Incra oferece R$ 20 milhões pelas terras da Usina
Ariadnópolis
Um conflito agrário com risco de radicalização está
instalado em Campo do Meio, município sul-mineiro às margens do lago
de Furnas. De um lado, uma usina de açúcar falida com 3 mil hectares
de terras ociosas desde 1983. De outro, um impasse jurídico em que a
União e o Estado de Minas reivindicam a área em pagamento de dívidas
da usina no valor de R$ 270 milhões. De outro, 292 famílias de
trabalhadores rurais sem terra ligados ao MST, que instalaram nove
acampamentos nas terras da usina a partir de 1998.
A busca de uma solução que evite a expulsão dos
sem-terra motivou uma reunião da Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial da Assembléia, na tarde desta quarta-feira (9/11/05),
com a presença de representantes de todos os atores envolvidos. Na
platéia, dezenas de agricultores sem-terra com bonés do MST gritando
lemas e palavras-de-ordem. O requerimento foi assinado pelos
deputados Padre João e Laudelino Augusto, ambos do PT.
Padre João, que preside a Comissão, disse que,
mesmo sem conhecer pessoalmente Campo do Meio, é solidário com a
luta dos sem-terra e defende seu acesso à área. Laudelino Augusto
disse que o acampamento adotou o nome de Irmã Dorothy em homenagem à
missionária assassinada no Pará, e que a intenção da reunião era
ouvir os argumentos jurídicos, mas buscar uma solução política, como
compete à Assembléia. "Os trabalhadores querem arar a terra e
plantar. Não querem ficar ociosos. Querem exercer sua cidadania e
seu papel de produtores de alimentos, e sabemos que cidadania é o
remédio contra a dominação e a corrupção", disse Laudelino.
Marcos Helênio Leoni Pena, superintendente do
Incra-MG, defendeu a atuação do órgão que dirige, afirmando que não
há inoperância nem falta de recursos. "No Governo Lula, não faltou
um centavo para a reforma agrária. Nós tínhamos uma previsão de
gastos de R$ 20 milhões e recebemos R$ 200 milhões. Desde 2003,
resolvemos quase todas as pendências dentro da nossa competência.
Mas não podemos resolver as questões que cabem ao Judiciário.
Fizemos várias tentativas com a Cápia e a Usina Ariadnópolis,
fizemos vistoria, mas sem conseguir acordo. Creio que a pressão
política pode ajudar, mas estou convencido de que o lado jurídico da
questão, com a Procuradoria da Fazenda é o mais importante", disse
Helênio.
Falência foi cassada. Dívida chega a R$ 273
milhões
O processo de cobrança judicial das dívidas com o
Fisco foi remetido por engano à cidade de Campos Gerais e lá
desapareceu. Segundo a procuradora da Fazenda, Ana Maria Campos, a
instância correta seria o Tribunal Regional Federal, e a sentença de
falência foi cassada pelo Tribunal de Justiça de Minas. A dívida da
empresa, calculada em R$ 273 milhões, foi parcelada em 180
prestações e estaria sendo paga, mas num valor inferior ao
devido.
Isso não incluiria a dívida trabalhista com os
empregados da usina, que estaria entre R$ 2 e R$ 5 milhões, segundo
a advogada Maria Ilka Fernandes Siqueira, assessora do movimento. O
advogado da Usina Ariadnópolis, Edvar Ferreira Souza, contou outra
versão para as dificuldades enfrentadas pela usina fundada em 1897.
Para ele, apenas 70 famílias se encontram acampadas no terreno da
usina. A informação foi vaiada pela platéia. Para Maria Ilka, os
embates jurídicos sobre a propriedade são secundários. "O direito de
propriedade deixa de existir quando a terra não cumpre sua função
social. Ela deve ser entregue aos trabalhadores para a produção de
alimentos", opinou.
Sebastião Marques, do MST, disse que o Sindicato
dos Assalariados Rurais, que atua em 33 municípios da região,
denuncia trabalho escravo e combate os fazendeiros que trazem
migrantes da Bahia para trabalharem em troca de comida. "Acolhemos
todos eles nos acampamentos", afirmou. Para ele, a situação do Sul
de Minas é de ganância dos proprietários, que exploram o trabalhador
para comprar carro zero e mandar os filhos estudarem no exterior.
Marques denunciou também o uso de agrotóxicos cada vez mais fortes
nos cafezais da região, e o hábito anual da usina de atear fogo a
uma reserva florestal que arde durante toda uma semana. "A única vez
que pudemos plantar ali foi antes de 1998, até que veio uma ordem
judicial de reintegração e destruíram nosso plantio,
informou.
Desde 1999, a PM não emprega força para retirar
invasores
O major Jader Mendes Lourenço, representante da PM,
disse que a polícia acompanha de perto a evolução do conflito, com o
objetivo de manter a tranqüilidade e a ordem pública. Revelou que o
comando recebeu denúncia do ITER e da Ouvidoria Agrária Nacional, e
intensificou o policiamento. A PM investiga também a denúncia de que
alguns de seus policiais estariam atuando como seguranças no terreno
da usina, e se haveria atividade das milícias da União de Defesa da
Propriedade Rural (UDPR).
"Estamos com dois mandados de reintegração de posse
para cumprir, e temos que cumpri-los em obediência à Justiça e ao
Estado de Direito. Mas desde 1999, a PM adotou nova metodologia de
agir com cautela, buscando consenso e evitando o emprego da força.
Nossa diretriz é preservar o bem maior, que é a vida humana. Nestes
seis anos, tivemos apenas um incidente em Patrocínio, mas sem
feridos graves".
Ao final da reunião, o superintendente do Incra,
Marcos Helênio, fez uma proposta concreta ao advogado Edvar Souza de
adquirir as terras por R$ 20 milhões, para assentar os acampados. O
advogado disse que havia também uma proposta de R$ 30 milhões de um
grupo paulista para reativar a usina. Os deputados Padre João e
Laudelino Augusto pediram informações completas sobre a dívida da
usina, inclusive trabalhista, e de quanto seriam as parcelas mensais
que a Fazenda considera inferiores ao débito.
Presenças: Deputados Padre
João (PT), presidente; Marlos Fernandes (PPS), vice-presidente; e
Laudelino Augusto (PT). Além dos citados, compuseram a mesa ainda:
Aldenir Vianna Pereira e Élcio Pacheco, do ITER; Luiz Henrique
Fernandes, da DRT; Marcelo da Fonseca, da Vara de Conflitos
Agrários; Igino Marcos Oliveira, delegado do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, e Pedro de Oliveira Neto, procurador do
Incra-MG.
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