Audiência debate flexibilização da Lei de Crimes
Hediondos
A maioria do Conselho de Criminologia e Política
Criminal do Estado de Minas Gerais é favorável à flexibilização da
Lei de Crimes Hediondos, mas esse é um tema polêmico. Embora a
promoção de mudanças na Lei Federal 8.072, de 1990, que dispõe sobre
os chamados crimes hediondos, seja inevitável, em decorrência da
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou
inconstitucional a determinação de que os condenados cumpram toda a
pena em regime fechado, não há consenso sobre as alterações a serem
feitas na legislação. O assunto foi debatido nesta terça-feira
(18/4/06) em audiência pública da Comissão de Segurança Pública da
Assembléia Legislativa, com a presença de membros do Conselho de
Criminologia e Política Criminal. A iniciativa da reunião foi do
presidente da comissão, deputado Zé Maia (PSDB).
Na avaliação do presidente do conselho, Marcos
Afonso de Souza, a lei foi discutida e votada quando havia um clima
de comoção nacional, o que resultou num "emaranhado de contradições
e inconseqüências". "Hedionda é a lei", resumiu, dizendo que a
flexibilização é inevitável em função da decisão tomada pelo STF. Ao
listar impropriedades na lei, ele lembrou a inclusão de homicídio
qualificado como crime hediondo: "isso é chamado pelos juristas, em
tom de chacota, como Lei Glória Perez. Nem todo homicídio
qualificado pode ser considerado crime hediondo".
De acordo com Marcos Afonso, é uma inverdade dizer
que a flexibilização fará com que criminosos como Fernandinho Beira
Mar sejam colocados em liberdade. "Isso é mistificação; é média para
vender revista e jornal. Se um bandido tem várias condenações, se é
perigoso, jamais poderá ser beneficiado com a progressão da pena",
explicou. Segundo ele, o apoio do Conselho de Criminologia à
flexibilização acontece por concordância com a decisão do STF.
Outro argumento contestado por Marcos Afonso foi o
de que penas maiores inibem a criminalidade. "Se isso fosse verdade,
a criminalidade teria diminuído no Brasil desde que a Lei de Crimes
Hediondos entrou em vigor, há 16 anos. Não foi o que aconteceu",
analisou. Ao ponderar que a progressão da pena não é automática, mas
depende de análise do juiz, caso a caso, ele defendeu que, para os
crimes hediondos, o tempo mínimo de cumprimento da pena em regime
fechado, antes do direito à progressão, seja maior que a fração de
1/6, exigida para os crimes comuns.
Rapidez - O presidente do
Conselho Estadual Antidrogas e também membro do Conselho de
Criminologia, Aloísio Andrade de Freitas, também avaliou que a
revisão da Lei 8.072 é necessária. Na sua opinião, o que pode
determinar a recuperação de um criminoso não é o tamanho da pena,
mas a forma como é aplicada. Ele destacou, sobretudo, a importância
de haver rapidez na aplicação da pena, para se ter eficácia no
combate à criminalidade e evitar o sentimento de impunidade. Aloísio
Andrade criticou o fato de pequenos traficantes serem igualados aos
grandes criminosos do tráfico, o que leva à superlotação dos
presídios. "A maneira como a sociedade pune os criminosos é errada.
Às vezes, transformam-se criminosos eventuais em criminosos
permanentes", disse.
Psicopatias - Mas o
especialista não descartou a conveniência do cumprimento da pena em
regime fechado, em casos especiais, como os de psicopatas. "Não há
como mudar a personalidade de um psicopata. Mas o número deles no
sistema prisional é muito pequeno, diante do número de condenados
nas penitenciárias", ressaltou.
