Produtores rurais do Jequitinhonha resistem à reserva
biológica
Centenas de produtores rurais do Jequitinhonha
protestaram, diante dos deputados da Comissão do Meio Ambiente e
Recursos Naturais da Assembléia, contra a criação da Reserva
Biológica da Mata Escura, durante audiência pública realizada nesta
terça-feira (18/4/06), em Jequitinhonha, a 677 km de Belo Horizonte.
Com faixas, panfletos, discursos veementes e depoimentos
emocionados, os atingidos pediram a revogação do decreto
presidencial de 2003 que interdita 51 mil hectares à presença
humana, e deve implicar na remoção de centenas de famílias. Pelos
cálculos do Ibama, seriam 200 famílias. Pelas contas do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais, seriam 750.
"O decreto do presidente trouxe insônia e pressão
para quem sobrevive dentro da área. Reforma agrária e preservação do
ambiente têm que caminhar juntas, e não uma contra a outra. Do jeito
que está, umas 3,5 mil pessoas serão jogadas na rua, na fome, na
miséria, nas drogas", disse Valdete Sirqueira dos Santos, presidente
do STR de Jequitinhonha. "Não é possível fazer uma preservação tão
radical assim. Precisamos encontrar um meio termo, preservando, mas
permitindo a sobrevivência de tantas famílias que trabalham na Mata
Escura. Preferimos a fórmula do Parque Florestal", posicionou-se o
prefeito de Jequitinhonha, Roberto Botelho, preocupado com a
possibilidade de inchaço da periferia de sua cidade, e com o tamanho
da fila dos reassentamentos agrários, caso a reserva seja
implantada.
"É preciso um olhar generoso e profundo para as
questões culturais dessa população. Outrora, os botocudos foram
dizimados ou expulsos. A história se repete. Querem fazer o mesmo
com as pessoas que moram ali, tanto os brancos como os quilombolas",
acrescentou Frei Pedro José de Assis, da paróquia local.
Quilombolas se recusam a sair
A questão dos remanescentes quilombolas é outro
assunto que exige tratamento especial na criação da Reserva
Biológica. Seu núcleo habitacional fica fora dos limites, mas tem
pelo menos 15 famílias morando dispersas dentro da área da reserva.
Esse tema provocou uma divergência entre dois órgãos públicos
federais presentes à audiência: o Incra e o Ibama. Enquanto o chefe
da Reserva Biológica da Mata Escura, Waldomiro de Paula Lopes,
defendia que a legislação permite a criação da reserva por decreto,
sem ser precedida de audiência pública, o representante do Incra,
Nilton Alves de Oliveira, defendeu os direitos dos quilombolas.
"Eles vivem ali há séculos em perfeita harmonia com o meio ambiente,
e não podem ser expulsos de maneira arbitrária. Os critérios para
demarcação dos quilombos são antropológicos. Incluem não só suas
casas e suas plantações, como também seus cemitérios e locais
importantes para sua cultura", disse Oliveira.
Para o representante do Quilombo Mumbuca, João da
Cruz Souza, a polêmica não é necessária: "Vamos resistir na nossa
terra. Quilombola não é como qualquer trabalhador rural. A gente não
sai para não se descaracterizar", avisou. Aos clamores dos
trabalhadores rurais juntaram-se os dos médios e grandes produtores,
e também de herdeiros de terras na área, numa aliança incomum entre
classes tradicionalmente antagônicas. Muitos desses fazendeiros têm
pequena parte de suas terras regularizadas, e só sobre elas caberia
indenização. Pela legislação, posseiros são indenizados apenas por
suas benfeitorias.
Raridades da fauna podem trazer recursos
internacionais
Waldomiro Lopes acredita que seja possível negociar
indenizações melhores, e também acena com a possibilidade de
Jequitinhonha vir a receber recursos internacionais de fundos de
preservação da fauna, por causa das espécies raras de animais que
vivem na Mata Escura. A reserva biológica está em vias de receber
recursos da Usina Hidrelétrica de Itapebi, a título de compensação
ambiental. Esses recursos podem chegar a R$ 5 milhões, já que
correspondem a meio por cento do custo do empreendimento.
