Atingidos por barragens reúnem-se em Aimorés, Itueta e
Resplendor
Os deputados da Cipe Rio Doce realizaram uma
maratona de audiências públicas na última sexta-feira (9/9/05), nas
três cidades mineiras atingidas pela usina de 330 megawatts que o
Consórcio Cemig/Vale do Rio Doce está finalizando no Rio Doce:
Aimorés, Itueta e Resplendor. Em todas elas, a população superlotou
os recintos, protestou contra o consórcio com faixas e vaias e fez
dezenas de denúncias de descumprimento de condicionantes ambientais
e de acordos feitos durante a negociação com moradores
desapropriados.
A lista de queixas dos ambientalistas e dos
atingidos é tão extensa que o deputado Márcio Passos (PL),
coordenador estadual da Cipe Rio Doce, propôs a realização de uma
vistoria técnica com documentação fotográfica e filmagens dos
problemas, e nova audiência durante um dia inteiro em Itueta, para
encontrar formas de obrigar o consórcio a cumprir as condicionantes
e remediar os problemas.
O relator da Cipe, deputado José Henrique (PMDB),
quer rediscutir com o consórcio todos os impactos da obra, e propôs
agendar uma visita ao procurador Fernando Galvão, do Ministério
Público Estadual, para que designe um promotor para a região, de
modo a dar entrada nas ações que se fizerem necessárias na
Justiça.
As obras da hidrelétrica estão praticamente
prontas, com expectativa de inauguração em abril de 2006, e o
consórcio já dispõe de uma licença de operação provisória para
testes até a cota 84, ou seja, de encher o reservatório até 84
metros acima do nível do mar. No entanto, o gerente regional Leste
do Ibama, João Alves Filho, assegurou que o órgão não vai emitir a
licença de operação plena da usina, até a cota 90, antes que sejam
cumpridas todas as condicionantes ambientais. O consórcio enviou às
três audiências representantes que tentaram responder às questões,
mas os deputados criticaram sua incapacidade para tomar mesmo
decisões simples. Nem mesmo a solução dos impasses mais triviais,
como o fracasso da arborização da nova cidade de Itueta, ou reparos
nas rachaduras das novas construções, foi possível agendar durante
as audiências.
Invasão de mosquitos e destruição do habitat das
lagostas
A primeira audiência ocorreu na cidade de Aimorés,
sede da usina, com a presença de quatro deputados estaduais
mineiros, dois capixabas e um deputado federal por Minas. Na
platéia, forte presença de estudantes, de ambientalistas mineiros e
capixabas, e de pescadores prejudicados pela alteração radical em
sua atividade. O presidente da Cipe Rio Doce, deputado Paulo
Foletto, do Espírito Santo, relatou a experiência da cidade de Baixo
Guandu, que em 1974 recebeu a usina de Mascarenhas com promessas de
desenvolvimento para a região, a mesma expectativa hoje alimentada
pela população de Aimorés.
"Trata-se de um investimento de R$ 600 milhões que
vem beneficiar alguns e prejudicar outros. Parte da população está
satisfeita, e parte insatisfeita. Preocupa-me que o nosso
acompanhamento do empreendimento não seja integral, nem integrado.
Seria preciso que estivéssemos a par de tudo, a todo momento, para
dar assistência adequada à população afetada", disse Foletto.
O maior problema ambiental é o desvio da vazão do
rio Doce, abaixo da represa, por vários quilômetros, para o canal da
casa de força. No leito seco, restaram poços de água parada nas
crateras do lajeado. O prefeito de Aimorés, Alaerte da Silva,
revelou seu temor quanto ao que acontecerá quando as águas do rio
Manhuaçu não forem suficientes para alagar esse leito. "Com certeza
teremos epidemias causadas por pernilongos", afirmou. O médico
Gilson Osório, secretário de Saúde da cidade, confirmou a presença
dos mosquitos transmissores da malária e da dengue nos poços, além
dos pernilongos que sempre atormentaram os moradores.
A deputada Elisa Costa (PT) informou sobre a agenda
de audiências públicas para popularização do programa Rio Doce
Limpo, lembrou que chegou o momento de pressionar as bancadas
parlamentares para incluir emendas nos orçamentos federal e
estaduais para a despoluição do rio Doce, e levantou a necessidade
de interligação dos esgotos de Aimorés com a estação de tratamento
de esgotos, e a questão da sobrevivência dos pescadores.
Locas e crateras no lajeado eram habitat dos
crustáceos
Silas Cardoso, da Associação dos Pescadores de
Baixo Guandu, disse que não quer que seus filhos sigam sua
profissão, pois raramente encontra um peixe, e quando encontra, está
contaminado. "A usina trouxe benefícios para alguns, mas por trás
está a desgraça dos pescadores", afirmou. Marco Antônio Chaves, da
OAB de Resplendor, fez um extenso relato dos problemas ambientais
trazidos pela obra, afirmando que as lagostas e outros crustáceos
tinham seu habitat nas crateras e locas do leito agora quase seco do
rio Doce. Ele exige que sejam feitos diques na cidade para manter o
nível das águas.
