Fortalecer a participação direta pode ser saída para crise
política
Qual é a reforma política de que o Brasil precisa?
Responder essa pergunta foi o desafio lançado ao Ministério Público,
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) e Legislativo, na manhã do
primeiro dia do Fórum Técnico "Reforma política e eleitoral: como
viabilizá-la", que começou nesta sexta-feira (16/9/05) e termina no
sábado (17). Para o presidente da OAB/MG, Raimundo Cândido Júnior, e
o deputado estadual frei Sérgio Görgen (PT/RS), da Coordenação do
Movimento Consulta Popular, a mudança passa pelo fortalecimento dos
instrumentos de participação direta, como consulta pública,
referendo, plebiscito, orçamento participativo e audiências
públicas.
Ambos enfatizaram que a solução para a recente
crise política passa, antes de tudo, pelo cidadão brasileiro. Para o
deputado, que assessora a Via Campesina Nacional, o grande déficit
da democracia brasileira é o da participação do povo - que, quando
ocorre, se dá de forma periférica. Na opinião dele, quando o povo
não se sente mais representado pelos seus representantes,
instaura-se a crise do sistema representativo. Classificando como
"recauchutagem" os projetos de reforma política e eleitoral em
tramitação no Congresso Nacional, o frei sugere uma série de medidas
- algumas radicais - para mudar o quadro atual.
Entre elas, destacam-se: a instituição de
promotorias populares que acompanhariam casos de corrupção,
encarregadas inclusive de colher provas, a serem aceitas
judicialmente; fim do sigilo bancário, fiscal e patrimonial de
qualquer cidadão que exerça função pública, nos dois anos antes de
assumir o mandato e dois anos depois de deixá-lo; abertura dos
sigilos também dos juízes; impossibilidade de exercer mais que dois
mandatos consecutivos em qualquer instância de Estado, para que a
política, segundo o frei, "não se torne profissão"; possibilidade de
referendo para revogação de mandato parlamentar, assim como
possibilidade de revogação do mandato pelo próprio partido, em
convenção.
Crítica às Câmaras - Assim
como o presidente da OAB/MG, o frei Sérgio Görgen questionou a
atuação das Câmaras Municipais. Ele propôs o fim das Câmaras no
formato atual para cidades menores. Para substituí-las, sugeriu a
criação de assembléias populares municipais, com integrantes em
maior número e sem salário fixo, convocados para discutir temas de
interesse. Raimundo Cândido, da OAB, também fez duras críticas à
atuação das Câmaras. "Porque é preciso haver tantos vereadores? Eles
precisam ser remunerados?", questionou. Comparando Legislativo e
Judiciário, o advogado lembrou que há apenas 293 comarcas nos 853
municípios mineiros. Para Raimundo Cândido, seria mais útil para o
povo contar com um juiz, um promotor e um defensor nas demais 560
cidades mineiras, do que ter um número excessivo de vereadores.
As formas de participação direta dos cidadãos, como
consultas, referendos e plebiscitos, também foi enfatizada por
Raimundo Cândido. Ele defendeu a consulta popular para determinação
do número de vereadores; de financiamento público ou não de
campanhas eleitorais; e da adoção ou não do sistema bicameral
(Câmara dos Deputados e Senado). Esses instrumentos de participação
precisam ser estimulados, acrescentou, pois a saída para a atual
crise política está também no cidadão e não se restringe à mudança
da lei. "Precisamos mostrar para o brasileiro que ele é quem pode
dar as soluções", concluiu.
Promotor eleitoral duvida que Congresso aprove
novas regras até 30 de setembro
A análise dos dois projetos em tramitação no
Congresso Nacional que tratam da reforma política e eleitoral foi
feita pelo promotor eleitoral Thales Tácito Cerqueira, membro da
Confederação Nacional do Ministério Público. Ele duvidou que, em 14
dias (até 30 de setembro), conforme determina a Constituição
Federal, seja aprovada e publicada alguma proposta de reforma.
Obedecer a esse prazo é necessário para que as novas regras possam
vigorar nas eleições de 2006. O promotor também criticou proposição
que tramita no Congresso visando ampliar esse prazo.
Na opinião do promotor, uma das soluções para a
crise atual seria a adoção do sistema distrital misto, com metade
dos candidatos sendo eleitos pelo sistema majoritário e metade pelo
sistema proporcional, com lista fechada. Ao se referir ao Projeto de
Lei (PL) 275/05, de autoria do Senado, o promotor sugeriu várias
mudanças - já encaminhadas pela Confederação Nacional do Ministério
Público a Brasília. Essa mini-reforma política que os parlamentares
querem aprovar prevê que o tempo de campanha eleitoral caia de 90
para 60 dias e a propaganda em rádio e TV, de 45 para 35 dias;
proíbe showmícios, limita doações e muda prazos de convenções e
registros de candidaturas.
Entre outras sugestões do promotor, destacam-se:
que a pena para quem praticar o "caixa 2" seja de cinco a dez anos e
não de três, como está no projeto; que o diploma do parlamentar
possa ser cassado em qualquer período do mandato, se descoberto o
"caixa 2"; incluir a pena de reclusão e não apenas a de detenção
como punições; reduzir o Imposto de Renda para quem fizer doação de
campanha legalmente; que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
mantenha o sigilo dos financiadores; e aumentar a pena para
corrupção eleitoral de dois para quatro anos. Outra sugestão de
Thales Cerqueira é unificar as eleições no País, como determina
proposta de emenda à Constituição em tramitação no Congresso. Desta
forma, o mandato de prefeitos e vereadores seria aumentado em dois
anos, para coincidir com as eleições para governador, deputado e
presidente, em 2010.
Financiamento público - O
financiamento público de campanha, previsto no Projeto de Lei (PL)
2.679/03, de autoria da Câmara dos Deputados, foi também questionado
pelo promotor. Para ele, falar em financiamento público num país
pobre como o Brasil é problemático. Principalmente porque os
recursos para esse financiamento sairiam de impostos, de gastos dos
ministérios e de investimentos em áreas básicas. Ele também duvida
de que essa solução evitará o "caixa 2".
Outras críticas ao projeto da Câmara dos Deputados
referem-se à cláusula de barreira, prevista em lei de 1995, e à
lista fechada. Segundo essa cláusula, os partidos têm que ter 5% dos
votos nacionais para obterem direito à propaganda política e ao
dinheiro do fundo partidário. Na prática, essa regra - que nunca foi
aplicada - acabaria com as legendas de aluguel. Já o projeto reduz o
índice de 5% para 2% e permite a associação de partidos por três
anos para viabilizar o cumprimento da norma.
Quanto à lista fechada, Thales Cerqueira considera
a proposta bem-sucedida na Europa, mas duvida de sua eficácia no
Brasil atual. Nos países onde essa lista é adotada, o eleitor vota
no partido e não no candidato. São os delegados do partido que
escolhem, em convenção, os nomes dos candidatos que vão figurar
nessa lista. Na opinião do promotor, se adotada a lista fechada no
País, a compra de votos ocorreria ainda na convenção partidária e a
renovação acabaria dificultada, entre outros riscos. Ele lembrou
ainda que a lista fechada prevista no PL 2.679/03 só poderia ser
adotada com o financiamento público de campanha.
Os debates da manhã foram coordenados pelos
deputados Rogério Correia (PT) e Célio Moreira (PL).
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