Direitos Humanos quer regularizar imóveis em Nova
Ponte
Depois de 11 anos da inauguração da usina
hidrelétrica de Nova Ponte, e do término de um processo em que cerca
de 45 mil pessoas foram removidas para uma nova cidade construída
pela Cemig, resta ainda regularizar a situação de 400 lotes, cujos
ocupantes não conseguem receber a escritura e se tornarem
proprietários. As lideranças destes moradores recorreram à Comissão
de Direitos Humanos da Assembléia, que realizou audiência pública na
Câmara Municipal daquela cidade, nesta segunda-feira (17/10/05), com
a presença de seis deputados.
"Muitos conflitos acabem degenerando em guerra
quando se nega ao cidadão o direito à moradia. Viemos aqui fazer
tudo que estiver ao nosso alcance, para chegar a um resultado
satisfatório", posicionou-se o deputado Paulo Cesar (PDT), autor do
requerimento, na abertura dos trabalhos. Da mesma forma, o deputado
Weliton Prado (PT), manifestou confiança numa solução definitiva, a
partir da audiência, que lotou as dependências da Câmara Municipal.
"Não dá para entender por que até hoje não foram regularizados os
lotes. Precisamos resolver essa novela de uma vez por todas", disse
o parlamentar.
Eliana Aparecida de Oliveira, representante dos
moradores, argumentou que a escritura é essencial para que os
moradores tomem um empréstimo, a fim de melhorar sua habitação, ou
mesmo para resolver a situação dos herdeiros, nos inventários
daqueles que já morreram. "O direito à propriedade deve ser encarado
também como fator de inclusão social. Quando a Prefeitura quer,
passa aqui na Câmara uma lei específica para legalizar
imóveis".
Adversários do prefeito não têm direitos
reconhecidos
A acusação de que vigoram critérios políticos na
triagem de quem vai ou não receber a escritura surgiu no depoimento
de vários moradores. O mais contundente deles foi Antônio Naves
Pereira, que se disse disposto a pagar os R$ 2.796,48 do valor
licitatório do seu imóvel, para vê-lo regularizado. "Não votei no
laranja", informou, referindo-se ao prefeito Lindon Carlos Resende
da Cruz. "Se tivesse votado, estava regularizado, do mesmo jeito que
a Câmara aprovou a regularização de um terreno de 12 mil m² para uma
empresa daqui", acrescentou. O vereador Sérgio Bernardes Lemos
também assegurou que os contemplados pertencem ao grupo político do
prefeito.
Entre os não proprietários, há pessoas que vivem há
décadas em Nova Ponte. Maria Valdete da Silva disse que pediu para
mudar de lote, e a prefeitura concordou, mas não regularizou. "Todo
ano eu procuro o prefeito, mas ele não resolve. Depois que o Lindon
entrou, continua a mesma lenga-lenga", disse ela. Maria Sônia, do
bairro Medalha Milagrosa, disse que, por ser analfabeta, não
conseguiu nada nesses 36 anos que vive em Nova Ponte. "Estou
urrando, comendo capim seco e capim verde, e assando no asfalto para
poder viver", queixou-se.
Cândido do Nascimento morava na cidade afundada
desde 1934. Quando recebeu a notícia da construção da usina, pagou
para tirar escritura do seu imóvel, mas esta saiu em nome dos
filhos. "Quando a Cemig veio, pagou a meus filhos, e eu e minha
mulher ficamos no ar, sem morada. Tivemos que ir para
Uberlândia".
A advogada da Prefeitura, Alice Ribeiro de Souza,
procurou explicar a inércia da municipalidade, dizendo que os
administradores gostariam de resolver a situação, mas que estão de
mãos atadas pela lei de licitações, que proíbe a doação de
patrimônio público. "Já fizemos consulta ao Tribunal de Contas, mas
recebemos a informação de que eles não se manifestam sobre casos
concretos", disse a advogada. Maurício Messias Barbosa, chefe de
gabinete do prefeito, propôs que a Cemig receba de volta os lotes e
os repasse diretamente aos moradores, após analisar cada caso. Na
época da construção da usina, a Cemig habilitou a Associação dos
Moradores de Nova Ponte para definir as relações de vizinhança e a
correspondência entre os bairros. Segundo Alice Souza, a permuta foi
feita informalmente, através de "papeizinhos" entregues aos
moradores. Uns a Cemig teria acatado, outros não. Realocados ou
indenizados todos os proprietários, a Companhia Energética doou ao
município os lotes remanescentes para serem incorporados ao seu
patrimônio.