Dentre os animais mais raros entre as 42 espécies
de mamíferos e 163 de aves existentes na Mata Escura, estão três
macacos: o muriqui, o macaco-prego-do-peito-amarelo, e o
sagüi-de-Wied, este último exclusivo do Jequitinhonha. Relacionam-se
também a jaritataca, tabu-bola, tamanduá- bandeira, lobo-guará,
onça-pintada, o bugio vermelho, a águia-chilena, o
gavião-de-penacho, o gavião-pombo, a perdiz, o inhambu-chororó.
Entre as madeiras, estão o cedro, a pindaíba, a bicuíba, a sapucaia,
o indaiá, o angico, o pau d'arco roxo, o tamburil, o pau d'óleo, a
peroba, o morototó. "A maior riqueza que a Mata Escura tem,
entretanto, é a água. São 40 córregos perenes que formam os
mananciais de abastecimento do município de Jequitinhonha", atesta
Waldomiro Lopes, do Ibama.
Deputados querem negociação entre as partes
As intervenções dos deputados se deram no sentido
de promover uma negociação que possa contentar os atingidos, mas sem
perder de vista o objetivo da comissão, que é a preservação do meio
ambiente. João Leite (PSDB) disse que faltou diálogo e negociação, e
criticou que o presidente Lula tenha assinado o decreto sem avaliar
a extensão dos interesses atingidos. Para ele, um decreto de criação
de reserva não tem o poder de revogar o decreto que cria os
assentamentos agrários Craúno, Paraterra e Brejão, que acolhem 221
famílias.
O deputado Márcio Kangussu (PPS), que está
licenciado para ocupar a Secretaria de Estado Extraordinária para
Assuntos de Reforma Agrária, pediu uma ação em favor dos atingidos.
Elogiou a coragem e a resistência dos produtores do Jequitinhonha, e
criticou o governo Federal por trazer intranqüilidade aos
jequitinhonhenses. Doutor Ronaldo (PDT) assegurou aos atingidos sua
solidariedade e os estimulou a fincar pé na terra: "Resistam, não
cedam. Conquistem o chão", aconselhou.
Laudelino Augusto (PT), presidente da Comissão, deu
andamento às reivindicações apresentadas na reunião, através de oito
requerimentos que colocou em votação e foram aprovados. Pediu ao
presidente Lula e à ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, que
revejam o decreto de criação da Reserva. Pediu um grupo de trabalho
na Casa Civil para fazer a revisão dos limites da Mata Escura. À
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Laudelino solicitou o
encaminhamento de ofício do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
atestando a inviabilidade da implantação da reserva, e o envio de
questionamentos apresentados pelo prefeito Roberto Botelho. O
deputado também pede a Marina Silva que a Comissão do Meio Ambiente
da Assembléia integre o Grupo de Trabalho de criação da Reserva. Por
sugestão do deputado João Leite, foi pedida também a inclusão da
Fetaemg no Grupo de Trabalho. Em outro requerimento, Laudelino
Augusto pede uma audiência com as ministras Marina Silva e Dilma
Roussef para discutir a questão da Mata Escura, e ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário a delimitação do Quilombo Mumbuca. Por fim,
pede uma audiência pública na Assembléia com o Grupo de Trabalho e
entidades responsáveis pela criação da reserva.
Presenças - Deputados
Laudelino Augusto (PT), presidente; Doutor Ronaldo (PDT),
vice-presidente; João Leite (PSDB); Márcio Kangussu, secretário de
Estado Extraordinário para Assuntos de Reforma Agrária; Roberto
Botelho, prefeito de Jequitinhonha; Carlos Novaes, prefeito de
Almenara; Ricardo Mendes Pinto, prefeito de Pedra Azul; Aldenir
Viana, representante do Iter; Valdete Sirqueira dos Santos,
presidente do STR Jequitinhonha; Maria das Graças Pinheiro,
representante da Fetaemg; Eduardo Nascimento, conselheiro do Copam;
Frei Pedro José de Assis; Nilton Alves de Oliveira, representante do
Incra; Waldomiro de Paula Lopes, chefe da Reserva Biológica da Mata
Escura do Ibama.
|