Evento discute tratamento e reinserção social do dependente
Com a apresentação do coral de 30 crianças do
Projeto "Artistas da Paz", parceria da Polícia Militar com as
Fundações Guimarães Rosa e Cruz de Malta, a Assembléia Legislativa
de Minas Gerais deu continuidade, na tarde desta quinta-feira
(11/5/06), ao Ciclo de Debates "Na Luta contra as Drogas". Ao
comentar o tema "Política de atenção - tratamento e reinserção
social do dependente químico", o presidente do Conselho Estadual
Antidrogas, Aloísio Andrade, enfatizou que não cabe filosofar sobre
o problema, mas oferecer alternativas. Na avaliação dele, a
abordagem psicológica e psiquiátrica não basta, pois há casos em que
é preciso também tratamento médico e medicamentoso.
Afirmando que o Executivo se mantém omisso há anos,
com um financiamento "tímido e precário" e iniciativas isoladas,
Andrade comemorou o anúncio de que decreto governamental determinou
a criação de um grupo para definir a política estadual de prevenção
ao uso de drogas. Ele elogiou o fato de que tanto o Conselho quanto
a Subsecretaria Antidrogas da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social e Esportes (Sedese) deverão mudar sua
nomenclatura para instâncias "de políticas públicas sobre drogas".
Apesar das ações positivas do Executivo, Andrade opinou que é
preciso avançar. "Não basta uma secretaria ter empenho; precisamos
do envolvimento de todos os níveis de governo", disse, com destaque
para o financiamento.
Na avaliação do presidente do conselho estadual, a
política de atenção ao dependente deve levar em conta dois aspectos
essenciais: que o homem usa drogas em busca da felicidade e de
sentido para a vida; e que ele também precisa sobreviver, com o
atendimento das necessidades de alimento e moradia, por exemplo. As
políticas públicas também devem, segundo o psiquiatra, atentar para
os valores éticos, morais e espirituais.
Crítica ao simplismo -
Suas palavras complementaram a fala da especialista em
drogodependência e referência técnica de álcool e drogas na
Coordenação Estadual de Saúde Mental, Raquel Martins Pinheiro, para
quem a política pública focada no dependente deve ser integral,
envolvendo aspectos como prevenção, tratamento e integração social.
"Ela deve combater a intolerância e o estigma; não deve ser
'antidrogas' ou 'antialcóolica', nem reducionista ou repressora",
enfatizou.
Dificuldades para usuários e dependentes começam no
posto de saúde
Raquel Pinheiro revelou os problemas que o usuário
e o dependente químico enfrentam. Um deles é a dificuldade de
atendimento nos serviços de saúde disponíveis, já que vários dos 853
municípios mineiros, por serem pequenos, não comportam centros
estruturados. No interior, não há profissionais de nível superior
para receber o usuário e aqueles não se sentem qualificados para
prestar a assistência adequada. A especialista lembrou, ainda, que
seria necessária uma detecção precoce dos casos nos serviços de
atenção primária, como postos de saúde e Programa de Saúde da
Família (PSF).
Outro problema é a dificuldade de inserção social
dos dependentes, marginalizados por terem feito uso da droga ou por
terem passado por um tratamento. Na avaliação de Aloísio Andrade, o
governo estadual e a iniciativa privada teriam condições de absorver
essa mão-de-obra. Um outro desafio, completa o psiquiatra, é ampliar
os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que precisam ter a
sobrevivência viabilizada. Esses centros, explicou Raquel Pinheiro,
são serviços ambulatoriais de atenção diária, responsáveis por
organizar as demandas da rede básica e atuarem como reguladores da
"porta de entrada" da rede assistencial. Sua instalação depende da
demanda do gestor local, ou seja, do prefeito e do secretário de
saúde, que a encaminham ao Ministério da Saúde.
Comunidades terapêuticas revelam seu
trabalho
O presidente da Federação de Comunidades
Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb), pastor Vânio de
Oliveira, disse que o trabalho desses estabelecimentos é focado na
disciplina, liberdade e espiritualidade. Explicitando esse conceito,
ele informou que, nas comunidades, não há cadeados ou chaves e que,
quando retornam às casas, os dependentes acabam mudando também a
vida da própria família. Afirmando que as comunidades terapêuticas
precisam do apoio do Estado, Oliveira apontou que, ainda hoje, não
existe um conjunto de ações na área da drogodependência. Segundo
ele, muitas vezes esses estabelecimentos recebem pessoas que
deveriam ter passado, antes, por uma triagem num serviço de saúde.
Atualmente há 300 comunidades terapêuticas em Belo
Horizonte, informou o representante da Feteb, que abrigam cerca de
30 internos cada. Segundo conceito federal, as comunidades são
estabelecimentos assistenciais de prestação de serviços de saúde aos
dependentes em regime residencial, tendo como principal instrumento
terapêutico a convivência entre os pares. A recuperação engloba o
resgate da cidadania plena, com base no fundamento cristão dos
apóstolos. Geralmente, o tempo de permanência é de seis
meses.
