Café com bauxita: uma mistura difícil na Zona da
Mata
Dois empreendimentos de exploração de bauxita, com
dimensões ainda não reveladas pelos empresários, estão prestes a ser
iniciados na Zona da Mata, afetando milhares de pequenas
propriedades dedicadas à agricultura familiar e à cafeicultura, numa
área de nove municípios onde vivem 172 mil pessoas, e com impactos
ambientais significativos sobre o entorno do Parque Estadual da
Serra do Brigadeiro. Três deputados das comissões de Participação
Popular e de Meio Ambiente e Recursos Naturais deslocaram-se para a
região nesta sexta-feira (26/8/05), para debater o assunto com os
empresários, os cafeicultores, ambientalistas e autoridades.
Segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente
(Feam), estão em processo de licenciamento 31 áreas concedidas pelo
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) à Companhia
Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim, e 11 à Mineração
Rio Pomba, ambas de capital nacional. Quase todas essas áreas foram
solicitadas entre 1976 e 1981, antes da legislação ambiental
vigente. 70 mil poços de pesquisa foram perfurados na região,
delimitando nos arredores da Serra do Brigadeiro a segunda maior
jazida de bauxita do País, inferior apenas à do Pará.
Quase todas as concessões da CBA e da Rio Pomba já
têm a licença prévia e a licença de instalação. A licença final, de
operação, ainda precisa ser expedida pelo Comitê de Política
Ambiental (Copam), com aquiescência integrada da Feam, do Instituto
de Gestão das Águas (Igam) e do Instituto Estadual de Florestas
(IEF-MG). A confiança dos empresários da CBA na aprovação é tal que
estão construindo, em Rosário da Limeira, uma barragem para a
lavagem do minério que tem o porte de um reservatório de usina
hidrelétrica.
Os planos de mineração, desenvolvidos quase em
sigilo pelas empresas, preocupam a comunidade dos municípios
afetados, que reclama de não ter sido convidada a participar das
discussões. Alarmados pela movimentação de máquinas nos últimos dois
anos, ambientalistas da Zona da Mata e a Comissão Pastoral da Terra
(CPT) levaram o assunto à Comissão de Participação Popular da
Assembléia no ano passado, pedindo uma audiência pública conjunta
com a Comissão de Meio Ambiente. A Reunião foi realizada no ginásio
poliesportivo de Rosário da Limeira, com a participação de quatro
deputados, dezenas de ambientalistas e cerca de 400 agricultores
mobilizados pelas ONGs, pela CPT e pelo prefeito Cristóvão Gonzaga
da Luz, que decretou feriado municipal para apoiar o evento.
Apenas 150 empregos serão gerados
A audiência pública conjunta foi presidida
inicialmente pelo deputado Carlos Gomes (PT), que falou sobre a
importância de geração de empregos no País, desde que a legislação
ambiental e os direitos dos agricultores sejam respeitados. O
deputado André Quintão (PT), que havia recebido a denúncia, frisou
que a tradicional atividade de agricultura familiar da região será
afetada, causando problemas sociais e ambientais. Por sua vez, o
deputado Biel Rocha (PT), relatou os esforços da Assembléia para
comparecer em qualquer região do Estado onde sua presença for
solicitada.
A Feam, o IEF e o Copam da Zona da Mata estiveram
presentes, e sua atuação no processo de licenciamento foi criticada
pelos ambientalistas. Vários representantes das empresas CBA e Rio
Pomba também acompanharam a audiência, mas apenas o coordenador de
meio ambiente da CBA, Felipe Parizzi, foi ao microfone dar
explicações. Parizzi admitiu que o empreendimento pretende retirar
300 mil toneladas de minério por mês, fazer o beneficiamento
primário e remeter as cargas para São Paulo, mas vai criar apenas
150 empregos de carteira assinada para a população local, além de
outros 300 para motoristas e operadores de máquinas terceirizados,
que devem vir de fora.
Pelo plano de lavra apresentado aos deputados, o
solo fértil que recobre as jazidas será retirado e estocado, e em
seguida as máquinas entram para tirar e carregar o minério, que será
levado à barragem para desmonte hidráulico e separação da argila. O
concentrado pode ser enviado por ferrovia a São Paulo, ou
beneficiado até a forma de óxido de alumínio numa indústria a ser
montada em Cataguases. Há também a idéia de se construir um
mineroduto, como o que a Samarco utiliza para bombear minério
diluído em água de Mariana até Vitória, no Espírito Santo. Parizzi
informou que cada jazida seria explorada por cerca de seis meses, e
que em dois anos a área minerada estaria "reconformada" para ser
devolvida aos proprietários.
O engenheiro Christian Fonseca de Andrade revelou
que, pelo teor do minério das jazidas da Zona da Mata, cada 13
toneladas de bauxita bruta resultarão em uma tonelada de alumínio, e
que a CBA está se instalando na região para uma longa permanência,
porque as jazidas teriam potencial de exploração para cerca de cem
anos. O pessoal da empresa não admite que esteja negociando
compensações irrisórias, mas Antônio Maria Fortini, da CPT,
denunciou que a oferta aos agricultores é de apenas R$ 0,17 por
tonelada extraída e R$ 60,00 de aluguel mensal por hectare.
