Comunidades lutam por recursos e contra exigências da
Anvisa
As comunidades terapêuticas para atendimento a
dependentes químicos são cerca de 300 em Minas, e acolhem cerca de
27 mil drogados e alcoólatras, prestando um valioso serviço à
sociedade e ao Estado. No entanto, não são reconhecidas oficialmente
e não estão habilitadas a receber recursos públicos. Além das
dificuldades financeiras e dos problemas que enfrentam em sua
atividade, também resvalam nas exigências da Vigilância Sanitária
para se manterem em funcionamento.
Este foi o quadro do atendimento a drogados
apresentado aos deputados da Comissão de Administração Pública,
durante audiência pública na tarde desta quarta-feira (26/10/2005).
Nove dirigentes de comunidades terapêuticas, a maioria deles pais de
dependentes ou eles próprios ex-dependentes químicos, relataram sua
luta para continuar funcionando com bingos, rifas, doações de
igrejas e contribuições das famílias em melhores condições.
Os laços das comunidades terapêuticas são mais
fortes com as igrejas evangélicas e católicas do que com o Estado, e
por essa razão a assistência espiritual entra na recuperação como um
fator mais importante que a Psicologia, os cursos
profissionalizantes e o trabalho. Esta constatação surgiu dos
depoimentos das autoridades presentes, particularmente o
subsecretário Antidrogas do Governo, Cloves Benevides; Raquel
Pinheiro, da Secretaria de Saúde; e Ana Regina Machado, do Centro
Mineiro de Toxicomania da Fhemig.
Raquel Pinheiro alertou para a incidência de casos
de dependentes de heroína em Minas, que vão demandar maiores
recursos na área hospitalar. Ana Regina esclareceu a "tarefa árdua"
que é incluir o dependente químico no SUS, por causa do preconceito.
Benevides afirmou que há casos de violação e serviços mal prestados
nas comunidades terapêuticas, mas admitiu que os exemplos de
qualidade e seriedade precisam ser incentivados.
Evangélicos oferecem ajuda indistintamente a quem
precisa
Vários representantes das comunidades terapêuticas
evangélicas estavam presentes na reunião, arregimentados pelo
deputado Antônio Genaro (PSC). Genaro relatou o trabalho dos núcleos
que assiste em Betim, Santos Dumont e Montes Claros, mas declarou
sua descrença no ser humano por desobediência a Deus. O deputado
admitiu que a ciência e a tecnologia evoluíram, mas deplorou as
teorias do Big Bang e da evolução como as piores invenções humanas
para minar os princípios da crença em Deus. Para ele, a cura dos
drogados está acima da capacidade humana. Apenas Deus seria capaz de
curar, pelo poder da oração.
O pastor Wellington Vieira denunciou que as
comunidades não conseguem internar em hospital algum um paciente em
crise de abstinência. "O Ministério da Saúde não nos reconhece, e
quer acabar conosco. A Anvisa exige banheiro para deficiente, com
dimensões e normas próprias, mas não nos dá recursos para executar.
Queremos cumprir as normas da Resolução 101, mas precisamos de
apoio", desabafou. Seu colega Daniel Fernandes relatou que
recentemente atendeu ao pedido de um juiz para acolher dois drogados
carentes. "Nós estendemos a mão a qualquer um que precisar. Viciado
não tem religião", resumiu.
Ao pessimismo manifestado pelo deputado Genaro, o
padre Haroldo Hahn, dirigente da Federação Brasileira das
Comunidades Terapêuticas, contrapôs uma mensagem ecumênica de
esperança, estendida aos voluntários da Febract, sejam católicos,
evangélicos ou espíritas: "Nós trabalhamos com a prevenção e o
tratamento, e ensinamos o dependente a ter fé em Deus e também em si
mesmo. Queremos formar cidadãos e cavalheiros, para Deus e para a
Pátria. Acreditamos sobretudo na laborterapia, porque o ser humano
foi feito para trabalhar".
Beligerância da Anvisa foi testemunhada por Fahim
Sawan
Aluísio Andrade, do Conselho Estadual Antidrogas,
defendeu as exigências da Anvisa. "A agência tem critérios de espaço
físico, de dimensões para cozinhas, pisos etc, que são válidos para
toda unidade de saúde funcionar. Para se fazer a adequação, existe
dinheiro a fundo perdido, mas se o governo não banca, a Anvisa não
tem como cobrar. As comunidades terapêuticas são dirigidas com o
coração, e isso não tem como ser medido. O governo tem que ter
cabeça e bolso, e ajudar", declarou.
No entanto, as inspeções da Anvisa foram
denunciadas por outros dirigentes como abusivas e beligerantes. O
próprio deputado Fahim Sawan, presidente da Comissão de
Administração Pública, é médico infectologista e voluntário em
trabalhos sociais. Ele relatou uma ocasião em que fazia punção para
coleta de liquor na espinha de um paciente em Uberaba, quando
fiscais da Anvisa entraram de maneira truculenta, com coletes
negros, vasculhando armários e contaminando o ambiente. A visita
deixou péssima impressão no deputado.
O vereador José Elias Murad, veterano militante
antidrogas, revelou que a expectativa de vida do brasileiro aumentou
muito nas últimas décadas em todas as faixas etárias, mas diminuiu
na faixa dos 14 aos 24 anos, por causa da violência, do abuso do
álcool e da dependência de drogas, três razões interligadas. Murad
anunciou o lançamento do seu sexto livro, "A Fome da Droga" para 2
de dezembro próximo, e apelou a todos que não cruzem os braços, não
desistam de ajudar, e que apoiem o dependente químico.
Presenças - Deputados
Fahim Sawan (PSDB), presidente; Gustavo Valadares (PFL),
vice-presidente; Antônio Genaro (PSC), Ricardo Duarte (PT), Doutor
Ronaldo (PDT) e Weliton Prado (PT).
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