Os diques foram cobrados também pelo sargento Paulo
César Pereira, vulgo "Catatau", presidente do Instituto Pró-Rio
Doce. Ele afirma que, sem diques para frear a velocidade do rio
Manhuaçu, as barrancas vão cair e as lajes expostas ao sol vão se
tornar uma fonte termal capaz de causar um calor insuportável em
Aimorés. Benilde Madeira, da Associação dos Pescadores da Barra do
Manhuaçu, explicou que os vinte pescadores da área alternam sua
atividade com a agricultura nas ilhas. "Parte das ilhas estão sendo
afundadas na represa. As outras estão na baixa vazão, e não há como
alcançá-las de barco para retirar a produção. A remo não passa, com
motor quebra a hélice", reclamou.
A advogada dos pescadores, Regina Alves, denunciou
tratamento desigual entre os de Aimorés e os de Baixo Guandu: "Os de
Guandu foram bem atendidos. Receberam um barco para cada dupla, e R$
3,5 mil em média por pessoa. Os daqui são 12 duplas, que receberam
apenas carta de crédito de R$ 11 mil cada e doação de redes de
várias malhas. Mas a Polícia Ambiental recolheu todas as redes,
dizendo que seriam inadequadas".
Dois representantes do consórcio da usina tentaram
responder a maior parte das queixas. O consultor Moacir Moreno disse
que os recursos para os interceptores de esgotos de Resplendor e
Aimorés estão assegurados. Em Resplendor, 100% dos esgotos serão
tratados, dando-lhe direito ao ICMS ecológico. Em Aimorés, seriam
75%. "Temos ao todo 42 programas de compensação em andamento, ao
longo de 40 km da zona de impacto da obra", afirmou.
Diques transversais e soleiras submersas
O gerente ambiental da usina, Renato Carvalho,
garantiu que as ilhas inundadas serão indenizadas, e que as demais
estão tendo sua produção cadastrada. Prometeu também pressionar um
proprietário a abrir um cadeado que pôs numa ponte metálica,
impedindo a passagem dos ribeirinhos. Disse que estão projetados um
dique transversal na entrada da cidade e várias "soleiras" submersas
no trecho entre o dique e o hospital. "Só depois de instalado o
trecho de vazão reduzida vamos poder projetar e fazer os diques
necessários", afirmou.
Por pressão dos deputados, Moacir Moreno marcou
para esta segunda-feira (12/9/05) às 13 horas, na Casa Paroquial,
uma reunião para tratar do apoio ao Hospital São José, dirigido pelo
padre Elias. João Alves Filho, gerente regional do Ibama região
Leste, tratou de outras condicionantes para a licença de operação.
"Não adianta o consórcio construir um matadouro, se não aprovarmos o
plano de disposição dos resíduos. Também lhes peço que não escolham
espécies para repeixamento, porque a lei exige que sejam espécies
nativas", salientou.
Três requerimentos foram apresentados e aprovados
nessa audiência. O deputado José Henrique quer que o consórcio envie
comprovação do atendimento das condicionantes constantes no
relatório 438/2005 do Ibama, como exigência para a aprovação da cota
90 para o empreendimento. A deputada Elisa Costa pede que o Ibama
realize audiência pública nos quatro municípios afetados, com a
presença da Cipe Rio Doce, para debater o cumprimento das
condicionantes. Elisa quer também inspeção do Ibama sobre a solução
dos problemas relatados: cadeado na porteira, melhorias no Hospital
São José, indenização das ilhas e acesso aos trechos de vazão
mínima.
Uma cidade nova que não existe legalmente
Alcino José Nicoli enfrenta uma situação
surrealista: é prefeito de uma cidade nova em folha, com 500 casas e
2 mil habitantes, mas que não existe legalmente. Trata-se de Nova
Itueta, construída nos últimos três anos pelo consórcio da UHE
Aimorés para abrigar os moradores de Itueta, cidade inteiramente
demolida que ficará submersa no lago da represa. "O povo não tem
escritura das casas e a prefeitura não tem como receber recursos
federais, porque não tem a documentação necessária", informou o
deputado federal Mauro Lopes (PMDB).
O vice-prefeito Evaristo de Castro vai mais além:
"Não podemos tomar empréstimo nos bancos porque não podemos provar
que somos proprietários, e nem sequer os proprietários antigos desta
terra foram indenizados. A nova cidade está cheia de problemas, e
90% das casas precisam ser revisadas", afirmou. Outros moradores se
queixaram de que o asfalto está afundando, que os quintais foram
compactados a tal ponto que ninguém consegue fazer um canteiro para
horta, que as chaves das portas abrem várias casas, e que os
problemas de alcoolismo se agravaram e até casos de suicídio já
ocorreram. "Nós, cristãos, temos o mau hábito de confiar. Por isso,
construíram uma igreja com um projeto que não aprovamos, e chove lá
dentro. Se não se respeita nem a Casa de Deus, imaginem as casas das
pessoas simples!", protestou o pastor luterano Agenor Berg.
