Movimentos sociais denunciam desrespeito aos direitos
humanos
Relatos de situações de preconceito e experiências
dos movimentos sociais na educação em direitos humanos marcaram as
atividades da manhã desta sexta-feira (11/11/05), durante o Ciclo de
Debates "Educação em Direitos Humanos". Negros, homossexuais,
defensores das comunidades remanescentes dos quilombos, educadores e
comunicadores denunciaram que a situação ainda é de desrespeito a
direitos, de opressão e de desigualdades. Solicitado pela Comissão
de Direitos Humanos, o evento teve início nesta quinta (10) e
termina na tarde desta sexta, com a apresentação de propostas para a
aplicação, em Minas, do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos.
O plano nacional é um instrumento orientador e
fomentador de ações educativas, seja no campo da educação formal,
seja no campo da educação não formal, nas esferas pública e privada.
Como estratégia de elaboração do plano, foram criadas comissões
técnicas que trataram dos seguintes assuntos: educação básica
(educação infantil, ensinos fundamental e médio); ensino superior;
educação não formal; educação dos profissionais dos sistemas de
Justiça e Segurança; e educação e mídia. O documento foi divulgado,
em 2003, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério da
Educação e Comitê Nacional de Educação em Direitos
Humanos.
O secretário do
Núcleo Multimeios da ONG Oficina de Imagens, Comunicação e Educação,
Bernardo Brant, falou sobre o trabalho do grupo, ao mesmo tempo em
que lamentou que a população esteja cerceada o tempo todo no seu
direito de expressão e opinião. Isto porque, segundo ele, os meios
de comunicação continuam monopólios de poucos e a população, apenas
receptor passivo das informações. O trabalho da oficina na rede
pública municipal de ensino de Belo Horizonte é justamente ensinar a
comunidade escolar a filtrar e selecionar, de maneira crítica, as
informações. "Não podemos acreditar em tudo que os jornais falam",
ilustrou. Para ele, aprender a lidar com as diversas mídias é, hoje,
condição para o exercício da cidadania. É isso o que a ONG procura
fomentar em comunicadores, professores, crianças e adolescentes.
Falando também da rede municipal de ensino, o
diretor da Fundação Centro de Referência da Cultura Negra (FCRCN),
Luiz Carlos Felizardo Júnior, informou que várias propostas
sugeridas pelo centro foram adotadas. Lamentou, no entanto, que
ainda se esbarre na falta de recursos para implementação das
políticas públicas de promoção da igualdade étnico-racial nas
escolas. Júnior reforçou a denúncia de que a educação nunca foi e
nunca será igual para negros e brancos no País. Ele lembrou que a
população de 25 anos ou mais analfabeta no Brasil é formada,
sobretudo, por negros e pardos. O preconceito existente contra os
negros foi reafirmado por Júnior, que relatou ter sido abordado
várias vezes pela polícia. O cabelo, as roupas, a música de que
gosta e a própria condição social são motivos de suspeição, disse
ele.
Homossexuais, remanescentes de quilombos e
moradores de favelas também falam
Educar em direitos humanos é trabalho também para
aqueles que fazem cultura. É o que revela a fala do presidente da
Associação Cultural do Grupo do Beco do Aglomerado Santa Lúcia, Nil
César. A favela está localizada, segundo ele, em um ponto onde mais
incomoda, pois é a região Centro-Sul da Capital, rodeada dos bairros
mais nobres de Belo Horizonte. Lá, a atividade do grupo é promover
cultura e usar a arte como mote para a transformação social local.
Ele lamentou que o morador da favela encare os direitos humanos como
um favor e não como algo a ser respeitado. "A favela, nas políticas
públicas, não é vista como uma parte da cidade", denunciou,
comentando o apartheid social e a violação dos direitos
humanos vividos por essas pessoas.
