Audiência debate falência do sistema prisional do
Estado
"Desafio o governo do Estado a apontar uma única
penitenciária que esteja cumprindo, na íntegra, o que dispõe a Lei
de Execução Penal. Desafio qualquer penitenciária a mostrar que está
desenvolvendo um trabalho de ressocialização, em vez de servir como
mero depósito de presos." A incitação, feita em tom de desabafo e
indignação, é do juiz da Vara de Execuções Criminais da Comarca de
Belo Horizonte, Herbert José Carneiro de Almeida, ao participar de
audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembléia
Legislativa, na manhã desta terça-feira (30/8/05). A reunião,
convocada a requerimento do deputado Ermano Batista (PSDB), debateu
a campanha pelo fim das carceragens nas delegacias policiais, a ser
promovida ainda este ano pelo Conselho da Comunidade, entidade que
reúne representantes de diversos setores envolvidos com a questão
carcerária e que atua como órgão auxiliar da Vara de Execuções
Criminais da Capital.
Para o juiz Herbert Carneiro, há uma queda-de-braço
entre a Subsecretaria de Administração Penitenciária, a Chefia da
Polícia Civil e o secretário adjunto de Defesa Social no
enfrentamento dos problemas do sistema prisional e penitenciário
estadual. "O problema prisional é gravíssimo e não comporta questões
pessoais e jogo de vaidades", criticou o magistrado. Ele defende,
como solução imediata para a falta de vagas para presos condenados,
a melhor utilização do espaço físico existente nas penitenciárias,
com a acomodação de mais de um preso em cada cela.
Na opinião de Herbert Carneiro, embora a Lei de
Execução Penal (LEP) determine um espaço mínimo de 6m² para cada
preso, o descumprimento desse dispositivo, com dois presos em cada
cela, seria um mal menor diante da situação atual. Hoje, além da
promiscuidade gerada pela convivência entre presos condenados e
provisórios nas carceragens de delegacias, o que também fere a LEP,
a superlotação é o retrato mais comum das cadeias públicas, onde
policiais tomam conta de presos e os detentos se espremem em celas
com menos de 0,3m² para cada um, tendo que se revezar até para
dormir. A Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, por
exemplo, que tem capacidade para 60 presos, está atualmente com
580.
Especialistas endossam críticas ao modelo
prisional
Herbert Carneiro admitiu que o Judiciário e o
Ministério Público também têm suas parcelas de culpa pelo caos do
sistema prisional. O Judiciário, não só pela morosidade nos
julgamentos, mas também por "não atuar de maneira mais responsável
no que diz respeito à execução penal, adotando penas alternativas".
E o MP, por "denunciar o que não precisa ser denunciado", além de
não conhecer de perto a realidade das carceragens.
As críticas do juiz foram endossadas por diversos
especialistas que também participaram da audiência pública e
defenderam a necessidade de se repensar o atual modelo prisional.
Marcos Afonso de Souza, do Conselho de Criminologia e Política
Criminal do Estado, elogiou a unificação das antigas secretarias de
Justiça e de Segurança Pública na Secretaria de Defesa Social, mas
disse que o objetivo de integração das polícias Civil e Militar
ainda não foi alcançado. O delegado Wellington Peres Barbosa, da
Delegacia Seccional de Venda Nova, propôs a formação de uma comissão
permanente para planejar a questão penitenciária e denunciou a
desumanidade da superlotação nas carceragens das delegacias.
Maronita Dutra, defensora pública, comparou as
cadeias a "criadouros de animais" e cobrou mais atenção das
autoridades para o problema e mais recursos para investimentos no
setor. O pastor Roberto Luiz da Silva, também membro do Conselho da
Vara de Execuções Criminais, ressaltou a importância do trabalho de
ressocialização de presos, criticou a opção do governo pela
construção de "cadeiões" e considerou que o Estado não tem tratado
adequadamente a questão do tráfico de drogas, maior fonte dos
problemas relacionados à segurança pública. Rodrigo Torres de
Oliveira, do Conselho Regional de Psicologia, também considerou "um
equívoco, uma imoralidade e uma ilegalidade" a manutenção de
cárceres nas delegacias, e disse que em Porto Alegre isso já não
existe desde a década de 80.
