Audiência debate avanços da luta antimanicomial

Desde a aprovação da Lei 11.802, marco da luta antimanicomial em Minas Gerais, há dez anos, muita coisa já mudou no E...

24/05/2005 - 00:00
 

Audiência debate avanços da luta antimanicomial

Desde a aprovação da Lei 11.802, marco da luta antimanicomial em Minas Gerais, há dez anos, muita coisa já mudou no Estado em termos do tratamento e inserção social das pessoas portadoras de sofrimento mental, mas ainda há muito a ser feito. A constatação foi unânime entre os participantes de audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa, nesta terça-feira (24/5/05), que discutiu os avanços alcançados e as dificuldades enfrentadas pela coordenação do Fórum Mineiro de Saúde Mental. A reunião aconteceu a requerimento da deputada Maria Tereza Lara, presidente da comissão, e do deputado Rogério Correia, ambos do PT.

Uma das determinações da Lei 11.802, também conhecida como Lei Carlão, em homenagem ao autor do projeto que lhe deu origem, o ex-deputado e atual vereador na Capital Carlão Pereira, é a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos. Em 1995, havia cerca de 8 mil leitos psiquiátricos em Minas; hoje, ainda existem 3.259, sendo 1.616 ocupados por pacientes de longa permanência, internados há mais de dois anos. De acordo com Marta Elizabete de Souza, coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde, ainda há 20 hospitais psiquiátricos no Estado, nas cidades de Alfenas, Barbacena, Belo Horizonte, Divinópolis, Ituiutaba, Juiz de Fora, Lavras, Leopoldina, Passos, São Sebastião do Paraíso, Uberaba e Vespasiano. Três deles são públicos e os outros 17 são conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Outra determinação da lei é a criação de serviços alternativos para tratamento dos portadores de transtorno mental. No Estado, existem 74 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que atendem pacientes com transtornos mais graves; quatro centros credenciados pelo Ministério da Saúde para pessoas em uso abusivo de álcool e outras drogas; cinco centros de atenção psiquiátrica para crianças e adolescentes; 33 serviços residenciais terapêuticos; 12 centros de convivência e 201 equipes de saúde mental, segundo dados da Secretaria de Saúde. Essa rede de assistência, segundo Marta Elizabete, é insuficiente.

O desafio da reforma psiquiátrica

Políbio de Campos, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, falou que a implantação da reforma psiquiátrica é um desafio complexo para os governos e movimentos sociais, que exige intervenções não apenas no campo da saúde, mas também em outros campos da atividade humana, como as áreas do trabalho e da cultura. Sem essa ação intersetorial, avaliou, é impossível superar a segregação dos portadores de transtornos mentais e alcançar a sua inserção social plena. "O louco é excluído do trabalho, das festas, do sexo e até mesmo do discurso, do seu direito de se expressar", analisou, condenando a cultura de segregação da loucura nos últimos 200 anos. "O grande desafio da reforma psiquiátrica é a subversão do status quo, do modelo que serviu de referência ao longo dos anos", completou.

O vereador Carlão Pereira, autor da Lei 11.802, também participou da audiência e ressaltou a importância de se reconhecer os avanços já obtidos após a vigência da lei. A psiquiatra Ana Marta Lobosque, militante do Fórum Mineiro de Saúde Mental, disse que Minas tem se destacado na luta antimanicomial, lembrou a parceria do Legislativo com o movimento social quando da elaboração da Lei Carlão, e destacou três aspectos que considera principais da legislação: a regulamentação da internação compulsória, em que a internação tem que ser comunicada ao Ministério Público e o cidadão tem direito de defesa; a meta de extinção dos hospitais psiquiátricos; e a criação de um modelo substitutivo de assistência e tratamento.

Ieda Lúcia Oliveira, do Núcleo de Familiares do Fórum Mineiro de Saúde Mental, destacou o papel da família no atendimento dos portadores de sofrimento mental; e Maria do Rosário Lopes, da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental, ressaltou a importância da militância na luta antimanicomial.

No início da audiência, houve apresentação do Coral "Ser-Sã", integrado por cerca de 20 pessoas e criado em 1998, em Divinópolis, com o objetivo de se transformar em oficina de inserção social do Serviço de Referência em Saúde Mental (Sersam).

O que é a Lei Carlão

A Lei Carlão, sancionada em 18 de janeiro de 1995 e regulamentada em 2002, dispõe sobre a promoção da saúde e da reintegração social do portador de sofrimento mental; determina a implantação de ações e serviços de saúde mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção destes; e regulamenta as internações, especialmente a involuntária. A lei proíbe o uso de celas-fortes, camisas-de-força e outros procedimentos violentos e desumanos em qualquer estabelecimento de saúde. Os procedimentos de restrição física não vedados serão utilizados, desde que sejam o meio disponível de prevenir dano imediato a si próprio ou a outros; restringirem-se ao período estritamente necessário; sejam registradas as razões da restrição; e se realizem nas condições técnicas adequadas.

A lei determina a criação de recursos alternativos aos hospitais psiquiátricos, como ambulatórios; serviços de emergência psiquiátrica em prontos-socorros gerais e centros de referência; serviços especializados em hospital-dia e hospital-noite e centros de convivência. A lei também disciplina procedimentos como internação, internação involuntária, avaliação do paciente e atendimento àqueles em condição de desamparo social. As penalidades para quem descumprir a lei abrangem: advertência, inquérito administrativo, suspensão do pagamento dos serviços prestados, aplicação de multas e cassação da licença e do alvará de funcionamento.

Fiscalização - As comissões de reforma psiquiátrica, que deveriam ser constituídas no âmbito das secretarias estadual e municipais de saúde, foram implantadas apenas em nível estadual, em Belo Horizonte e em poucas cidades do interior. Essas comissões têm um papel importante, pois são encarregadas de acompanhar a implantação do novo modelo e a desativação gradual dos hospitais psiquiátricos. Segundo a lei, as comissões serão constituídas pelos conselhos estadual e municipais de saúde e formadas por trabalhadores, autoridades sanitárias, prestadores e usuários de serviços, familiares de pacientes, representantes da OAB/MG e da comunidade científica.

Presenças - Deputadas Maria Tereza Lara (PT) - presidente da comissão e Jô Moraes (PCdoB) e deputados Rogério Correia (PT), Jésus Lima (PT) e Domingos Sávio (PSDB). Também participaram da reunião o vereador Carlão Pereira (PT), autor da Lei 11.802; a coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde, Marta Elizabete de Souza; Políbio de Campos, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte; a vereadora Neila Batista (PT); a psiquiatra Ana Marta Lobosque, do Fórum Mineiro de Saúde Mental; Ieda Lúcia Oliveira, membro do Núcleo de Familiares do Fórum e da Comissão Municipal de Saúde e Reforma Psiquiátrica; e Maria do Rosário Lopes, representante da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais.

 

 

 

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