Jaíba não quer transposição do Rio São Francisco
Lideranças políticas, ambientalistas e produtores
rurais beneficiários do Projeto Jaíba criticaram o projeto de
transposição do Rio São Francisco, durante reunião da Comissão de
Meio Ambiente e Recursos Naturais da Assembléia Legislativa, nesta
quinta-feira (5/5/05). A audiência pública foi realizada no Centro
Cultural do distrito de Mocambinho, onde mora a maior parte dos
irrigantes do Projeto Jaíba (que utiliza água do São Francisco), e
serviu para que os moradores da região pronunciassem seu
posicionamento sobre a transposição do rio.
Os participantes da reunião, inclusive os
deputados, foram unânimes na condenação ao projeto do governo
federal, pois eles temem que a transposição sem medidas concretas de
revitalização do São Francisco possa comprometer a quantidade de
água disponível para irrigação no semi-árido mineiro. Isso porque o
"Velho Chico" sofre com os problemas comuns a praticamente todos os
rios brasileiros: poluição, assoreamento, desmatamento da vegetação
ciliar e redução do volume durante a estiagem.
"Primeiro precisamos dar condições de sobrevivência
para o São Francisco. Estão querendo tirar as águas que serão o
futuro de nossos filhos", protestou um dos pequenos irrigantes do
Projeto Jaíba, Marco Antônio Oliveira. O presidente da ONG Amigos do
Rio Verde Grande (um dos afluentes do São Francisco), Elson Reis de
Oliveira, tem opinião semelhante. "Gostaríamos de ajudar a matar a
sede de nossos irmãos nordestinos, mas por enquanto não podemos
fazer isso. Quando se liga uma bomba para elevação da água em
setembro, o leito do rio diminui", informou.
O gerente do escritório da Emater em Jaíba, José
Aloísio Neri, disse que a possibilidade de secar o leito do São
Francisco é real. Segundo ele, trata-se do único grande rio do mundo
que não tem sua nascente em geleiras, mas exclusivamente nos
pequenos afluentes que compõem sua bacia. O diretor da Escola
Estadual Augusto Martins Ferreira, Marlon Jardim, reclamou ainda que
o projeto de transposição não foi discutido com a comunidade
local.
Jaíba é a principal área irrigada do Brasil
Em implantação desde a década de 70, o Projeto
Jaíba é o maior perímetro irrigado do Brasil e um dos principais da
América Latina. Pequenos, médios e grandes produtores ocupam uma
área de 32.754 hectares, onde produzem frutas tropicais, hortaliças
e sementes. A previsão de produção em 2005 é de 321 mil toneladas, o
que deve movimentar cerca de R$ 102 milhões na região, segundo
informações do governo do Estado. A segunda etapa do projeto, em
fase de implantação, deve disponibilizar mais 29.982 hectares.
Outras duas etapas previstas devem incrementar a área irrigada em 37
mil hectares.
Segundo material informativo distribuído pela
deputada Ana Maria Resende (PSDB) na reunião, o projeto pode ser
prejudicado com a transposição, pois a capacidade de outorga de água
do São Francisco é de 360 m3/segundo, dos quais 335
m3/segundo já estão outorgados. A transposição, de acordo
com a deputada, vai atender 300 mil km2 dos 900 mil
km2 do semi-árido nordestino, ao custo de R$ 4,5 bilhões.
Deste total, R$ 650 milhões já estão alocados no orçamento da União
para este ano.
Deputados condenam transposição
A deputada Ana Maria Resende, autora do
requerimento para realização da reunião, fez duras críticas ao
projeto de transposição. "Caso ela se concretize, a água do São
Francisco vai servir apenas como objeto de decoração, pois não
poderemos aumentar os perímetros irrigados já existentes em Minas,
Bahia, Sergipe e Alagoas. Somente no trecho entre Pirapora e
Sobradinho (BA), com a elevação das águas em apenas 17 metros, seria
possível irrigar 3 milhões de hectares e gerar milhares de
empregos", acusou a deputada, que considera o projeto eleitoreiro e
autoritário.
Para o deputado Doutor Ronaldo (PDT), outro
agravante é a imensa quantidade de energia necessária para elevar as
águas do São Francisco em 300 metros, como prevê o projeto de
transposição. Para isso, de acordo com ele, seria necessário
consumir o equivalente a uma vez e meia o total de eletricidade
gerada pela Usina de Três Marias.
Já o deputado Sávio Souza Cruz (PMDB) lembrou
experiências fracassadas de transposição, como a do Mar de Aral, na
antiga União Soviética, e alertou que o mesmo pode acontecer em
Minas. "O clima semi-árido do Norte do Estado pode ser influenciado
com a retirada da água do rio, e não há estudos sobre esse impacto
nos relatórios a que eu tive acesso", afirmou.
O deputado João Leite (sem partido) considera uma
traição do governo federal a decisão de levar a cabo a transposição
sem levar em conta os protestos do povo mineiro. "504 cidades lançam
esgoto na bacia do São Francisco e não existe nenhum projeto para
acabar com isso. A licitação das obras da transposição foi feita
antes mesmo da conclusão do licenciamento ambiental", acusou.
O presidente da comissão, deputado Laudelino
Augusto (PT), lamentou a ausência de representantes do governo
federal à reunião. Disse não considerar a transposição uma obra
eleitoreira, mas também não concorda com a maneira com que o projeto
está sendo conduzido. "Em nome de todos os segmentos da sociedade
que são contrários à transposição, eu também já me manifestei contra
o projeto. Por isso, já pedi uma reunião com o presidente Lula e com
o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes", informou o deputado,
que prometeu levar ao governo federal todo o descontentamento dos
mineiros com o projeto de transposição.
Requerimentos aprovados:
* Do deputado Sávio Souza
Cruz, para que a comissão solicite ao governo do Estado que utilize
sua estrutura de comunicação para informar a população mineira dos
riscos da transposição, e que o governador Aécio Neves seja o
porta-voz de Minas Gerais nas discussões nacionais sobre o
assunto;
* Do deputado João Leite, para comunicar o governo
federal da posição contrária da comissão ao projeto de transposição
e pedindo uma audiência pública com órgãos da União para debater o
assunto no Norte de Minas;
* Do deputado Sávio Souza Cruz, pedindo a todos os
deputados federais e senadores mineiros que se mobilizem contra a
alocação de recursos no orçamento da União para a
transposição.
Presenças - Deputados
Laudelino Augusto (PT), presidente; Doutor Ronaldo (PDT), vice; João
Leite (sem partido), Sávio Souza Cruz (PMDB) e a deputada Ana Maria
Resende (PSDB), além do secretário de Agricultura, Meio Ambiente e
Recursos Hídricos de Jaíba, Adílio Teixeira da Silva, e do
representante dos produtores rurais da cidade, Sildete Rodrigues
Araújo.
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