Arquivo da Assembléia guarda memória de boa parte dos 170
anos
Exame pericial para apuração da causa do incêndio
que destruiu o prédio da Assembléia, em 1959; processos sobre
emancipação de municípios e comissões parlamentares de inquérito;
atas secretas e atas sobre reuniões secretas que definiram a
cassação de deputados, em 1964. Esses são alguns documentos
constantes do Arquivo da Gerência-Geral de Documentação e Informação
da Assembléia de Minas. "É a preservação da memória documental do
Poder Legislativo", destaca a gerente-geral, Sheyla Abreu de Brito
Mello, lembrando que no Arquivo há livros com anais da Assembléia de
1863 e a ata da primeira sessão preparatória do Congresso Mineiro,
de 1891.
No ano em que a ALMG completa 170 anos (31/1/05), o
Arquivo é uma boa fonte de pesquisa para quem quer recuperar um
pouco da história do Legislativo. Nele, pode-se conferir o laudo do
incêndio que destruiu o prédio onde funcionava a Assembléia, na
Praça Afonso Arinos. O incêndio foi em 16 de setembro de 1959 e,
segundo o laudo encaminhado à Casa pelo então secretário de
Segurança Pública, Ribeiro Pena, a causa foi acidental: um
curto-circuito provocado por problemas na rede elétrica antiga e
deficiente. O laudo informa a inutilização de 30 máquinas de
datilografia, 30 arquivos e seis ventiladores, assim como
danificações superficiais em dois cofres de aço.
Darke Baeta da Costa, ex-diretor-geral da
Assembléia, era secretário de comissão em 1959. Ele trabalhou no
esforço para coletar os documentos que sobraram do incêndio e na
recuperação das poucas informações sobre os projetos em tramitação.
O servidor, aposentado após 43 anos de serviços prestados, conta que
era preciso comprar exemplares do jornal Minas Gerais para
recortar os dados sobre as proposições e remontar os processos. "O
trabalho de reconstituição durou um mês; era um transtorno", comenta
o servidor. Ele lembra que, no incêndio, foram consumidos todos os
documentos relativos a uma comissão parlamentar de inquérito que
investigava a participação de delegados no favorecimento do jogo do
bicho.
É do ex-diretor Antônio Geraldo Pinto, também
aposentado, que vem a passagem pitoresca. Segundo ele, o deputado
Hernani Maia (PTB) vinha ocupando a Tribuna há tempos com uma
denúncia antiga: a de que os deputados e a população estavam
correndo perigo, pois o prédio era antigo e a rede elétrica,
deficiente. Antônio Geraldo conta que o parlamentar disse, certa
vez, que, se o prédio da Praça Afonso Arinos não pegasse fogo, ele
próprio tocaria fogo na construção. Na semana seguinte, diz Antônio
Geraldo, o prédio foi consumido pelas chamas. Esse episódio é citado
também no laudo do incêndio produzido pela Secretaria de Segurança
Pública.
Constituições - Salvo
porque estava na casa de Darke Baeta, um exemplar da Constituição
mineira de 1947 permanece como relíquia, pois traz as assinaturas de
todos os deputados constituintes e dos taquígrafos que trabalharam
na sua elaboração. As assinaturas foram colhidas por outro servidor,
Paulo Apgaua. Um outro exemplar, da Constituição de 1935, permanece
no Arquivo da Assembléia. Doado pelo neto do ex-presidente Abílio
Machado (1935/37), o único exemplar remanescente da Constituição de
30/7/35, também traz as assinaturas dos constituintes. Ele foi
entregue ao Legislativo em setembro de 2003 pelo neto do
parlamentar, José Carlos Machado.
Há 41 anos, deputados eram cassados e funcionários
temiam fechamento da ALMG
A época do golpe militar e da ditadura que se
seguiu traz duras recordações para o Poder Legislativo. Uma
importante passagem pode ser conferida por quem fizer uma pesquisa
no Arquivo da Assembléia. Nele estão as quase 500 páginas que
compuseram o processo de cassação dos deputados Clodsmit Riani,
Sinval Bambirra e José Gomes Pimenta, o Dazinho, em 1964, bem como
as atas secretas da reunião em que foram cassados. A liberação
desses documentos ocorreu em abril de 1998 após a conclusão das
atividades de um grupo de trabalho criado para analisar o
assunto.
