Estudiosos e autoridades debatem a prática da tortura
A tortura, prática tão repudiada em todo o mundo,
ainda é uma constante na realidade dos povos. Esse foi o ponto
principal discutido na noite desta quarta-feira (24/11/04), durante
audiência pública da Comissão de Direitos Humanos sobre o tema, no
Teatro da Assembléia. Após a reunião, a professora Flávia Camello
Teixeira lançou o livro "Da tortura", resultado da sua dissertação
de mestrado pela UFMG.
O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da
comissão, disse que o objetivo do encontro, que reuniu diversas
autoridades e estudiosos sobre o tema tortura, foi promover uma
reflexão sobre o processo de redemocratização do Brasil. Apesar dos
avanços na legislação, como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a própria Constituição brasileira, a humanidade ainda não
se livrou dessa herança que é a prática de tortura. "Nosso papel é
defender a sociedade contra abusos de quem detém o poder",
afirmou.
Flávia Camello Teixeira narrou a história da
tortura, que existe desde a Idade Média como instrumento de poder.
No Brasil, a prática, aliada a instrumentos como a censura à
imprensa e a repressão política, foi uma forma de esmagar os
considerados "inimigos da sociedade". Apesar de considerar a tortura
um crime hediondo, a Constituição não conseguiu acabar com ela.
Flávia Camello descreveu ainda a tortura psicológica, que tem sido
preferida pelos detentores do poder por não deixar vestígios e ter
efeitos mais duradouros.
Estado sempre utilizou o instrumento da
tortura
A coordenadora do Movimento Tortura Nunca Mais,
Heloísa Bizoca Greco, acrescentou que o Estado brasileiro nunca
abriu mão desse tipo de violência. "É uma prática rotineira
atualmente, a ponto de se banalizar", disse ela. Heloísa Greco citou
que artistas, escritores, jornalistas e outros profissionais já
foram os eleitos pelo Estado como os "inimigos da sociedade", e que
por isso faziam parte dos "torturáveis". Hoje, disse ela, essa
posição pertence aos 2/3 da população que vivem no limiar da
pobreza.
Ela criticou o secretário nacional dos Direitos
Humanos, Nilmário Miranda, por tratar a questão dos mortos e
desaparecidos políticos como uma questão familiar. "Não se trata de
uma questão de família, e sim de toda a sociedade brasileira",
rebateu. Heloísa Greco concluiu sua fala dizendo que a cultura da
impunidade mantém a tortura como uma instituição sólida no País.
"Qualquer utopia que venhamos a construir para o terceiro milênio
passa pela erradicação da tortura. Não toleremos o intolerável, e
não esqueçamos o inesquecível", afirmou a coordenadora.
O desembargador do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Caetano Levi Lopes, disse que a maior causa da impunidade
nos crimes de tortura é o silêncio das vítimas. "O preso torturado
sabe que, após denunciar ao juiz o crime de tortura, vai voltar para
o presídio, onde estará à mercê do seu torturador", afirmou. Ele
defendeu uma mudança no Código Penal, no sentido de que a confissão
de um crime não seja elemento suficiente para se condenar alguém por
um crime, visto que muitos o fazem para se verem livres da
tortura.
Com o objetivo de enriquecer a reflexão, o deputado
Sargento Rodrigues (PDT), presidente da Comissão de Segurança
Pública, questionou a visão de que o crime de tortura só é praticado
por agentes públicos. Ele citou, por exemplo, caso recente de um
funcionário de uma empresa de valores que foi abordado por
marginais, que colocaram explosivos em sua cintura e ameaçaram
seqüestrar sua família. "Isso também não é um crime de tortura?",
questionou. "Com o advento da lei da tortura, de 1997, houve
indiciamento ou condenação de algum marginal por crime de tortura?",
perguntou Sargento Rodrigues, convidando os presentes para uma
reflexão.
Durante a reunião, os presentes ao Teatro da
Assembléia receberam um exemplar da Revista do Legislativo de 2004,
que traz relatos e análises sobre a resistência à ditadura militar
no Brasil. Alunos de diversas faculdades de direito, filosofia e
outros cursos participaram da audiência pública.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), Roberto Ramos (PL), Biel Rocha (PT) e Sargento
Rodrigues (PDT). Além das personalidades já citadas, compareceram
também o procurador de Justiça Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da
Silva; o juiz da Vara Cível da Comarca de Ribeirão das Neves,
Wenderson Souza Lima; a advogada Maria Fernanda Pires de Carvalho
Pereira; o advogado Roque José de Oliveira Camello e o diretor da
Promotoria de Justiça de Contagem, Gilmar de Assis.
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