Crianças do aglomerado Morro das Pedras são
destaque no ciclo de debates
Trinta crianças do aglomerado Morro das Pedras
emocionaram os participantes do ciclo de debates ao cantarem músicas
como "Do seu lado", de Nando Reis, interpretada pelo grupo Jota
Quest; "O trenzinho corre", do cancioneiro infantil, de autor
desconhecido, e "Nos bailes da vida", de Milton Nascimento e Wagner
Tiso. Elas são "Artistas da Paz", nome de projeto desenvolvido no
aglomerado em parceria da PM com as Fundações Guimarães Rosa e Cruz
de Malta. O coral e os músicos foram acompanhados pela banda da
PM.
Com o slogan "Segurança e cidadania também se fazem
com música", o projeto beneficia 160 crianças, jovens e adultos, que
recebem aulas de música. Para o capitão Alberto Luiz, que apresentou
o projeto, iniciativas como essa demonstram que, para conter o
avanço da criminalidade, são necessárias medidas preventivas, em
parceria com as comunidades onde a PM atua. O mascote do projeto "PM
Amigo Legal" também foi levado ao Plenário, onde as crianças e a
banda cantaram a música-tema da iniciativa. O regente foi o sargento
Adriano Lopes.
Juiz e delegados sugerem ações para combater o
narcotráfico
No último painel do Ciclo de Debates "Luta contra
as drogas", intitulado "Combate ao narcotráfico", o juiz de direito
da 3ª Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, José Eustáquio Lucas
Pereira, abordou aspectos a serem aperfeiçoados para que esse
combate tenha maior êxito. Para ele, falta uma política eficiente de
segurança pública, tanto que as grandes apreensões de drogas ocorrem
mais por denúncias de concorrentes no tráfico do que por competência
das polícias. O Poder Judiciário, outra peça importante no combate,
deveria agilizar os processos cautelares, necessários para quebras
de sigilo telefônico, buscas e apreensões, visando a tomada de bens
dos traficantes.
Por último, o juiz José Lucas Pereira defendeu a
responsabilidade partilhada de todos os entes do poder público no
combate às drogas, adotando as seguintes medidas: melhor
aparelhamento das polícias, com treinamento constante; retirar da
Polícia Civil a responsabilidade pela guarda de presos; incumbir
todos os agentes do Estado, além dos policiais, da fiscalização do
tráfico; estruturação da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes, de modo
a permitir que ela atue em todo o Estado e não só na Grande BH, como
tem ocorrido; maior investimento no tratamento de dependentes
químicos; além de uma série de ações nos aglomerados de Belo
Horizonte.
Aglomerados - Entre as
ações nos aglomerados estão: a instalação de companhias da Polícia
Militar; abertura de ruas, acabando-se com becos e vielas; criação
de Centros de Referência do Cidadão; melhorar ambiente visual, com
investimentos em espaços de lazer; instalação de câmeras de vídeo
blindadas, como no hipercentro; investimento no Programa de Educação
e Resistência às Drogas (Proerd)
Mesmo com efetivo menor, Divisão de Tóxicos amplia
atuação
O delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes,
Márcio Siqueira, falou do trabalho à frente da unidade. Ele afirmou
que, apesar das demandas terem aumentado, o número de policiais da
divisão diminuiu de 98 em 2001 para apenas 76 em 2006. Ele confirmou
o aumento da demanda, comparando o histórico do número de
apreensões, entre 2001 e 2006. Foram apreendidos até maio deste ano
2.459 kg de maconha, ao passo que em 2001 foram 1.254 kg. De
cocaína, houve apreensão de 24,1 kg naquele ano e 28,1 kg em 2006.
Só o número de armas de fogo é que foi reduzido: 106 em 2001 e 56 no
ano atual.
Mesmo com dificuldades de toda ordem (pessoal,
infra-estrutura, guarda de presos, precariedade de equipamentos e
frota etc), Márcio Siqueira destacou que medidas de reestruturação
adotadas na sua gestão, a partir de setembro de 2004, surtiram
efeito. Tanto que foi possível promover o estouro dos dois maiores
laboratórios de refino de cocaína já efetuado no País. Outro feito
foi a maior apreensão de maconha em Minas Gerais: duas toneladas
escondidas em 25 toneladas de farinha.
Legislação - O
ex-presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) e
ex-delegado Luiz Matias Flach, comentou a atual legislação sobre
drogas no Brasil. De acordo com ele, o País é regido nessa área por
leis ultrapassadas - a Lei Federal 6.368, de 1976, com acréscimos da
Lei 10.409, de 2002. As duas teriam forte conteúdo emocional e
moralista, adotando punições severas demais para quem não merece
tanto e sendo complacente com quem precisaria de endurecer. "A lei
atual penaliza com o mesmo rigor o traficante profissional e um
garoto apanhado com um cigarro de maconha", avaliou. Isso fica
patente ao se observar números do último Censo Penitenciário
Brasileiro, feito em 1997: de 3.985 mulheres presas, 1.667 cumprem
pena como traficantes, quando na verdade são apenas "mulas" do
tráfico, miseráveis.
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