Deputados sensibilizados com o problema
Embora tenha considerado correto o diagnóstico
feito pelo juiz Herbert Carneiro, o deputado Zé Maia (PSDB),
presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia, declarou
que seria uma injustiça não reconhecer os esforços do governador na
busca de soluções para o problema penitenciário, apontando, como
exemplo dessa disposição, o fato de que o número de vagas nas
penitenciárias estaduais deverá triplicar até o final do atual
governo. O deputado convidou o juiz a participar de audiência no
próximo dia 13 que irá debater o assunto com o secretário de Defesa
Social, Antônio Anastasia.
Ermano Batista (PSDB), autor do requerimento que
deu origem à audiência, disse que o sistema prisional está falido e
que é necessário convocar todas as instituições da sociedade -
igrejas, escola, família, empresas e outras - para buscarem uma
alternativa, pois o Estado, sozinho, não conseguirá dar uma resposta
para o problema. O deputado Antônio Júlio (PMDB) avaliou que falta
vontade política aos órgãos de segurança pública para enfrentarem o
desafio de encontrar uma solução, e apontou como exemplo positivo o
caso do município de Pará de Minas, em que foi construída uma
penitenciária e desativadas a cadeia pública e o albergue locais.
Doutor Viana (PFL) também ressaltou a importância da mobilização de
todos na procura de uma saída para o grave problema das
carceragens.
Comercialização de uniformes e distintivos
policiais
Ainda na reunião desta terça-feira (30), a Comissão
de Segurança Pública aprovou pareceres sobre três projetos de lei
(PLs) e cinco requerimentos, além de proposições que dispensam
apreciação do Plenário. O primeiro projeto, analisado em 1º turno,
foi o PL 1.945/04, do deputado Doutor Viana , que estabelece
restrições à comercialização de peças de uniformes, fardas,
distintivos e insígnias da Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de
Bombeiros Militar, Departamento de Trânsito e outros órgãos de
segurança pública. A comissão aprovou parecer do relator, deputado
Antônio Júlio, favorável ao projeto na forma do substitutivo nº 1,
da Comissão de Constituição e Justiça, que aperfeiçoa a redação e
corrige vício de iniciativa na proposição original.
Rejeição - O segundo
projeto analisado, também em 1º turno, foi o PL 2.191/05, do
deputado Leonardo Moreira (PL), que cria o serviço voluntário de
capelania carcerária em todos os estabelecimentos dos sistema
penitenciário. O relator, deputado Sargento Rodrigues (PDT), opinou
pela rejeição do projeto, por entender que um serviço voluntário não
pode ser objeto de regulamentação pelo Legislativo. O parecer foi
aprovado pela comissão.
Perito - O terceiro
parecer aprovado foi favorável ao PL 2.331/05, do deputado Arlen
Santiago (PTB), que institui o Dia do Perito Examinador de Trânsito.
A proposição tramita em turno único e o relator foi o deputado
Sargento Rodrigues.
Requerimentos aprovados
A comissão aprovou, ainda, cinco requerimentos:
* do deputado Sargento Rodrigues, solicitando que o
secretário de Defesa Social, Antônio Anastasia, e o prefeito de
Governador Valadares, Bonifácio Mourão, sejam incluídos na lista de
convidados da reunião que vai discutir, em audiência pública a ser
realizada em Governador Valadares, as questões relacionadas à
logística dos órgãos de segurança no município e à cadeia pública
local, incluindo-se reforma, contratação de agentes de segurança
penitenciários;
* do deputado Sargento Rodrigues, pedindo que seja
enviado ofício ao promotor de Justiça da Primeira Auditoria da
Justiça Militar Estadual cobrando providências relativas às
denúncias encaminhadas pela Associação dos Praças do Nordeste
Mineiro (APNM);
* do deputado Zé Maia, para que seja encaminhada
cópia da "Carta Pública de Curvelo" ao secretário de Defesa Social,
ao comandante-geral da PM e ao chefe da Polícia Civil;
* do deputado Zé Maia, em que requer que seja
consignada nos anais da Casa manifestação de aplauso aos policiais
que participaram da operação integrada que resultou na captura dos
assaltantes de agência do Banco do Brasil em Frutal; e
* do deputado Zé Maia, que solicita, tendo em vista
convite formulado pelo Deop para que a comissão acompanhe aquele
órgão em visitas técnicas às obras do sistema prisional, seja
oportunamente agendada, em acordo com o Deop, data e horário para a
realização das mencionadas visitas.
Presenças - Deputados Zé
Maia (PSDB), presidente; Ermano Batista (PSDB), Antônio Júlio
(PMDB), Sargento Rodrigues (PDT), Alberto Pinto Coelho (PP) e Doutor
Viana (PFL) e deputada Elisa Costa (PT).
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