Estado pode assumir licenciamento ambiental no Belvedere III
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente vai
analisar todo o processo de parcelamento do solo relativo ao bairro
Belvedere III, bem como o de empreendimento da construtora Fernando
Valle no local. A informação foi dada pelo presidente da Fundação
Estadual do Meio Ambiente (Feam), Ilmar Bastos Santos, à Comissão de
Meio Ambiente e Recursos Naturais da Assembléia Legislativa, nesta
terça-feira (17/5/05), durante reunião que discutiu os impactos de
projetos de ocupação urbana e loteamento sobre o manancial do
Cercadinho. A reunião foi solicitada pelo deputado Sávio Souza Cruz
(PMDB). O projeto da construtora de erguer 11 torres, com 600
apartamentos, ficará portanto paralisado até que a Feam emita um
parecer sobre o assunto - a ser encaminhado até o final deste mês à
comissão.
Esse foi um dos principais resultados da reunião,
que durou quatro horas e trouxe à ALMG dezenas de moradores do
Belvedere, inconformados com o empreendimento da Fernando Valle e os
possíveis danos ambientais que causará. De acordo com Ilmar Bastos,
o Estado deverá avocar para si o licenciamento ambiental para o
empreendimento. As justificativas são de que ele está dentro de uma
área de proteção especial - a do manancial do Cercadinho -, e de que
o parcelamento do solo ocorreu em uma área limítrofe de municípios:
Belo Horizonte e Nova Lima. A Feam não descartou a necessidade de
licenciamentos corretivos para os demais empreendimentos do
Belvedere III. Bastos informou que iria solicitar à Prefeitura, de
imediato, todos os processos para análise.
A mesma opinião tem o promotor José Maria dos
Santos, da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente. Segundo
ele, vários empreendimentos foram erguidos no local, sem que fossem
tomadas medidas preventivas para minimizar o impacto ambiental. "O
licenciamento desses projetos deveria ter sido mais rigoroso",
disse, lamentando o fato de não ter sido convidado representante da
Prefeitura para a reunião. O advogado João Paulo Dominici Brito, que
representou a construtora Fernando Valle, chegou a dizer que haveria
outros 11 empreendimentos no perímetro do manancial do Cercadinho,
ao tentar justificar a construção das torres da Fernando
Valle.
Advogado da empresa é único a defender
empreendimento
O advogado João Paulo Dominici Brito foi o único a
defender o empreendimento e a dizer que seu impacto sobre o meio
ambiente será positivo. Representantes dos moradores do Belvedere e
da Copasa foram unânimes em afirmar que não são contrários ao
progresso e à construção das torres, mas apontaram vários impactos
negativos que o projeto poderá causar. Segundo o superintendente de
Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Copasa, Valter Vilela Cunha, o
manancial do Cercadinho é fundamental para o abastecimento de parte
de Belo Horizonte. São captados 180 litros/segundo na bacia, que
abastecem 70 mil pessoas na Capital e em Nova Lima. O decreto que
criou a área de proteção especial do Cercadinho é de 1982, tendo
sido revisado em 1990.
Desabastecimento - Vilela
apontou risco de desabastecimento em bairros como Santa Lúcia,
Belvedere e Olhos D'Água, caso não sejam feitos ajustes no projeto
da construtora. Segundo explicou ele, há uma cavidade natural nos
lotes que abriga toda a recarga dos poços profundos do Cercadinho. A
construtora pretende fazer um aterro de 18 metros de profundidade e
uma lagoa com espelho de dois metros de largura na cavidade. "Essa é
a melhor água da Região Metropolitana e está correndo risco",
enfatizou. A depressão é acentuada, com declividade superior a 47%,
e dois terços dela seriam aterrados com 30 mil caminhões com entulho
da obra, disse o presidente da União das Associações de Bairros da
Zona Sul, Marcelo Marinho Franco.
João Paulo Dominici Brito, o primeiro a usar a
palavra na audiência, disse que o projeto prevê um tratamento
paisagístico prévio, solucionando-se também o problema de erosões
ativas no local. "É um empreendimento legal, além de ecologicamente
correto", destacou, referindo-se ao fato de que a construtora vai
apenas construir uma edificação em área remanescente do Belvedere
III. De acordo com ele, serão construídas 11 torres, com menos de
150 unidades em cada, numa área de 80 mil m2. Isso corresponderia a
1,25 torres/quadra, o que, na visão da empresa, é um adensamento
populacional baixo. O advogado também criticou o fato de o tema ser
discutido novamente na comissão, ressaltando que o assunto é
"requentado". Interesses imobiliários foram apontados como motivo
para o que chamou de "cavalo de batalha" com relação ao projeto da
Fernando Valle.