Conselheiro critica flexibilização
O contraponto às duas avaliações foi feito por
outro membro do Conselho de Criminologia, o juiz Antônio de Paula
Oliveira. Para ele, a flexibilização pode ser prejudicial à
sociedade, que já sofre com os elevados índices de criminalidade. "O
Estado tem que emitir sinais claros de que não há tolerância para
com o crime. Há infratores que são incorrigíveis, e, com relação a
essas pessoas, o Estado tem que ser severo", declarou, ao defender
que o autor de crime hediondo não deve ter o mesmo tratamento de um
criminoso comum. "Aos desiguais, tratamento desigual", afirmou.
Concordando que as mudanças na lei são inevitáveis,
Antônio de Paula defendeu o estabelecimento da exigência do
cumprimento de no mínimo um terço da pena estabelecida na sentença
em regime fechado, e criticou a substituição da prisão por pagamento
de cestas básicas para penas de até quatro anos. "Isso é um absurdo.
O Brasil virou o paraíso dos infratores", condenou.
Deputados mostram preocupação com
flexibilização
O autor do requerimento que deu origem à audiência
pública, deputado Zé Maia, destacou a importância de se ampliar o
debate sobre a flexibilização da Lei dos Crimes Hediondos, pois a
sociedade ainda não tem consciência sobre o assunto. Ele
manifestou-se preocupado, sobretudo, com a questão da progressão da
pena, com a possibilidade de criminosos perigosos ficarem pouco
tempo em regime fechado. O deputado defendeu a necessidade de que a
legislação mostre, claramente, que o crime não compensa. "Não
podemos ser complacentes com a impunidade; o prioritário é proteger
as pessoas de bem", avaliou.
A mesma preocupação foi compartilhada pelo deputado
Sargento Rodrigues (PDT). "Algumas autoridades têm uma visão mais
branda com relação à aplicação de penas; para elas o fundamental não
é punir, mas apenas ressocializar", disse. "O Brasil não tem pena de
morte, de trabalho forçado, de prisão perpétua. Mas delitos mais
graves têm que ter resposta mais severa por parte do Estado",
ponderou. "A pena tem que ser célere, severa e certa na sua
aplicação", finalizou.
Já o deputado Antônio Júlio (PMDB), também membro
efetivo da Comissão de Segurança Pública, lembrou que o problema do
estabelecimento das penas não está na alçada apenas dos juízes, mas
tem a ver com o início do processo, que é a investigação policial.
Para ele, muitas vezes o processo começa errado na delegacia, onde o
crime é considerado qualificado ou não, o que limita a ação do
Judiciário.
O que diz a Lei de Crimes Hediondos
A Lei Federal 8.072, de 1990, considera hediondos
os crimes de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão
mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado
violento ao pudor, epidemia com resultado de morte, envenenamento de
água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado
pela morte, e de genocídio, tentados ou consumados. A lei prevê
também que os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são
insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade
provisória; e que a pena por estes crimes será cumprida
integralmente em regime fechado.
A lei altera também diversos dispositivos do Código
Penal, aumentando as penas previstas para vários tipos de crimes.
Para roubo com lesão corporal grave, a pena de reclusão passou a ser
de 5 a 15 anos; para roubo seguido de morte, 20 a 30 anos. Para
extorsão mediante seqüestro, 8 a 15 anos; no caso do seqüestro durar
mais de 24 horas ou a vítima for menor de 18 anos ou o crime
cometido por bando ou quadrilha, 12 a 20 anos; se do fato resulta
lesão corporal de natureza grave, 16 a 24 anos; e se resulta em
morte, 24 a 30 anos. Para crime de estupro ou atentado violento ao
pudor, 6 a 10 anos. Para crime de violência qualificada, 8 a 12
anos; e 12 a 25 anos para homicídio qualificado. Para crime de
epidemia ou de envenenamento de água ou substância alimentícia, 10 a
15 anos.
Presenças - Deputados Zé
Maia (PSDB), presidente da comissão; Antônio Júlio (PMDB), Sargento
Rodrigues (PDT) e Célio Moreira (PSDB).
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