Um problema grave de Itueta foi apontado pelo
vereador Romildo Tavares, que é o acesso do povo do norte do
município à nova sede: "Antes bastava atravessar o rio de balsa.
Hoje eles têm que alugar motos para vir receber sua aposentadoria, e
fazem o seu comércio com Baixo Guandu, no Espírito Santo", afirmou.
Romildo exige que o consórcio recomponha a estrada tradicional,
margeando o lago, para não isolar as duas porções da comunidade. "Se
explodiram 20 quilômetros de pedreira para refazer a estrada de
ferro, porque não querem explodir dois quilômetros para nos devolver
nossa estrada?", indagou.
Sonhos, esperanças e promessas não
cumpridas
A tabeliã Ruth Velo Cremasco Tavares Soares falou
com emoção da necessidade de resgatar a memória de Itueta, da perda
das referências, do museu vazio. "Nós somos a parte mais
violentamente afetada pela obra, nós é que sofremos os maiores
problemas psicológicos", disse ela. Rosângela Nicoli, diretora da
Escola Américo Vespúcio, queixou-se das salas vazias do prédio
construído pelo consórcio. O pastor evangélico Samuel Vieira Soares
revelou seu sonho de construção de um centro educacional com 13
áreas de especialização para os jovens de Itueta.
Divergências a respeito do método de remoção dos
moradores exaltaram a platéia e a assessora de comunicação do
Consórcio, Adriana Maugeri. O morador Carlos Miranda do Amaral disse
que foram convencidos por Maugeri a deixar suas casas e se mudar
para Nova Itueta, com a promessa de cesta básica e um ano de água de
graça, promessa não cumprida. "Quem não aceitou foi pressionado a
sair, ouvindo as explosões das casas ao lado, e vendo os vidros
caindo de suas janelas". Adriana Maugeri reagiu com indignação,
afirmando que jamais fez tais promessas. Quinze pessoas se ergueram
e apontaram para ela, confirmando a denúncia. Os deputados
questionaram se a negociação de remoção de pessoas seria função de
assessor de imprensa, e não de assistentes sociais e engenheiros
especializados.
Atingidos em Resplendor se queixam de
desrespeito
A reunião marcada para as 17 horas no Resplendor
Tênis Clube começou às 19h30 e terminou pouco antes da meia-noite, e
foi o desfiar de relatos pungentes das afrontas que teriam sido
cometidas pelo consórcio contra os mais simples dentre os
ribeirinhos. Adão Mota, da associação dos areeiros, relatou como o
consórcio oprimiu sua atividade. Darli Bossanelli, da associação dos
ribeirinhos, enumerou histórias de moradores que tiveram sua vida
destruída após a instalação da obra, e que por denunciar isso tinha
sido chamada de "louca" e "esclerosada".
Antônio José Moreira disse que iludiram o povo
dizendo que Resplendor se tornaria a Copacabana do Rio Doce, com
praias de livre acesso e esportes naúticos, mas que os diques que
estão construindo não dão acesso às margens. Juarez Rodrigues dos
Santos, citando trabalhos hidrológicos, traçou um quadro pessimista
para o futuro da cidade: "Resplendor não tem estrutura e fundações
para a súbita elevação do lençol freático que ocorrerá. Com a
trepidação da ferrovia, as casas vão trincar, depois rachar e
cair".
Fernando Orsini, engenheiro da UHE Aimorés, disse
que os diques são apenas para dar segurança adicional, já que o
nível da água subirá no máximo 98 centímetros à altura da ponte.
Acrescentou que os estudos hidrológicos de que dispõe não revelam
risco para a cidade. O prefeito Almir de Souza Muniz, por sua vez,
está alarmado com os custos dos benefícios prometidos à cidade.
"O consórcio assumiu que 100% das residências terão
coleta de esgotos, mas as ligações, pelo menos 4 mil, caberão ao
município. Eles estão construindo as redes, mas queremos que o piso
das ruas nos seja devolvido pelo menos no estado em que estava. O
aterro sanitário também nos trará custos altíssimos, que serão de R$
240 mil por ano, e só arrecadamos R$ 3 mil para essa finalidade.
Também o abatedouro será oneroso, e vamos ter que discutir taxas
para o abate", avisou.
Ao final da reunião, o deputado José Henrique foi
informado de que não há promotor público na cidade, e que o juiz foi
indicado recentemente para o cargo. Vários moradores cercaram o
deputado para denunciar que, quando juízes e promotores se
interessam pelos seus problemas, logo são transferidos.
Presenças: Deputados Paulo
Foletto (PSB-ES), presidente da Cipe Rio Doce; Márcio Passos (PL),
coordenador estadual; José Henrique (PMDB), relator; Célio Moreira
(PL); deputadas Elisa Costa (PT-MG) e Luzia Toledo (ES); deputado
federal Mauro Lopes (PMDB-MG)
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