Especialistas criticam projeto de transposição do São Francisco

O governo federal foi voz isolada na defesa da transposição das águas do Rio São Francisco para o semi-árido setentri...

23/11/2004 - 01:00
 

Especialistas criticam projeto de transposição do São Francisco

O governo federal foi voz isolada na defesa da transposição das águas do Rio São Francisco para o semi-árido setentrional, durante o Ciclo de Debates "Em defesa do Rio São Francisco", realizado nesta terça-feira (23/11/04) no Plenário da Assembléia Legislativa. O evento, que reuniu autoridades e ambientalistas de Minas Gerais e de outros estados da Bacia do São Francisco, teve por objetivo discutir o projeto de integração de bacias e a realidade ambiental do rio, com seus impactos sociais, econômicos e ambientais. Para a maioria dos participantes, o projeto, que o governo federal quer iniciar em 2005, precisa ser melhor debatido pela sociedade, inclusive em seu aspecto técnico, e a União erra ao não investir prioritariamente na revitalização da Bacia do São Francisco.

Ao final do debate, os ambientalistas, técnicos e autoridades presentes aprovaram um documento intitulado "Carta de Minas", em que convocam a sociedade para se engajar na discussão sobre o tema e propõem ao governo federal a suspensão do projeto até que se realizem estudos confiáveis, por empresas ou instituições de pesquisa independentes e de reconhecida capacidade técnica, englobando toda a bacia hidrográfica do rio. O documento pede, ainda, a abertura de diálogo amplo e transparente a respeito da transposição, tendo por base estudos técnicos, elaborados e divulgados previamente, bem como a implantação de um programa de revitalização do São Francisco que considere não apenas a garantia de água para transposição, mas, também, os pontos de vista ambiental, social e econômico.

A audiência pública regional convocada pelo governo federal para discussão do relatório sobre a obra está marcada para o próximo dia 7 de dezembro, em Belo Horizonte. Mas antes, no dia 30 de novembro, em Brasília, haverá uma reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, na qual o governo federal pretende aprovar a proposta de transposição do rio.

Recuperação da bacia - Ao abrir o debate, o deputado Gil Pereira (PP), coordenador em Minas da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco (Cipe São Francisco), lembrou que a recuperação da bacia vem sendo debatida pela Assembléia de Minas e pela Cipe desde 1991, e ressaltou que não há consenso sobre a necessidade da obra nem sobre as conseqüências do desvio das águas do rio para as populações ribeirinhas. "O São Francisco já cuidou muito do Brasil; agora é hora do Brasil cuidar bem do rio", disse, repetindo as palavras da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em evento promovido pela ALMG em outubro do ano passado para discutir a transposição.

O presidente da Cipe e da Assembléia de Sergipe, deputado Antônio Passos, frisou a existência de inúmeras estudos técnicos que desaconselham que a transposição seja feita antes da revitalização do rio. "É um erro que poderá ser fatal, trazer conseqüências de proporções desastrosas", alertou, declarando a posição da Cipe contrária ao projeto no formato atual. Para o coordenador da Frente Parlamentar Mineira de Defesa e Preservação das Águas, deputado Laudelino Augusto (PT), a água deve ser tratada como patrimônio, e não apenas como recurso, e a decisão pelo projeto não pode ser tomada sem que haja um debate aprofundado com a sociedade.

Defesa do Projeto de Integração

A defesa do "Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional" ficou a cargo do coordenador do projeto e representante do Ministério da Integração Nacional, João Urbano Cagnin. Ele reconheceu que o projeto é polêmico e disse que a dificuldade que o ministério encontra para divulgá-lo tem causado problemas de entendimento dos aspectos técnicos e do alcance e benefícios que a obra trará para o semi-árido setentrional. Segundo ele, o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da obra aponta como ação prioritária a revitalização do rio, que deverá demorar até 15 anos para ser concluída, não procedendo as preocupações sobre questões relacionadas à vazão e à quantidade de água a ser retirada para transposição. "O projeto não afeta significativamente os interesses da Bacia do São Francisco do ponto de vista hídrico, pois a redução na vazão será de apenas 5,8%", assegurou.

"Chover no molhado" - Os argumentos de João Urbano foram contestados pelo professor João Abner Guimarães Jr., da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para quem o projeto vai levar água para quem já tem, a fim de liberar a água armazenada em grandes reservatórios no Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba para ser usada com fins comerciais, e não para abastecimento humano ou para matar a sede. "A transposição vai fazer chover no molhado, vai levar água para apenas 5% do semi-árido", criticou, ressaltando que o projeto que o governo federal está querendo aprovar é o mesmo que governos anteriores defendiam. Ele alertou, também, para a possibilidade de conflitos futuros entre os estados que integram a bacia do rio.

Secretário aponta falta de água na Bacia do São Francisco

O secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, chamou a atenção para o fato de que os problemas de falta de água no semi-árido setentrional, que a transposição pretende solucionar, existem ao longo da maior parte da Bacia do São Francisco, "de Pirapora para baixo". Ao defender uma discussão equilibrada e sem maniqueísmos ou manipulações de qualquer ordem sobre o projeto, José Carlos Carvalho sustentou que, apesar de Minas Gerais responder por 72% das águas do rio, o Estado não tem a intenção de exercer qualquer hegemonia no debate. O secretário alertou, também, para o problema as obras de irrigação inacabadas na bacia e para o custo elevado da transposição, da ordem de US$ 1,1 bilhão. "O projeto não resolve o problema da falta de água para quem mais precisa, mas visa a oferta de água para usos econômicos", avaliou.

Também criticaram o projeto e pediram um debate mais amplo sobre a transposição a superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas; e o coordenador-geral do Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, Mauro da Costa Val.

Quase ao fim da reunião, o deputado Gil Pereira anunciou que o governador Aécio Neves havia ligado para ele convidando os membros da Cipe São Francisco para um encontro no Palácio da Liberdade. O objetivo da reunião seria reforçar a posição do Estado de Minas Gerais na defesa da revitalização e de amplos estudos antes de qualquer projeto de transposição do Rio. Acatando sugestão de uma das participantes, foi aprovado requerimento pedindo a suspensão da reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos do dia 30 de novembro.

Presenças - Participaram da mesa do ciclo de debates os deputados Gil Pereira (PP), Laudelino Augusto (PT), Doutor Ronaldo (PDT), vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais da Assembléia de Minas; e Fábio Avelar (PTB), membro da Cipe; além dos deputados estaduais de outros estados, Antônio Passos (SE), Augusto Bezerra (SE), João Bonfim (BA) e Francisco Tenório (AL). Além dos citados na matéria, participaram o frei Cristóvão, da Ordem dos Franciscanos, que leu a "Carta de Minas".

 

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