Ecocrédito, criado para incentivar o produtor a
preservar, dentro de sua propriedade, áreas de relevante interesse
para o município, foi a solução encontrada por Montes Claros -
cidade com 340 mil habitantes no Norte de Minas - para tentar
reverter a imensa depredação e a escassez crescente de recursos
hídricos na cidade. O secretário de Meio Ambiente de Montes Claros,
Paulo Ribeiro, argumentou que tudo o que traz impacto para o
município deve ser também de sua responsabilidade e que é preciso
superar o maniqueísmo que rege as relações entre os órgãos
ambientais e os produtores.
De acordo com as regras do Ecocrédito, o produtor
recebe cerca de R$ 110 ao ano por hectare preservado (de acordo com
critérios de relevância definidos pelo município). Esse valor,
porém, é usado para abater débitos ou pagar tributos e serviços à
Prefeitura. "Em 2005, emitimos R$ 20 milhões em guias só de IPTU e
arrecadamos R$ 6 milhões. O Ecocrédito cria uma moeda com dinheiro
podre para a recuperação ambiental", define o secretário. A parceria
prevê ainda o reflorestamento de áreas pelo produtor, com espécies
nativas doadas pelo município. Os contratos duram, no mínimo, cinco
anos.
Ribeiro admite que foi preciso reformular o Código
Tributário de Montes Claros, mas argumenta que todos os envolvidos
saem ganhando. As projeções são de criação, até 2009, de 600 áreas
verdes de 50 mil m² cada uma, com investimento de apenas R$ 330 mil,
grande parte com recuperação de receitas. "Isso cria um modelo de
desenvolvimento em bases sustentáveis, melhora a oferta hídrica e
cria possibilidade de novos negócios, como o ecoturismo, até para o
produtor, sem falar da conscientização", argumenta o secretário.
Segundo Ribeiro, o programa pode ser aplicado
também nos níveis estadual e federal, para recuperação de dívidas ou
a partir de isenções no Imposto de Renda, como existe hoje para a
área de cultura.
Uberaba aposta na organização da gestão
ambiental
A criação de um Sistema Municipal de Meio Ambiente,
envolvendo as secretarias e o Conselho Municipal (Comam), com
câmaras técnicas em várias áreas e até um Comam mirim, foi a aposta
de Uberaba, no Triângulo Mineiro, apresentada pelo secretário de
Meio Ambiente, Ricardo Lima. Segundo ele, o modelo se apoia na
informação, disponível para toda a sociedade. E foi construído
também a partir de uma paridade muito própria, em três níveis:
ambientalistas, com interesse na preservação; produtores, com
interesse também na produção; e poder público. "Na descentralização,
não tem que ser sempre meio a meio", reforçou.
O diálogo com o setor produtivo, de acordo com o
secretário, também tem sido priorizado. De acordo com Ricardo Lima,
recentemente, o setor sucroalcooleiro reivindicou o aumento da área
plantada. O município, por sua vez, pediu o aumento da reserva
legal, a destinação de 30% a 40% da área para plantio orgânico, o
controle mais rígido das queimadas e até a criação, nas usinas, de
sistemas que permitam processar soja, para produção de biodiesel e
H-bio, beneficiando outras culturas da região. "Compramos um
programa com mapas de satélite, para monitoramento de todo o
município", completou o secretário.
Representantes de entidades participam de debate
Durante os debates, o superintendente dos
sindicatos do açúcar e do álcool de Minas Gerais
(Sindaçúcar/Siamig), Luciano Rogério de Castro, acrescentou que, em
um cenário pessimista, o setor terá que dobrar sua área plantada no
País, no prazo de dez anos, com grande impacto em Minas Gerais, em
função da logística e do esgotamento de áreas em outros estados. Por
isso, segundo ele, é grande a necessidade de disciplinar melhor a
questão ambiental, no tocante, sobretudo, aos recursos hídricos. Ele
citou ainda o compromisso feiro com o Instituto Estadual de
Florestas (IEF) para rotação de cultura e restauração das
veredas.
A assessora jurídica da Associação Mineira de
Defesa do Ambiente (Amda), Cristina Kistemann, ponderou que a
descentralização requer condições das prefeituras para a gestão
ambiental. Segundo ela, a Amda recebe denúncias freqüentes de que
interesses políticos interferem em licenciamentos feitos nos
municípios. "A prioridade nos municípios é educação e saúde.
Dificilmente, o meio ambiente terá atenção como gostaríamos",
lembrou. E o assessor de meio ambiente da Federação da Agricultura
(Faemg), Carlos Alberto Oliveira, também opinou que as divergências
na legislação ambiental e a fraca fiscalização em Minas geram um
modelo "capenga".
Já o gerente de meio ambiente da Fiemg, Wagner
Soares Costa, salientou que as leis ambientais são inflexíveis,
genéricas e feitas para grandes empresas, o que dificulta a relação
no nível municipal. E o assessor sindical da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura (Fetaemg), Eduardo Nascimento, opinou
que a discussão do pacto federativo não tem sentido com o
pressuposto de que os prefeitos são corruptos. "Não há um
determinismo. A corrupção se instala onde acha espaço. E muitas
vezes o município não se estrutura porque não tem dinheiro",
concluiu.
O deputado Paulo Piau, que presidiu a reunião,
lembrou que a meta é justamente buscar o desenvolvimento
sustentável, com harmonia entre os interesses do setor produtivo e
dos órgãos ambientais. Segundo ele, não basta a lei, o controle, a
fiscalização. É preciso também ter no produtor um parceiro e
compatibilizar o escopo jurídico existente.
Presenças - Deputados Paulo
Piau (PPS), Doutor Ronaldo (PDT) e Carlos Gomes (PT). Além das
autoridades citadas, a mesa foi composta pelo presidente do Conselho
de Meio Ambiente da Federação das Indústrias (Fiemg), Vítor Feitosa,
e pelo assessor da Presidência da V&M, Guilherme Dias de
Freitas. Várias instituições também estavam representadas na
reunião, entre elas a Copasa, Associação Mineira de Silvicultura,
Secretaria de Estado da Agricultura, Igam, Universidade de Lavras,
entidades que congregam engenheiros sanitários e engenheiros
florestais, além de empresas e sindicatos do setor produtivo.
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