Comissão visita microdestilarias em Betim e Mateus
Leme
O Brasil produz 15 bilhões de litros de álcool
combustível por ano. Minas Gerais tem potencial para chegar a 14
bilhões, sem monocultura, sem grandes destilarias, numa atividade
integrada de auto-desenvolvimento que pode aumentar a produção de
leite e de carne tradicionais do Estado. Esta proposta foi
apresentada e demonstrada pelo produtor rural Marcello Guimarães
Mello para os deputados da Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial, durante visita a sua propriedade, a Fazenda Jardim,
no município de Mateus Leme, na tarde desta terça-feira (21/2/06).
Compareceram os deputados Padre João (PT), presidente, e Marlos
Fernandes (PPS), vice-presidente, além de representantes da
Secretaria da Agricultura, do INDI e da Ampaq.
Marcello Guimarães não é um simples produtor. Aos
68 anos, esse geólogo tem um currículo impressionante. Foi
presidente da Acesita Energética, superintendente de florestas da
Cia. Vale do Rio Doce, trabalhou em reflorestamento para o grupo
Andrade Gutierrez, presidiu o órgão que deu origem à Agência
Nacional do Petróleo e assessorou a Presidência da Cemig. Há 30 anos
persegue um ideal: o aperfeiçoamento de um modelo integrado de
produção para pequenas propriedades rurais em que os rejeitos de uma
atividade sejam insumos para outras, ao qual deu o nome de
autodesenvolvimento. Já publicou inúmeras obras divulgando esses
princípios.
Requisitos para o autodesenvolvimento
Para otimizar e integrar a produção, Guimarães
recomenda que o produtor tenha pelo menos três hectares de cana,
três hectares de floresta densa de eucaliptos, com 20 mil árvores
por hectare, e 50 bezerros para engorda ou vacas para a produção de
leite. Precisa também comprar uma moenda, uma pequena caldeira e um
alambique de cobre, ao custo de R$ 12 mil.
A cana deve ser moída inteira, com as folhas, com a
moenda regulada para extrair apenas 70% da garapa. Nas águas, o teor
de açúcar da cana é de 12 brix. Na seca, chega a 25. Esta é
fermentada em dornas e levada ao alambique para transformação em
cachaça. A cachaça que não for vendida deve ser levada à sede da
cooperativa, onde deve ser instalada, ao lado do tanque de
resfriamento, uma microdestilaria com coluna de destilação contínua,
com capacidade de produzir 400 litros de álcool por dia. Tais
equipamentos têm o custo mais elevado de R$ 60 mil. A cachaça
excedente é transformada em álcool combustível, que volta à fazenda
para movimentar máquinas e motores de veículos.
O bagaço da cana, ao qual é preciso acrescentar
apenas 30 gramas de uréia por cabeça, torna-se ração para o gado
durante a seca. O próprio vinhoto, que muitos consideram tóxico, é
servido como energético ao gado. "O vinhoto tem tantos nutrientes
minerais que, quando é lançado à água, favorece o crescimento das
algas, que por sua vez consomem todo o oxigênio, provocando a morte
dos peixes. Por isso surgiu a idéia de que é venenoso", explica o
estudioso.
As colunas de destilação contínua e as caldeiras
para o melhor aproveitamento da lenha foram exaustivamente
aperfeiçoadas pelo inventor, que está disposto a licenciar
serralherias para reproduzi-las sem cobrar royalties. "Minha
intenção é disseminar a tecnologia sem custo, para que os pequenos
produtores possam melhorar o desempenho de suas propriedades. Minas
produz 7 bilhões de litros de leite por ano em pequenas
propriedades. Meu cálculo é que, onde se produz um litro de leite,
pode-se produzir também dois litros de álcool, com ganhos para ambas
as atividades.
Álcool combustível ao custo de R$ 0,70
Quando os deputados questionaram se a pequena
produção de álcool não encareceria o produto, Guimarães assegurou
que produz álcool a um custo muito menor do que o das grandes
destilarias: "No máximo a R$ 0,70 o litro", afirmou. A tecnologia da
floresta densa também foi desenvolvida por ele. Além de fornecer
lenha no calibre ideal para as caldeiras após dois anos de
crescimento, o sistema economiza muitas capinas.
O estudioso coleciona decepções em suas tentativas
de vender a idéia ao Governo Federal. "Estão encantados com a
proposta do biodiesel, que se tornou prioritária para eles. A meu
ver, esses investimentos em dendê, pinhão-manso e outras culturas
vão acabar abandonados. O verdadeiro futuro energético para o Brasil
está na cana. Tudo o que se faz com petróleo, se faz mais
vantajosamente com álcool. O que é o petróleo? Carbono + hidrogênio
+ impurezas. O que é o álcool? Carbono + hidrogênio + oxigênio",
ensina.