Luiz Fernando Schalcher, do Centro de Luta pela
Livre Orientação Sexual de Minas Gerais, reforçou que é preciso
combater o preconceito existente na sociedade. Para ele, a família,
a escola, a igreja e a mídia são instituições que divulgam e
reforçam a homofobia. No que diz respeito à mídia, Schalcher
lamentou o fato de as novelas sempre classificarem o homossexual de
"engraçadinho", o que acaba reforçando o preconceito existente na
sociedade.
Negros - Já a coordenadora
do Projeto Quilombos Gerais, Maria Elisabete Gontijo dos Santos,
falou sobre os esforços desenvolvidos pelo Centro de Documentação
Eloy Ferreira da Silva (Cedefes) para identificar e apoiar as
comunidades remanescentes dos quilombos. Servidora da Assembléia,
Bete Gontijo informou que, graças ao projeto, o número de
comunidades foi ampliado de 66 (dados iniciais do governo federal)
para 332, fazendo com que Minas passasse a ocupar a posição de
terceiro estado em número de comunidades quilombolas. Desse total,
39% estão nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri; 34,9% no Norte e 11%
na região Central.
Os problemas constatados nessas comunidades são
inúmeros: perda do território para empreendimentos agropecuários,
mineração, barragens, reflorestamentos e grilagem; ausência do poder
público; falta de alternativas para geração de trabalho e renda;
perda das referências culturais e não regularização das terras pelos
órgãos oficiais. Bete Gontijo informou ao Plenário que, em 17 anos
de vigência da Constituição, apenas uma comunidade em Minas obteve o
título da terra. Segundo a Constituição, aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
os títulos.
Se existem esses problemas, por outro lado os
quilombos se destacam em aspectos como solidariedade do grupo, apego
à família e às manifestações culturais, como a música e a
religiosidade. "São valores que devem ser preservados. Por isso
precisamos manter seu território", concluiu.
Secretaria nacional relata inserção dos direitos
humanos na segurança pública
Falando para um Plenário lotado - inclusive com a
presença de policiais militares -, o coordenador de pesquisa da
Secretaria Nacional de Segurança Pública, Marcelo Durante,
reconheceu os números preocupantes que revelam o aumento dos índices
de criminalidade no País. Destacou, por outro lado, as ações de
governo para difundir uma perspectiva democrática e contemporânea
para a segurança pública, com ênfase na garantia dos direitos
individuais e coletivos. Segundo dados de 2004 do Ministério da
Justiça, 224 cidades brasileiras concentram 90% dos crimes contra o
patrimônio e 70% dos crimes letais/intencionais, entre eles os
homicídios.
Se as estatísticas são preocupantes, na avaliação
do pesquisador estão sendo implementadas ações para garantir que a
preservação da ordem pública seja entendida como algo muito mais
abrangente do que as políticas de policiamento. Ele destacou que,
com a inserção dos direitos humanos no setor, amplia-se a
responsabilidade dos policiais para além do crime. "O policial
passará a ser valorizado por seu papel educador. A atividade será
exercida sob uma perspectiva crítica, que amplia o conhecimento da
realidade e permite compartilhar responsabilidades com outros atores
sociais", avaliou Marcelo Durante.
Ele apresentou dados de pesquisa feita pela
Secretaria em 20 estados, em 2003, apontando que 11 mil policiais
foram formados em direitos humanos, ou seja, 3% a 4% do total.
Informou, ainda, que será lançada, no dia 18, uma rede de ensino a
distância na área de segurança pública, sendo um dos cursos o de
Direitos Humanos. Até dezembro, a Secretaria Nacional deverá
credenciar 21 instituições de ensino, a fim de criar uma rede
nacional de especialização em segurança pública, com a concessão de
bolsas para policiais.
Reprise - O ciclo de
debates será reprisado pela TV Assembléia (canal 11 do sistema a
cabo, em Belo Horizonte). As atividades do dia 10 serão reprisadas
no dia 18, às 8h30. Os debates do dia 11 pela manhã, às 8h30 do dia
19. Já os debates da tarde do dia 11 serão reprisados às 8h30 do dia
20. O diário oficial Minas Gerais/Diário do Legislativo publicará a
íntegra das exposições e debates no próximo dia 24 de novembro.
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