Audiência recomenda efetivação da rede de assistência
psiquiátrica
A necessidade de se efetivar a mudança integral da
assistência substitutiva para pacientes de saúde mental, com a
implantação da rede completa de atendimento antes da desativação dos
hospitais psiquiátricos, foi a conclusão a que chegaram os
participantes da audiência pública realizada nesta quarta-feira
(3/5/06) pela Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais. A reunião discutiu a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS)
na área psiquiátrica, em especial o descredenciamento de hospitais
no Estado. Todos recomendaram a implantação da rede, que é composta
por ambulatórios, Centros de Atenção Psicossocial (Caps),
residências terapêuticas e hospitais gerais.
O que motivou o deputado Carlos Pimenta (PDT) a
pedir a reunião foram os casos específicos dos hospitais
psiquiátricos de Alfenas, no Sul de Minas, e do Prontomente de
Montes Claros, o último em processo de descredenciamento pelo
Ministério da Saúde. Carlos Pimenta destacou a importância do
estabelecimento de Montes Claros, que atende toda a região Norte,
Vales do Jequitinhonha e Mucuri, além do Sul da Bahia, num raio de
atuação de cerca de 3 milhões de pessoas. De acordo com o deputado,
não houve um descredenciamento planificado, como definiu o
representante do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel, "mas uma
eutanásia, uma morte planejada do hospital".
O deputado enfatizou que é a favor da nova
filosofia do atendimento psiquiátrico, que prevê a substituição do
modelo de internação por atendimento não segregativo, mas que é
preciso implantar a rede completa antes da desativação dos leitos
psiquiátricos. "Afinal, o Caps de Montes Claros funciona de segunda
a sexta-feira, das 8 às 16 horas. E se o paciente tiver surtos fora
desse horário ou desses dias, como fica?", questionou. O diretor
clínico do Prontomente, Renato Miranda, expôs a situação do
hospital, que passou por avaliações a partir de 2001, culminando com
a decisão de descredenciá-lo em 2004. Nesse período o hospital
decidiu não atender mais pelo SUS, mas foi impedido por uma ação do
Ministério Público. Hoje o hospital ainda mantém 60 pacientes pelo
SUS.
Renato Miranda, que está à frente do Prontomente há
35 anos, disse que todo o processo foi muito agressivo, cheio de
ingerências políticas e com um desgaste muito grande com o gestor de
saúde da cidade. Ele enfatizou que não estava pedindo o
recredenciamento do hospital, mas classificou o cronograma de
recuperação dado pelo SUS ao hospital de "tristonho". E contestou as
informações de que a rede funciona de forma coordenada entre as
esferas federal, estadual e municipal. "Há nítido predomínio
municipal com toda a carga política desse fato", disse.
Mudanças estão propostas em leis e são anseio dos
próprios usuários
A mudança do atendimento psiquiátrico começou a ser
definida com a criação do SUS e, em 2001, com a Conferência Nacional
de Saúde, ficou definida como política pública para o setor a ênfase
no atendimento substituto dos manicômios, num movimento nacional que
ficou conhecido como luta antimanicomial. O novo modelo baseia-se na
atenção por uma rede composta por ambulatórios, casas terapêuticas,
leitos de hospital geral, centros de atendimento e no programa "De
volta para casa", que concede uma bolsa financeira para os pacientes
retornarem aos lares e desenvolverem atividades normais. A polêmica
está nos Caps que, segundo queixas, não têm condições de atender às
emergências. O exemplo é a rede de Montes Claros, que só conta com
um Caps de nível 2, ou seja, aquele que não funciona em tempo
integral e, mesmo assim, está em reforma, segundo o deputado Carlos
Pimenta.
Segundo dados do coordenador da área técnica do
Ministério da Saúde, Pedro Gabriel, já são cerca de 820 Caps em todo
o País e 470 residências terapêuticas, "mas não resolvemos o
problema da cobertura, que precisa ser expandida nos Estados". Em
Minas, existem 97 centros em funcionamento, 36 residências com 242
moradores e 10 municípios cadastrados no programa "De volta para
casa". Há 21 hospitais psiquiátricos, e o Estado ocupa o 8º lugar em
cobertura da rede substitutiva.
De acordo com a coordenadora de Saúde Mental da
Secretaria de Estado da Saúde, Marta Elizabeth de Souza, o
descredenciamento do Prontomente de Montes Claros obedeceu a um
cronograma que incluiu processo de avaliação em que o hospital teve
baixo desempenho. E que o processo não ocorre de uma hora para
outra, sendo dado prazo para que o hospital se reestruture. Segundo
Marta de Souza, há mais três hospitais que podem ser
descredenciados, dependendo dos resultados da avaliação feita pela
equipe composta pelo Ministério da Saúde, Secretarias estadual e
municipal e Conselho Municipal de Saúde. Ela disse que a última ação
na área foi a promessa da Prefeitura de Montes Claros de mudar o
atendimento do Prontomente pela rede substitutiva. E que no Norte de
Minas há 67 projetos de credenciamento de Caps.
Rede deve passar por ajuste constante
O financiamento do sistema foi lembrado pelo
diretor da Associação Mineira de Psiquiatria, Hélio Lauar, que
destacou ser impossível a um hospital atender às exigências do SUS
com um repasse de R$ 0,35 por paciente/dia. "Não aceitamos a
política de desvestir um santo para vestir outro", afirmou,
referindo-se às mudanças no atendimento. Também o psiquiatra Eduardo
Lopes Tavares, do Conselho Regional de Medicina, defendeu a
implantação completa da rede primeiro, para depois desativar os
hospitais psiquiátricos, e manifestou sua preocupação com o
reconhecimento, pelo Ministério da Saúde, de que a cobertura é
insuficiente. Para ele, além da fiscalização dos hospitais é preciso
fiscalizar também os Caps.
Sofrimento - O
representante da Associação dos Usuários de Saúde Mental, Daniel
Silva, relatou o sofrimento que é a assistência em manicômios,
lembrando os banhos gelados de madrugada durante os surtos. Ele
garantiu que os pacientes e familiares estão satisfeitos com os Caps
e garantiu que, se o atendimento nos Caps ainda é insuficiente, "nos
manicômios é tortura".
O deputado Doutor Ronaldo (PDT) disse que ainda há
muito a aprender, enquanto o presidente da comissão, deputado Adelmo
Carneiro Leão (PT), destacou que a discussão deve prosseguir e que
todas as mudanças devem ser acompanhadas pelos conselhos municipais
e pelo Legislativo. "Se for necessário a comissão vai a Montes
Claros, para verificar o caso exclusivo do Prontomente e do
atendimento na região", garantiu. Pedro Gabriel, do Ministério da
Saúde, disse que o sistema precisa de ajustes e que, em relação aos
recursos financeiros, o ministério está reajustando vários
procedimentos.
Requerimentos - Foram
aprovados dois requerimentos do deputado Carlos Pimenta: a
realização de audiência pública para ouvir o reitor da Unimontes,
professor Paulo César Almeida, sobre a situação do hospital
universitário de Montes Claros; e envio de congratulações ao mesmo
reitor, pela inauguração da ala de vestiários daquele
hospital.
Presenças - Deputados
Adelmo Carneiro Leão (PT), presidente; Carlos Pimenta (PDT), vice;
Doutor Ronaldo (PDT). Além dos convidados citados, participaram
ainda representantes da Secretaria Municipal de Saúde de Belo
Horizonte, da Associação Mineira de Psiquiatria e da Associação
Mineira de Hospitais.
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