Para reduzir a burocracia sobre a produção e o
transporte do álcool combustível, Marcelo Guimarães pesquisou a
legislação e descobriu um decreto-lei de 1981, assinado pelo
vice-presidente Aureliano Chaves e pelos ministros Camilo Penna,
Amaury Stábile, Arnaldo Barbalho e Mário Andreazza, concedendo
isenções para a venda de álcool de quem produz até 5 mil litros por
dia, em forma de cooperativa e que não tenha financiamento do
Pró-Alcool, e registro sumário no Instituto do Açúcar e do Álcool.
"Este decreto está em vigor. Nunca foi revogado", disse ele.
Deputado quer regulamentar lei de incentivo de sua
autoria
O deputado Padre João pediu a visita à Fazenda
Jardim e promoveu a ida de representantes do Instituto de
Desenvolvimento Industrial (Indi-MG), da Secretaria da Agricultura e
da Associação Mineira de Produtores de Aguardente de Qualidade
(Ampaq), com a finalidade de oferecer subsídios ao Governo Mineiro
para regulamentar a Lei 15.456/05, de sua autoria, que institui a
Política Estadual de Incentivo às Microdestilarias de Álcool e
Beneficiamento de Produtos Derivados da Cana-de-Açúcar.
"O método desenvolvido pelo Dr. Marcello vem de
encontro ao que necessitamos para melhorar as condições de
sobrevivência dos pequenos produtores rurais, não só na geração de
renda, mas principalmente por ser intensiva em mão-de-obra", disse o
deputado.
O deputado Marlos Fernandes aproveitou outra queixa
do fazendeiro para apresentar uma solicitação à Cemig de estudos
sobre a oferta de linhas trifásicas para o produtor rural. "A
energia monofásica é um entrave para a modernização das
propriedades", reclamou Marcello Guimarães.
Prática em assentamento mostra falta de
assistência
Um exemplo prático de como o projeto de produção de
álcool combustível pode funcionar de maneira insatisfatória, por
falta de assistência técnica, foi testemunhado pelos deputados, numa
visita realizada no mesmo dia ao assentamento Dom Orione, entre
Betim e Ibirité. Numa área de 226 hectares vivem 39 famílias de
agricultores desde 1997, parte delas ligadas ao Movimento dos Sem
Terra (MST) e a maioria vinculada à Federação dos Trabalhadores em
Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg).
Sete dessas famílias se engajaram num projeto de
microdestilaria financiado pelo Sindieletro, o sindicato dos
trabalhadores da Cemig, que investiu cerca de R$ 40 mil nos
equipamentos: moenda, dornas de fermentação, caldeira, tacho e
coluna de destilação contínua. Um dos assentados, Carlos Ribeiro de
Oliveira, disse que eles chegaram a produzir 50 litros de álcool na
fase de testes: "Quando o álcool saiu, a gente colocou no tanque de
um carro, ligou e o motor funcionou", relatou Ribeiro. Além de
abastecer veículos, o produtor aponta outro uso para o álcool:
movimentar as bombas de irrigação.
No entanto, a coluna de destilação deve funcionar
continuamente para aproveitar o calor da caldeira, e não ter a
produção interrompida todos os dias, como os alambiques tradicionais
que as famílias já conheciam. Sem uma orientação técnica precisa,
não se plantou cana suficiente para sustentar a atividade, e as
famílias utilizaram o equipamento para as atividades que já
dominavam: a produção de cachaça e de rapadura.
R$ 37,5 mil em rapaduras e 4 mil litros de
cachaça
Hilton Gonçalves disse que já produziram 4 mil
litros de cachaça, que está sendo vendida na região por R$ 3,00 o
litro, ainda sem rótulo e seu registro. Ângela Maria dos Santos
acrescentou que o assentamento Dom Orione produziu e entregou, entre
agosto e novembro, 150 mil pequenas rapaduras embaladas à Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), sob contrato, faturando R$ 37,5
mil. O dirigente da Conab que fez a encomenda, segundo ela, é o
mesmo Eduardo Drumond que apoiou a iniciativa, quando presidente do
Sindieletro.
Os deputados pediram aos representantes da Ampaq
que avaliassem a cachaça produzida no assentamento. Raimundo Ribeiro
Vieira disse que daria a nota 7, mas ressalvou que a Ampaq não
aceita cachaça produzida em coluna de destilação contínua. Exige
alambique de cobre, fermento de milho e barris de madeira para
envelhecimento. Apesar dos evidentes problemas, o deputado Padre
João elogiou a diversificação das atividades do assentamento como
forma de assegurar a sobrevivência das famílias. O deputado Marlos
Fernandes anunciou que vai apresentar requerimento para que a
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) dê
assistência técnica àqueles agricultores para o plantio de cana, e
para que a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec),
através do seu setor de Tecnologia de Alimentos, dê orientação para
o pleno aproveitamento dos equipamentos de destilação.
Presenças: Deputados Padre
João (PT), presidente; Marlos Fernandes (PPS), vice-presidente;
Victor Soares Lopes, da Secretaria da Agricultura; Marcelo Furtado
Vital, do Instituto de Desenvolvimento Industrial (Indi-MG);
Raimundo Ribeiro Vieira e Marco Antônio de Magalhães, da Associação
Mineira de Aguardente de Qualidade (Ampaq).
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