Deputada quer estação ecológica no
Cercadinho
Os parlamentares, no entanto, anunciaram diversas
ações para proteger o local. A deputada Lúcia Pacífico (PTB)
anunciou a apresentação de um projeto criando uma estação ecológica
no Cercadinho, medida elogiada porque significa desapropriação e
proteção efetiva da área. Ela assinalou a mobilização das
associações comunitárias e considerou o projeto Belvedere III como
uma "agressão à qualidade de vida, porque implica falta de água e
trânsito caótico". A deputada ainda criticou a Prefeitura por ter
autorizado o parcelamento do Belvedere em 1988, mesmo com uma lista
de leis e normas que o proibiam.
Anunciando que a comissão fará um "trabalho
pró-ativo" na questão do Belvedere, o deputado Laudelino Augusto
(PT) pediu à área técnica da Assembléia um levantamento das leis
hídricas e ambientais que regem o assunto. O deputado Doutor Ronaldo
(PDT), por sua vez, solicitou ao Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia (Crea/MG) o envio de um estudo
circunstanciado sobre a bacia do Cercadinho, que foi patrocinado
pelo órgão.
"Não tenho dúvida de que o licenciamento desse
empreendimento compete à esfera estadual, já que envolve dois
municípios, sistema viário, abastecimento de água e pretende
construir mais de 150 unidades habitacionais", disse o deputado
Sávio Souza Cruz (PMDB). Ele apresentou dois requerimentos: o
primeiro, aos secretários de Estado do Meio Ambiente e de Meio
Ambiente da Capital e Nova Lima, para que o licenciamento do
empreendimento Belvedere III seja confiado ao Conselho Estadual de
Política Ambiental (Copam), sob pena de nulidade. O segundo
dirige-se à Advocacia-Geral do Estado, pedindo que adote
providências para reaver o imóvel ao Estado.
A preocupação do deputado se refere ao depoimento
do morador Eduardo Tavares, para quem o Cercadinho foi doado ao
município pelo planejador de Belo Horizonte, engenheiro Aarão Reis.
Tavares disse que "oito mananciais foram doados para abastecimento
da capital que surgia. Só restam dois. Os demais foram
exterminados". Tavares criticou inclusive a localização do futuro
prédio da Justiça Federal, que terá impacto e deve ser discutida. O
deputado João Leite (sem partido) engrossou as críticas,
questionando o excesso de liberalismo da Prefeitura de Belo
Horizonte: "Ao arrepio da lei, estão sendo construídos pátios,
halls, hipermercados, numa área da Copasa. Como essas
empresas conseguem licenciamento?"
Moradores sugerem criação de área verde em vez de
edifícios
Caos no trânsito, contaminação das águas
subterrâneas, menor vazão para o manancial do Cercadinho e redução
da infiltração de água no solo foram listados como problemas do
projeto da Fernando Valle. Representantes dos moradores e Adir José
de Freitas, do Crea/MG, sugeriram, por isso, nova destinação para a
área. Freitas apontou a construção de um parque ecológico como
solução para preservar o manancial. A mesma opinião tem Marcelo
Marinho, da União das Associações de Bairros da Zona Sul, que
denunciou a existência de "interesses mercantilistas" em detrimento
do meio ambiente e do cidadão.
O presidente da Associação dos Amigos do Bairro
Belvedere, Ubirajara Pires Glória, reforçou os argumentos quanto ao
impacto do projeto. Segundo ele, existem hoje 520 mil m2 construídos
no Belvedere, com 1,3 mil apartamentos erguidos. O projeto da
Fernando Valle é construir 600 apartamentos em 80 mil m2. O
presidente da Associação do Bairro Alto Santa Lúcia, Cândido
Bernardes Lamounier, outro representante dos moradores a falar,
emendou as críticas afirmando que o momento agora é de cobrar ações.
"Razões temos de sobra. Somos a favor da qualidade de vida e da
preservação das águas", completou. Francisco Mourão, da Associação
de Defesa do Meio Ambiente (Amda), lembrou que a área onde a
construtora pretende erguer suas torres está na cabeceira do
manancial.
O advogado do empreendedor, João Paulo Dominici
Brito, afirmou que a Fernando Valle não se furta ao licenciamento
ambiental e se baseia em estudos feitos por equipe multidisciplinar
competente. Disse que se sente confortado por saber que todos os
demais empreendimentos do Belvedere serão submetidos a licenciamento
corretivo e que o seu cliente já está tomando as providências para
construir cisternas para recarga dos aqüíferos. Já o deputado Carlos
Gomes (PT) assinalou que o ponto alto da reunião foi a participação
das associações do Belvedere e Santa Lúcia, mas lamentou que não
tenha sido convidado representante da Prefeitura de Belo
Horizonte.
Presenças - Deputados
Laudelino Augusto (PT), presidente; Doutor Ronaldo (PDT), vice; João
Leite (sem partido), Sávio Souza Cruz (PMDB), Gustavo Valadares
(PFL), Márcio Kangussu (PPS), Carlos Gomes (PT) e a deputada Lúcia
Pacífico (PTB).
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