Transporte de minério por crianças em Ouro Preto motiva audiência
Denúncias de que crianças estariam trabalhando no
transporte da rocha esteatita (conhecida como pedra-sabão ou minério
de talco), que seria vendida por atravessadores a mineradoras na
zona rural de Ouro Preto, região Central do Estado, foram a tônica
da audiência pública desta terça-feira (21/3/06) da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Representantes dos Ministérios Públicos Estadual e do Trabalho e dos
Ministérios do Trabalho e de Minas e Energia, entre outros órgãos,
além das empresas envolvidas e de mais de cem moradores, lotaram o
plenário da Câmara Municipal da cidade. O deputado Durval Ângelo,
presidente da comissão, e Rogério Correia, autor do requerimento
pela reunião, ambos do PT, participaram da audiência.
As denúncias foram publicadas em janeiro deste ano
pela revista do Instituto Observatório Social, entidade criada pela
CUT para estudar as cadeias produtivas das empresas e, entre outras
funções, monitorar a existência do trabalho infantil. Segundo o
supervisor de comunicação do Instituto, o jornalista Marques Casara,
que participou da reunião e responde pela apuração das denúncias, a
reportagem comprovou que crianças que moram no distrito de Mata dos
Palmitos estariam participando da coleta de rochas vendidas pelos
superficiários (donos de terras em que há minério) a empresas que
atuam na área, mesmo sem a autorização de lavra, que deve ser
concedida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do
Ministério de Minas e Energia.
O minério recolhido, por sua vez, seria processado
e vendido para grandes empresas multinacionais. "Esse não é um
problema isolado do interior de Ouro Preto, pois está inserido em um
processo produtivo que pode terminar em produtos de alta
tecnologia", alertou o jornalista. A pedido do deputado Durval
Ângelo, Marques Casara afirmou que vai encaminhar à Comissão de
Direitos Humanos todas as fotos tiradas para a reportagem, mesmo as
não publicadas. A revista também apresenta muitos depoimentos e
documentos, como notas fiscais.
Problemas de saúde - As
condições de saúde de cerca de 123 pessoas que moram em Mata dos
Palmitos, onde o artesanato da pedra-sabão é a principal atividade
geradora de renda há mais de cem anos, foram avaliadas em uma tese
de doutorado da professora adjunta da Escola de Nutrição da
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Olívia Maria de Paula
Alves Bezerra. A pesquisa foi feita em 1999 com moradores, incluindo
crianças a partir dos sete anos, e mostrou que pelo menos 16 pessoas
já tinham algum tipo de comprometimento dos pulmões. Olívia explicou
que as crianças trabalhavam tanto para aprender, quanto para
contribuir para a arrecadação da família.
Empresário nega envolvimento
Nelson Ribeiro Vaz, gerente da Minas Talco, uma das
duas empresas denunciadas pelo Instituto Observatório Social, negou
qualquer ligação com trabalho infantil e pediu prudência por parte
da imprensa ao tratar o caso. Ele afirmou que suas duas empresas, a
Minas Talco e a Minas Serpentinito, estão agindo na legalidade; e
que não pode ser responsabilizado se crianças estiverem trabalhando
para ajudar os superficiários que teriam invadido algumas áreas da
empresa e estariam vendendo rochas extraídas para empresas
clandestinas. Para ele, é preciso criar mecanismos para modernizar a
lavra e dar um destino apropriado para os materiais que não são
utilizados.
O representante do Ministério de Minas e Energia,
José Carlos do Vale, afirmou que a fiscalização do DNPM não
constatou a existência direta de trabalho infantil nas minas, o que
também foi dito pela consultora técnica do órgão, Margareth Pedrosa.
Segundo ela, porém, as vistoriais indicaram que há empresas
comprando minério lavrado ilegalmente (sem título autorizativo)
pelos superficiários, que, por falta de maquinário, recebem um preço
irrisório pelas rochas. O material é vendido para outras empresas,
para ser beneficiado e exportado. Segundo ela, o DNPM já autuou as
empresas que estariam sendo coniventes para se beneficiar através do
arrendamento e da conseqüente venda. O DNPM notificou os órgãos
públicos competentes sobre a ocorrência, como Ministério Público e
Polícia Federal.
A promotora de Justiça de Ouro Preto, Paula Ayres
de Lima, lembrou que a exploração ilegal de minério e até mesmo
carvão na região apresenta problemas de cunho não só ambiental, como
também social. A promotora disse que está apoiando a formação de uma
cooperativa para que os superficiários lutem pela cessão de 55
hectares da Mata dos Palmitos, que está sob exploração de empresas,
e trabalhem para legalizar a exploração do minério. José Eustáquio
Cardoso, presidente da Cooperativa dos Mineradores de Ouro Preto,
pediu o apoio de órgãos públicos e entidades.
Investigação das denúncias será minuciosa
De acordo com a procuradora do Trabalho, Adriana
Augusta Souza, do Ministério Público do Trabalho, as denúncias
contidas na reportagem do Instituto Observatório Social já estão
sendo investigadas minuciosamente e, se for constatado o
envolvimento direto ou indireto de trabalho infantil, os
responsáveis serão punidos. "Este é um problema social grave que
precisa ter a articulação dos órgãos públicos e da sociedade",
disse. Ela alertou para o fato de que o trabalho infantil, mesmo que
seja uma tradição secular, é crime e gerador de mais pobreza. "À
medida que as famílias negam o trabalho infantil, estão negando
ajuda a si mesmas e a seus filhos, perpetuando uma situação de
miséria", completou a técnica da Delegacia Regional do Trabalho,
Elvira Míriam Veloso de Mello Consendy.
O deputado Durval Ângelo afirmou que dará
continuidade aos trabalhos nas próximas reuniões e cobrou maior
controle, por parte das empresas, em relação ao trabalho infantil,
em qualquer etapa da produção. No fim da reunião, o deputado Rogério
Correia afirmou que o encontro foi muito produtivo e que é preciso
estudar formas de planejamento e controle do problema, com a
colaboração dos governos municipal, estadual e federal. Correia
destacou, ainda, que a proteção à infância está garantida no artigo
226 da Constituição da República.
Também participaram da reunião, entre outros, o
presidente da Câmara Municipal de Ouro Preto, vereador Wanderley
Rossi Júnior; o secretário municipal Vittorio Lanari Júnior; o
presidente da Associação dos Moradores de Mata dos Palmitos e
coordenador do PET, Lourival Amâncio da Costa; a auditora Fiscal do
Trabalho, Christiane Azevedo Barros; a subdelegada Regional do
Trabalho, Maria Isabel Dacall.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo e Rogério Correia, ambos do PT.
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