Servidores da Assembléia que viveram a época do
golpe e da cassação comentam que, após a fase de perplexidade com o
31 de março, a Assembléia se adequou à nova ordem, mesmo porque a
maior parte dos deputados simpatizava com o movimento, como lembrou
o ex-diretor-geral Adônis Martins Moreira, já falecido, ao jornal
interno Parceria, quando o golpe completou 30 anos. Ele conta
que a Assembléia mineira foi a única a cassar deputados, saindo
maculada do episódio, mas continuando aberta, apesar de perder
autonomia.
Segundo outro servidor aposentado, Murilo Mineiro,
que tinha 29 anos em 1964, poucos dias antes do golpe, os servidores
já temiam pelo futuro do Poder Legislativo. "A sensação era de que,
no dia seguinte, a Assembléia poderia estar fechada", comentou ao
Parceria. No dia 31 de março, a tensão chegou ao máximo.
Vários estudantes invadiram, naquela manhã, o prédio da Assembléia,
na rua Tamoios, para protestarem contra o golpe. Agentes do
Departamento de Ordem Política e Social (Dops) aguardavam do lado de
fora. Encerrada a manifestação, deputados acompanharam os estudantes
até a Igreja São José. A proteção, no entanto, não foi suficiente.
Murilo Mineiro presenciou a pancadaria que se seguiu à volta dos
parlamentares à Assembléia.
A Casa também foi palco de outro fato
surpreendente, logo após o golpe. Darke Baeta da Costa, então chefe
da Divisão da Mesa e assessor do presidente Walthon Goulart, passou
por maus momentos no dia em que foi aprovado, em poucos minutos,
projeto do governador Magalhães Pinto, solicitando crédito especial
para cobrir despesas revolucionárias. A discussão e votação
desobedeceram ao Regimento Interno. Um requerimento "rolha",
aprovado na reunião, eliminou a necessidade de "publicação,
pareceres e interstícios". Outro constrangimento ocorreu a partir de
1968, com a entrada em vigor do AI-5. Adônis Moreira recordou que,
naqueles dias, a Assembléia, que era constantemente visitada por
oficiais do Exército em busca de informações, viveu a ameaça real de
fechamento, como ocorrera nas Assembléias de São Paulo e Rio.
Regimento Interno trata da abertura das atas
secretas
Segundo o artigo 40 do Regimento Interno, o acesso
a documentos sigilosos - como os que compuseram o processo de
cassação dos três deputados - será restrito pelos seguintes prazos:
10 anos contados da data de sua produção, no caso dos documentos
cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado;
100 anos, no caso dos documentos que coloquem em risco a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas. Os documentos produzidos antes da vigência do novo
Regimento serão acessíveis aos interessados quando completados 20
anos de sua produção, salvo quando sua divulgação puser em risco a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
de pessoa neles citada - caso em que, por autorização desta ou de
seus herdeiros, o acesso a eles poderá ocorrer em prazo inferior a
100 anos.
No Arquivo da Assembléia, permanecem outras atas
secretas, referentes à nomeação de prefeitos de Belo Horizonte e das
estâncias hidrominerais, bem como de conselheiro do Tribunal de
Contas (TCMG). Outras curiosidades do Arquivo são os processos de
emancipação de municípios, a partir da 4ª Legislatura, com fotos,
abaixo-assinados, dados sobre limites territoriais e papéis que
contam a história de muitos municípios mineiros. Também estão no
Arquivo as informações sobre a Assembléia Constituinte que produziu
a Constituição de 1989. Todos esses documentos estão microfilmados
até a 14ª Legislatura (1999/2003), para fins de preservação. As
leis, a partir de 1959, também podem ser conferidas no Arquivo, que
guarda em papel o que os cidadãos já podem acessar pela internet,
mas cujo valor documental permanece inalterado.
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