Audiência debate alternativa de gestão do sistema
penal
O atual sistema prisional e penitenciário está
completamente falido e é incapaz de ressocializar os detentos e de
conter o aumento da violência e da criminalidade. A solução está na
adoção de penas alternativas para os que cometem crimes de menor
gravidade, na implantação de modelos prisionais diferenciados como
as Apacs, no trabalho efetivo de ressocialização nas penitenciárias
e, sobretudo, no investimento em políticas sociais que possam evitar
que os jovens sejam levados ao mundo do crime. Essa avaliação uniu
desembargadores, juízes, delegados, juristas e membros do Conselho
de Criminologia e Política Criminal de Minas Gerais que
participaram, nesta quarta-feira (15/6/05), de audiência pública da
Comissão de Segurança Pública, para debater alternativas de gestão
do sistema penal no Estado. A iniciativa foi do deputado Ermano
Batista (PSDB).
Para a desembargadora Jane Ribeiro Silva, o crime é
um fenômeno social e não jurídico, e, por isso, o problema não pode
ser resolvido só pelas autoridades, exigindo o envolvimento da
sociedade na busca de soluções e na recuperação dos criminosos. A
própria legislação, esclareceu a desembargadora, já prevê que a
execução da pena deve se dar com a participação da sociedade. Jane
Ribeiro Silva acha inadequada a expressão "ressocialização", uma vez
que a imensa maioria dos sentenciados nunca esteve, de fato,
"inserida" na sociedade.
Aumento de penas e construção de cadeias não
resolve
Na opinião da desembargadora, a realidade
brasileira é bem diferente de outros países, como os Estados Unidos,
e a principal preocupação tem que ser o que fazer para que as
pessoas não acabem na prisão. "O problema não será resolvido com o
aumento das penas ou do número de penitenciárias e cadeias",
insistiu. Segundo ela, para que todos os mandados de prisão sejam
cumpridos como dispõe a Lei de Execução Penal, seria preciso
construir seis ou sete grandes penitenciárias a cada mês.
Jane Ribeiro Silva defendeu a adoção de penas
alternativas para os presos de menor periculosidade, desde que haja
fiscalização e participação da sociedade. Para ela, as prisões
existentes são "criatórios de monstros", e o preso deve ser
recuperado próximo à família e na própria comunidade onde cometeu
seu crime. "Em algum momento, essa comunidade falhou na criação e
educação daquela pessoa, e tem que assumir sua responsabilidade",
analisou. A desembargadora defendeu, ainda, o método Apac, que "não
é milagroso, não resolve tudo num passe de mágica, mas apresenta-se
como um método viável e mais eficiente".
O trabalho é indispensável à
ressocialização
Também presente à audiência, o delegado Paulo
Roberto de Souza, diretor do Ceresp Gameleira, falou sobre a
experiência que tem desenvolvido na instituição há dois anos e que
busca a ressocialização com base no trabalho. Para tanto, presos
daquela unidade carcerária, dos regimes aberto e semi-aberto,
freqüentam curso profissionalizante junto com pessoas da comunidade.
Até hoje não foi registrado nenhum incidente grave, e outro curso
deverá começar em breve, absorvendo outros 30 detentos. "A
recuperação só é possível no meio da sociedade e próximo à família",
frisou.
A mesma opinião também foi manifestada pelo diretor
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Psicanálise, Sérgio Costa, para
quem o tratamento dos presos deve se dar em termos pedagógicos,
recuperando-se o lugar da figura do pai. Valfredo Rodrigues Filho,
que tem trabalho comunitário com jovens da região nordeste da
Capital, através da guarda-mirim, ressaltou a importância do
processo educativo para evitar que os jovens cheguem à
marginalidade. "Educar é ensinar a viver em sociedade e respeitando
as leis", declarou.
Juarez Morais de Azevedo, juiz de Direito da 1ª
Vara Criminal da Comarca de Nova Lima, apresentou como exemplo
positivo de recuperação de detentos o trabalho da Associação de
Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) daquela cidade, que
existe há dois anos e funciona em parceria com a prefeitura e
empresas privadas. Segundo ele, um preso do sistema penitenciário
convencional custa ao Estado cerca de R$ 1.600 por mês, enquanto um
preso da Apac custa apenas R$ 300 por mês. Ele chamou atenção para a
importância da efetiva ressocialização dos detentos e lembrou que em
Minas existem atualmente 23 mil presos, que, um dia, ao final do
cumprimento da pena, retornarão à sociedade. "Será que é possível
devolver um preso em melhores condições, se ele, durante anos, ficar
ocioso 24 horas por dia e for mantido em condições subumanas?",
questionou.
Juiz diz que discurso do Estado está distante da
realidade
As mais duras críticas ao sistema prisional e
penitenciário foram feitas pelo juiz da Vara de Execução Criminal da
Comarca de Belo Horizonte, Herbert Carneiro. Mostrando um documento
elaborado pela Secretaria de Estado de Defesa Social, ele disse que
o problema não é a falta de planos e diretrizes, mas a distância
entre a realidade e o discurso. Para exemplificar, ele leu trechos
do documento que falam da opção do Estado pela ressocialização; da
separação dos criminosos conforme sua periculosidade; da obediência
às determinações da Lei de Execução Penal; do plano de metas da
Subsecretaria de Administração Penitenciária para o biênio
2005/2006, que enfatiza a profissionalização como aspecto
fundamental; e da "nova política" da secretaria. "Que nova
política?", indagou, dizendo que "a sociedade está sendo iludida e
ludibriada por um discurso inebriante e sem correspondência com a
realidade".
De acordo com Herbert Carneiro, o Estado não tem
compromisso com a ressocialização nem política para que os egressos
sejam reinseridos na sociedade, os agentes penitenciários são
despreparados, a superlotação das cadeias é inquestionável, o
compromisso de apoio às Apacs não passa de letra morta, presos de
alta periculosidade são colocados lado a lado com presos que não
oferecem riscos à sociedade e poderiam cumprir penas alternativas, e
não há políticas públicas preventivas para o menor infrator.
Os deputados Zé Maia (PSDB), Antônio Júlio (PMDB),
Sargento Rodrigues (PDT) e Ermano Batista (PSDB) concordaram com a
necessidade de se repensar o sistema prisional e penitenciário do
Estado, e enfatizaram a importância da Comissão de Segurança Pública
nessa questão. Eles também defenderam a busca de soluções que sejam
viáveis e possam dar resultados a curto, médio e longo prazos,
lembrando, ainda, a importância de aspectos como a integração
efetiva das polícias no combate à violência.
Requerimentos - Foi
aprovado, ainda na reunião, um requerimento, de autoria do deputado
Ermano Batista, solicitando audiência pública para discutir os
problemas causados pelas carceragens em delegacias policiais do
Estado. O requerimento foi apresentado atendendo a pedido do
Conselho da Vara de Execuções Criminais de Belo Horizonte. De acordo
com o representante do Conselho, professor Roberto Luiz da Silva,
uma campanha para o fim das carceragens nas delegacias será
implementada nos próximos meses.
Também foi aprovado requerimento do deputado
Alencar da Silveira Jr. (PDT) para que seja realizada visita ao
Ceresp da Gameleira, agendada para esta quinta-feira (16/6), às 10
horas.
Presenças - Deputados Zé
Maia (PSDB), presidente da comissão; Antônio Júlio (PMDB), Sargento
Rodrigues (PDT), Ermano Batista (PSDB) e Sebastião Costa (PPS).
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