"Calculamos que, em média, o agricultor receberá R$ 4.600,00 por uma
terra que, cultivada, renderia R$ 11 mil. E ao final da exploração,
receberia sua terra esburacada, destruída, incapaz de
produzir".
Empreendimento sob fogo cerrado dos
ambientalistas
O sentimento geral da platéia era de indignação
contra o descaso das empresas em discutir claramente seus planos com
a comunidade e adotar medidas mitigatórias e de prudência ambiental.
E também de censura aos órgãos ambientais pelo falto de promoverem
audiências públicas com pouca divulgação, antes de emitirem as
licenças prévias e de instalação. Alijados da discussão de algo que
virá transformar radicalmente sua paisagem e seu modo tradicional de
vida, ativistas da ecologia e dos direitos humanos se fortaleceram
em ONGs e passaram a investigar por conta própria os processos de
licenciamento.
Binka Le Breton, inglesa radicada há 15 anos em
Rosário da Limeira e engajada em projetos integrados de agricultura
e proteção da Mata Atlântica, disse que são 90 os processos de
licenciamento de lavras de bauxita em toda a Zona da Mata,
abrangendo 75 mil hectares. Destes, 46 estão no entorno do Parque e
quase todos já têm licença prévia e licença de instalação. "A
comunidade teria que ser ouvida antes da licença prévia, mas isso
não aconteceu. O Brasil é um grande país e deveria se mostrar líder
mundial em desenvolvimento justo e sustentável, sem seguir os
exemplos de destruição de outros países", disse ela.
O marido de Binka, Robin Le Breton, é membro do
Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, e
disse que jamais foi convidado pela Feam e pelo IEF para discutir os
sérios riscos que a mineração de bauxita traz para a zona de
amortecimento do parque, que é de dez quilômetros no seu entorno.
"Para se ter uma idéia da importância desse ecossistema para o
mundo, o governo alemão está doando 15 milhões de euros para a
preservação da Mata Atlântica", informou o ecologista.
O índio Jurandir apresentou-se como descendente dos
indígenas puris que viviam ao redor da Serra do Brigadeiro, desde
que se chamava Serra dos Arrepiados. "Vejo no rosto de cada
agricultor aqui os traços dessa etnia. Alguns ainda falam um pouco
da língua indígena. O parque é sagrado para nós, porque ali estão as
ossadas dos nossos antepassados", disse ele.
Um mapa feito por satélite, exibido aos deputados,
mostra que várias concessões de jazidas estão na zona de
amortecimento contígua ao parque, rentes aos seus limites. O
representante de uma ONG disse que, na indústria de alumínio, cada
gigawatt gasto gera apenas 0,7 emprego, quando no ramo de bebidas e
alimentos gera 56 postos de trabalho. Outro cidadão receia que a
poeira do minério de bauxita levantada numa jazida vá danificar os
cafezais ao redor. A cada ataque ao empreendimento, a platéia
aplaudia. A cada defesa, como as de Felipe Parizzi e do médico da
CBA, a platéia vaiava e levantava um cartão vermelho para simbolizar
sua condenação à iniciativa.
Ao final da audiência, os deputados apresentaram
vários requerimentos. Biel Rocha quer saber se o IEF já disciplinou
a ocupação da área de amortecimento com um plano de manejo adequado.
André Quintão quer apurar as formas de contratação - de aluguel ou
compra das propriedades -, e se ocorrem pressões ilegais para
retirar moradores. Quer também que a Feam convoque audiência pública
em todos os nove municípios afetados antes que seja concedida a
licença de operação. São eles: Araponga, Divino, Ervália,
Fervedouro, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita, Rosário da Limeira e
Sericita.
Os dois deputados propuseram aos representantes dos
órgãos ambientais presentes que interrompessem o processo de
licenciamento até que todas as questões sejam esclarecidas e que os
direitos da população sejam respeitados. Em seguida, Biel Rocha e
André Quintão foram visitar a construção da barragem de lavagem da
bauxita, num vale escondido atrás de serras a cerca de 15 km de
Rosário da Limeira, no município de Miraí. Muitos scrappers,
caminhões e máquinas pesadas trabalhavam num ritmo intenso naquela
obra que impressionou os deputados pelas dimensões.
Presenças - Deputados
André Quintão (PT), Biel Rocha (PT) e Carlos Gomes (PT); e deputado
federal César Medeiros (PT-MG). Além dos citados na matéria,
participaram o diretor do IEF-MG, Geraldo Fausto da Silva; o
coordenador da Fetaemg, Wanderlei Chilezzi; a presidente da Câmara
de Rosário da Limeira, Maria Aparecida Ribeiro Pedrosa; o gerente do
IEF em Muriaé, Fernando Reiff; e os representantes da Feam, Regina
Maia Guimarães; e do Copam da Zona da Mata, Rodrigo Teixeira
Oliveira; e o capitão PM Moreira.
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