Transposição do São Francisco é discutida em Ciclo de
Debates
Discutir o projeto do Governo Federal de integração
da Bacia do Rio São Francisco com bacias hidrográficas do Nordeste
Setentrional do Brasil, diante da concessão do licenciamento
ambiental prévio. Este foi o objetivo do Ciclo de Debates
"Transposição do Rio São Francisco", nesta segunda-feira (27/6/05),
no Plenário da Assembléia Legislativa. O ciclo é uma parceria entre
o Legislativo Mineiro, o Jornal O Tempo e o Projeto Manuelzão. A
abertura do evento foi feita pelo deputado Doutor Ronaldo (PDT) e os
debates foram coordenados pelo deputado Laudelino Augusto (PT).
"A Assembléia Legislativa acredita que o caminho
mais adequado para a solução dos conflitos de interesses é o diálogo
e a ampla discussão com todos os setores envolvidos da sociedade",
afirmou o deputado Doutor Ronaldo (PDT). Para ele, a sociedade
brasileira não está devidamente esclarecida sobre o projeto, por
isso é preciso analisar melhor a questão e assegurar que a
transposição não terá conseqüências negativas, e que tampouco
comprometerá a sobrevivência do São Francisco. O deputado destacou o
trabalho da Cipe São Francisco, formada por deputados de Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, desde 1991, para
estudar a recuperação e a preservação da bacia.
O diretor-presidente do jornal "O Tempo", deputado
federal Vittorio Medioli (PV-MG), disse que no Brasil existem 28
grandes obras inacabadas, e que a transposição pode ser mais uma
delas. Destacou que estão previstos R$ 4 bilhões somente para a
etapa inicial da obra, e que o valor total estimado é de R$ 20
bilhões. "Este projeto é um equívoco, por isso não tem apoio de
nenhum órgão internacional. A história, mais cedo ou mais tarde,
dará o seu veredicto, que será o pior possível", opinou. O deputado
lembrou ainda que o lençol freático do Norte e Nordeste do Brasil
tem capacidade de abastecimento superior a da Bacia do São
Francisco, e que poderá ser explorado evitando gastos com a rede de
distribuição, sem gerar transtornos.
Para o coordenador da Cipe São Francisco em Minas,
deputado Gil Pereira (PP), o projeto precisa ser melhor discutido.
Ele elogiou a atuação dos ministérios públicos Estadual e Federal,
na luta contra a transposição e opinou que o ministro da Integração
Nacional, Ciro Gomes, está fazendo do projeto uma bandeira política.
"Queremos que o Governo Federal tenha mais sensibilidade. Vários
deputados estaduais e federais, que antes tinham uma postura
favorável à transposição, estudaram melhor o assunto e mudaram a
postura", esclareceu.
STJ suspendeu licenciamento e licitação da
obra
"Eu não estou ligado a nenhum partido político por
isso meu trabalho não visa à próxima eleição, e sim à próxima
geração. Estas foram as primeiras palavras do presidente do Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e Coordenador do Projeto
Manuelzão, Apolo Heringer Lisboa. Ele mostrou um manifesto assinado
por 111 instituições do Ceará, contra a Transposição do Rio São
Francisco. "Este é um projeto mentiroso, ligados à empreiteiras,
esquemas eleitorais e financiamentos de campanhas", afirmou. De
acordo com ele, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça
suspendeu o licenciamento ambiental e a licitação para o início das
obras. "Eles falam que as obras já vão começar, só para desanimar a
gente de continuar lutando contra a transposição", acrescentou. Para
Heringer, o abastecimento às populações que não têm água deve
começar por Minas. Lembrou o projeto Jaíba, no Norte de Minas,
criado em 1973 para irrigar 100 mil hectares. "Já foram gastos US$
500 milhões e, até hoje, foram irrigados somente 10 mil ha. O Jaíba
exige uma elevação de apenas 19 metros do rio São Francisco, e até
hoje suas obras não foram concluídas".
