Redução de danos a usuários de drogas é debatida na Comissão de Saúde

Medidas de atendimento a usuários de drogas injetáveis, como a substituição de seringas e agulhas, e distribuição de ...

10/08/2005 - 00:00
 

Redução de danos a usuários de drogas é debatida na Comissão de Saúde

Medidas de atendimento a usuários de drogas injetáveis, como a substituição de seringas e agulhas, e distribuição de preservativos, dissociadas de qualquer tipo de repressão policial, estão contidas num projeto de lei em discussão na Assembléia, sob os princípios da redução de danos. O PL 1.987/2004, de autoria do deputado Ricardo Duarte (PT), tem como relator o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), e foi discutido por profissionais de saúde e representantes de organizações não-governamentais na Comissão de Saúde, nesta quarta-feira (10/8/2005).

Ricardo Duarte disse que o objetivo do seu projeto é mudar a visão das políticas públicas do Estado quanto às drogas lícitas e ilícitas, já que 10% da população dos grandes centros urbanos é dependente de álcool ou drogas psicoativas. "Há uma relação direta entre alcoolismo e drogas e os índices de violência, mortes e agressões", disse o deputado. "Os dependentes precisam de tratamento integral e de apoio qualificado, e não do preconceito", acrescentou.

O PL 1.987/04 é sucessor de outro projeto de lei, apresentado anos atrás pelo deputado Adelmo Carneiro Leão, que não passou pela Comissão de Constituição e Justiça. "Quando apresentei a proposta, a resistência era tal que fui aconselhado a não insistir, porque poderia perder votos", lembra Carneiro Leão. "Hoje, felizmente, o preconceito diminuiu muito", comemora Antero Drumond Jr., presidente do Conselho Estadual Antidrogas. "Quando falávamos em troca de seringas, diziam: 'Aqui não'. Fomos rechaçados várias vezes. Agora estamos abrindo caminhos", informou.

O psiquiatra Fernando Grossi, do Centro de Toxicomania da Fhemig, foi mais além. "Tínhamos um projeto piloto, financiado pelo Ministério da Saúde, para entregar seringas a usuários de drogas da cidade de Frutal, no Triângulo, e do Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, que reviravam o lixo hospitalar para pegar seringas. Eu e a colega Raquel Pinheiro fomos impedidos de trabalhar e ameaçados de prisão se continuássemos, devido ao moralismo das autoridades. Esta lei virá acabar com esse tipo de abuso", relatou. Grossi disse que, em contraponto à guerra contra as drogas, os princípios da Redução de Danos reconhecem o direito das pessoas de buscarem satisfação nessas substâncias, e às políticas públicas de saúde.

Princípios da Redução de Danos surgiram há quase um século

Ana Cecília Petta Rosetti Marques, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras drogas, informou que a idéia da redução de danos surgiu em 1920, devido à mortandade dos usuários de morfina, cocaína e heroína. Em 1930 foi sintetizada a metadona, droga que também causa dependência, mas que era prescrita sob controle médico, até se alcançar a abstinência. Quanto ao álcool, a recomendação era de moderação nas doses, até que o dependente deixasse de beber. "Programas de distribuição de seringas, agulhas e camisinhas têm resultados comprovados. Já a distribuição de cachimbos para crack, a meu ver, precisa de mais pesquisas", ponderou.

Os resultados da Redução de Danos, segundo Antonieta Guimarães Bizzotto, terapeuta da ong Terceira Margem, são de 1% de contaminação com HIV e hepatite C para quem troca seringas, agulhas e preservativos, contra os 80% dos grupos que não trocam. Outra estatística citada pela psicóloga, esta desanimadora, é de que o índice de fracasso para evitar a reincidência nas drogas é de 70%. Por isso ela recomenda ênfase na prevenção, a cargo das escolas, mas adverte que "os professores não estão capacitados para fazer esse trabalho".

A psiquiatra Karla Maria Barbosa Miranda relatou que se demitiu do centro de saúde de Diamantina após sofrer na pele com o fechamento dos manicômios, sem oferecer nada em troca aos pacientes. "Gostaria de manifestar minha decepção com as idéias geniais que acabam sendo adotadas de maneira inútil. Esses grupos para expressar sentimentos, a meu ver, são estratégia para pobre, porque não incluem tratamentos nem alternativas para o usuário que deseja se tratar. A 'desospitalização' foi adotada por ser mais barata. Gostaria que as pessoas pudessem ser tratadas dentro dos níveis de complexidade do SUS, de acordo com cada caso", sugeriu.

Drogados não são bandidos nem doentes

A inutilidade dos grupos de expressar sentimentos, levantada pela psiquiatra, foi contra-argumentada por Helbert Saraiva, agente da ong Redamig, que disse desconhecer os motivos, mas ter certeza da diminuição da violência entre os usuários de substâncias psicoativas que recebem atenção da Redamig. "Nos relacionamos com eles com atenção e respeito. Não os consideramos nem bandidos, nem doentes. Reconheço, no entanto, que é difícil falar em reinserção social para quem nunca teve nada. Nem família, nem acesso a educação, saúde e trabalho", disse Saraiva.

O deputado Fahim Sawan (PSDB) revelou que iniciou sua carreira de médico em Uberaba, em 1983, quando morreu de Aids o estilista Markito, e que fez sua tese de mestrado na USP sobre essa epidemia. "Logo compreendi que não era possível dissociar a Aids do consumo de drogas. Até hoje sempre faço palestras pregando o uso da camisinha nas vésperas do Carnaval".

As sugestões para operacionalização da redução de danos através do SUS incluíram a capacitação das equipes de Saúde da Família, mas o deputado Fahim Sawan criticou a descontinuidade do programa devida à demissão, por motivos políticos, do pessoal treinado quando muda o prefeito. O deputado Ricardo Duarte, ao final da reunião, notou que foram feitas poucas críticas ao conteúdo do projeto, e agradeceu as contribuições oferecidas ao relator.

Presenças - Deputados Adelmo Carneiro Leão (PT), presidente; Carlos Pimenta (PDT), vice-presidente; Fahim Sawan (PSDB) e Ricardo Duarte (PT). Além dos citados, estavam presentes também Ana Regina Machado, diretora do Centro Mineiro de Toxicomania; Raquel Pinheiro, da Associação Mineira de Prevenção às Drogas; Major Débora Correa Teixeira, médica do Hospital João XXIII; e Geisa Fernandes Calbert, da Secretaria Especial Antidrogas.

 

 

 

 

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