Prefeitura cobra IPTU, mas não legaliza
propriedades
O deputado Durval Ângelo, presidente da Comissão de
Direitos Humanos, pediu à advogada que se manifestasse sobre
documentos em suas mãos, que demonstravam incoerência de critérios.
"Temos aqui os documentos do senhor Salvador dos Reis Cardoso, que
são a planta, o alvará de construção, o habite-se, e pagamento de
IPTU. No entanto, ele não conseguiu regularizar seu imóvel. Como a
senhora explica que a Prefeitura cobra IPTU e não reconhece a
propriedade?" Indagou o deputado.
Alice Souza respondeu que o IPTU é cobrado dos
moradores irregulares, "porque eles vivem ali como se proprietários
fossem". Em seguida, extrapolou sua competência técnica, para
criticar a audiência como evento destinado a promover os políticos
ali presentes. O deputado Durval Ângelo repreendeu a advogada,
exigiu respeito à representação parlamentar e pediu-lhe que
moderasse o tom e que se abstivesse de rir ao dirigir-se a mesa. "O
caso aqui não é para rir. Estamos tratando da vida e da dignidade de
400 famílias", lembrou o deputado.
Deputados apresentam propostas de solução
Três outros deputados procuraram contribuir para a
conciliação na reunião, e apontaram solução para o problema. Fahim
Sawan (PSDB) disse que "ponderação é necessária de ambos os lados. A
população está insegura por causa dos erros das administradores
anteriores, mas percebo que há vontade do Executivo de acertar, e
gostaria de contribuir para uma solução definitiva". Luiz Humberto
Carneiro (PSDB) sugeriu a criação de um programa habitacional que
permita a regularização dos lotes.
O deputado Paulo Piau (PPS) protestou contra a
posição da Cemig de alegar que a regularização só pode ser feita
pelo município. "A Cemig é uma empresa importante que se instalou
aqui, não pode lavar as mãos. Deve juntar seus esforços aos da
Prefeitura para resolver a situação. Cabe a nós, na Assembléia,
apertá-los para que cheguem a uma solução", concluiu. Weliton Prado
também pressionou: "A população não pode pagar o pato pelas omissões
da prefeitura e da Cemig". O deputado Paulo Cesar propôs que a
administração de Nova Ponte defina um preço simbólico para
regularizar a situação de quem já ocupa seu imóvel".
Requerimentos - Quatro
requerimentos foram anunciados durante a reunião pelo deputado
Durval Ângelo, com a finalidade de dar caminhos para a assessoria
jurídica da Assembléia interferir na questão. Um deles pede à Cemig
que envie cópias das relações de proprietários indenizados e não
indenizados, na época da transferência. Outro pede ao presidente da
estatal, Djalma Morais, que envie a uma próxima audiência na
Assembléia os dois diretoras que deveriam ter estado presentes em
Nova Ponte. Nesta audiência deverão estar presentes também o atual
prefeito da cidade, Lindon Carlos Resende e seus dois antecessores,
José Divino da Silva, que cumpriu dois mandados e Jarbas Fernandes,
que dirigia a cidade na época da transferência. O terceiro
requerimento pede aos cartórios de notas e de registro de imóveis a
lista das desapropriações amigáveis nas áreas alagadas. O último
pede ao juiz de Nova Ponte uma cópia das ações de desapropriação
pela Cemig.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT); Paulo Cesar (PDT); Weliton Prado (PT); Paulo
Piau (PPS); Fahim Sawan (PSDB) e Luiz Humberto Carneiro
(PSDB)
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