Ao concluir sua exposição, Apolo Heringer convocou
o violeiro Vicente Faul dos Santos, que cantou um cordel alertando a
população barranqueira sobre os aspectos negativos do projeto de
transposição. A tradução dos temas técnicos em rimas na linguagem
popular foi elogiada pelo secretário do Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho.
Governo Federal defende projeto de integração de
bacias
A mesa de debates teve a participação do secretário
José Carlos Carvalho; do diretor de Licenciamento e Qualidade
Ambiental do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior; do diretor técnico do
Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas
do Nordeste Setentrional, João Urbano Cagnin; e da vereadora Neila
Batista, representando a Câmara Municipal de Belo Horizonte.
A defesa do projeto coube João Urbano Cagnin, como
representante do ministro Ciro Gomes, que lembrou que é a terceira
vez que vem a Minas Gerais para expor, segundo ele, de maneira
isenta e do ponto de vista técnico, sobre o empreendimento. Afirmou
ainda que o projeto não atinge o Brasil, Minas Gerais ou a bacia
como se tem dito. "Nós aceitamos a crítica e a polêmica. Sabemos que
toda vez que um projeto envolve a água, cria-se uma expectativa, um
conflito dos envolvidos, mas a União tem que ver a população como um
todo", afirmou.
Entre as justificativas técnicas, João Urbano
Cagnin disse que nenhum outro projeto teria potencial para
beneficiar tanta gente - previsão de 12 milhões de brasileiros
beneficiados que fazem parte do Polígono das Secas -; por isso teria
sido listado como prioridade num grupo de trabalho composto por
cinco ministérios. Argumentou ainda que ele não é oneroso para o
País (custo estimado de R$ 4,5 bilhões), já que outros projetos em
andamento, como construção de hidrelétricas, teriam custo
equivalente. O diretor técnico também argumentou que a água
armazenada hoje em açudes do Nordeste - que seriam 13 bilhões de m3
e não 37 bilhões, como dito antes dele - poderia ser liberada para
abastecimento se houvesse a transposição. Outro ponto levantado por
ele é que 95% da água do Rio São Francisco vai para o mar. "Existe
água. É um projeto que distribui de maneira eqüitativa a água no
Brasil", opinou. "Nós achamos que os brasileiros têm direito a
sobreviver e para isso precisam de água".
Projeto de engenharia começou no governo Fernando
Henrique
João Urbano Cagnin rebateu a informação de que o
projeto de transposição estava sendo montado às pressas para atender
a interesses eleitoreiros do Governo, ao dizer que vem sendo
estudado há mais de dez anos. Essa informação também foi confirmada
pelo secretário José Carlos Carvalho e pelo diretor de Licenciamento
e Qualidade Ambiental do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior. Kunz disse
que o projeto de integração de bacias começou a ser elaborado em
1994 e foi suspenso entre 2001 e 2003. Foi retomado em julho de 2004
e, segundo Luiz Felipe, em setembro desse ano o Ibama concordou com
a viabilidade técnica do projeto. "Nos compete avaliar o impacto
ambiental de um empreendimento. Não nos cabe a questão política",
afirmou Luiz Felipe.
Após a conclusão pela viabilidade técnica do
projeto de integração do São Francisco, o diretor do Ibama lembrou
que foram feitas várias audiências públicas para a sociedade
conhecer, discutir e apresentar propostas para o projeto. Depois de
encerrado esse processo - em fevereiro de 2005 - o Ibama realizou
uma vistoria nos dois eixos dos canais propostos, finalizando com
concessão da licença-prévia para o projeto. O projeto consta do eixo
Norte, com 402 km de extensão, e o eixo Leste, com 220 km.
O secretário José Carlos de Carvalho - que foi
ministro do Meio Ambiente do presidente Fernando Henrique e se opôs
à execução do projeto - afirmou que suas posições já são conhecidas,
e disse que iria limitar-se a apontar incoerências no projeto e nos
documentos do Governo. A primeira delas seria a retificação da
decisão do Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco pelo
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, alterando a regra da
concessão de 26 metros cúbicos por segundo para 127 m³/s quando a
represa de Sobradinho estivesse cheia, o que só acontece menos de
quatro anos em cada dez. "Parece-me inconcebível que se monte uma
estrutura para 127 metros para deixá-la ociosa 65% do tempo.
Suspeito que, quando a obra estiver pronta, esse mesmo Conselho pode
alterar a regra.
Outro ponto que Carvalho criticou foi a licença
prévia de 39 páginas emitida pelo Ibama, que contempla grandes
estudos sobre as bacias receptoras e nenhum sobre a doadora. "Isso
até causa desconforto no Governo de Minas, porque, se produzimos
73,5% das águas que chegam a Sobradinho, também produzimos a maior
parte da carga poluidora. Se o estudo incluísse a bacia do São
Francisco, ficaria evidenciada a nossa responsabilidade no passivo
ambiental", disse o secretário.
Usinas hidrelétricas do projeto seriam 'usinas
vagalume'
A informação de Cagnin sobre a diminuição da
produção de energia elétrica da Chesf a jusante de Itaparica, que
seria de 55 megawatts, também foi contestada por José Carlos
Carvalho. "O que está no relatório do Ibama é uma redução de 137 MW.
Se somarmos a isso a demanda do bombeamento, que será de 302 MW,
chegaríamos a 439 MW de perda. No entanto, duas PCHs estão previstas
no projeto, para gerar 52 MW, reduzindo a perda para 387 MW, e
seriam usinas 'vagalume', porque só funcionariam quando Sobradinho
estivesse cheia", raciocinou.
O secretário ainda considerou uma temeridade que o
presidente Lula tivesse anunciado o início das obras para agosto
próximo, em pronunciamento em rede nacional, na última quinta-feira,
e culpou a assessoria. "Criaram um embaraço para o presidente,
porque esse prazo não poderá ser cumprido. A obra não poderá ser
iniciada antes que o Ibama emita a Licença de Instalação, e essa
licença depende de 30 condicionantes, dos quais 12 são programas e
ações novas. É quase como se tivesse que ser elaborado um novo
relatório de impacto ambiental. Ademais, o STJ manteve a liminar da
Justiça baiana, estabelecendo que a obra não pode ser iniciada.
A vereadora Neila Batista (PT), representante da
Câmara Municipal de Belo Horizonte, enumerou os gastos da
administração Pimentel para construir as estações de tratamento de
esgotos do Arrudas e do Onça, fazendo o que está ao seu alcance para
reduzir a carga de poluição sobre o rio das Velhas, que é afluente
importante do São Francisco. Aproveitou também para dizer que o
Governo Estadual gastou apenas 0,52% do que lhe cabia nos cuidados
de revitalização da bacia.
Exército estaria sendo mobilizado para iniciar obra
em julho
Na fase de debates, o primeiro a se dirigir ao
microfone foi o deputado João Leite (sem partido), que disse estar
convencido do equívoco desse projeto. "A todo lugar onde vamos, as
pessoas o condenam, e mesmo assim o Governo Federal insiste, como se
não devesse dar ouvidos a essa imensa parcela da população que é
contrária. Inclusive vai gastar R$ 3 milhões para pagar escola de
samba para falar bem da transposição. Outra notícia que eu li hoje
na Agência Reuters me preocupa: que o Exército Brasileiro vai
iniciar a obra da transposição já em julho próximo".
Várias perguntas da platéia foram endereçadas aos
debatedores, especialmente ao secretário Carvalho e a João Cagnin.
Ambientalistas presentes fizeram contribuições ao debate, inclusive
lembrando que há muitas famílias sem abastecimento de água perto da
margem do próprio rio. Ao final, o deputado Laudelino Augusto (PT),
anunciou que sua posição é a de defender a vontade popular. "Em
Minas não se encontra um grupo significativo que sustente esse
projeto. Também absorvi a argumentação de tantas pessoas que conheci
durante a Romaria das Águas, e daquelas com quem lidei nas
audiências da Comissão de Meio Ambiente." O apoio do deputado
petista foi saudado pelo ambientalista Apolo Heringer, que passou a
considerá-lo companheiro na luta pela recuperação ambiental do São
Francisco.
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