|
Alunos denunciam má-gestão na Faculdade de Ciências
Médicas
Indícios veementes de gestão ruinosa e descalabros
administrativos na Faculdade de Ciências Médicas - agravados pela
recusa da diretoria da entidade mantenedora da escola, Fundação
Lucas Machado (Feluma) em comparecer à reunião - foram trazidos ao
conhecimento dos deputados da Comissão de Participação Popular por
estudantes, pais de alunos, advogados e professores durante
audiência pública da Comissão de Participação Popular, realizada na
tarde desta quarta-feira (17/11/04). Os deputados vão examinar um
pedido de instalação de uma CPI para investigar essa e outras
faculdades privadas, e o deputado Gustavo Valadares prometeu o apoio
da bancada do PFL.
As primeiras denúncias foram feitas pelo presidente
do Diretório Acadêmico da faculdade, Jean Mendes Wanderley, de um
aumento abusivo de 73% nas mensalidades em dois anos, saltando de R$
1.278 para R$ 2.200. O líder estudantil relatou que a direção se
recusou a dar explicações sobre a planilha de custos e que a
entidade ingressou com denúncia no Ministério Público. Passou então
a ironizar aspectos bizarros da administração. "Para manter sua
aparência de filantropia, a escola nos obriga a assinar uma
mensalidade 20% superior, e depois nos dá um 'desconto' de 20%. Com
isso se desobriga de dar bolsas de estudos verdadeiras para alunos
carentes", denunciou.
Jean Mendes revelou ainda que a escola divulga
falsamente nomes de ambulatórios e hospitais que serviriam para as
aulas práticas, nos quais nenhum aluno jamais pôs os pés, como os
centros de saúde de Araxá e Bom Despacho. "Na nossa mensalidade
estão incluídos convênio de aprendizagem nos hospitais e aluguel do
prédio. Ora, o prédio pertence à faculdade. A Feluma argumenta que o
aluguel agora se chama 'depreciação do prédio', e já estamos pagando
os professores na escola", acrescentou.
Mensalidade na Ciências Médicas equivalia ao
salário mínimo
Ajax Ribeiro, ex-professor da Ciências Médicas,
revelou que trabalhou ali desde que era reitor o professor Elias
Murad, e que a mensalidade era equivalente a um salário mínimo. O
argumento utilizado pela Feluma para majorar os preços foi o de que
a escola teve que assumir o Hospital São José. Quando membro do
Conselho Curador, descobriu um rombo de R$ 1,84 milhão que foi
investigado no Ministério Público pelo procurador Francisco Lins do
Rêgo. "Esse sim, era um bom procurador. Tão bom que foi
assassinado", lamentou. Ribeiro disse ainda que a Feluma é uma "casa
-de-mãe-joana", com mais de 50 membros remunerados que não vão
lá.
Aos estudantes, a Feluma argumenta que a razão do
aumento de 73% se deve à alta inadimplência, que seria superior a
50%, o que também foi dito ao Sindicato dos Professores para
justificar o atraso nos pagamentos. No entanto, segundo o advogado
do diretório acadêmico, em juízo a fundação informou que a
inadimplência era apenas de 9% do faturamento. Ao mesmo tempo, teria
quitado à vista uma fatura de R$ 15 milhões da empresa Jam
Engenharia, em 1994, por uma reforma da portaria do Hospital São
José que os estudantes garantem que não foi feita.
Celina Arêas, do Sindicato dos Professores, disse
que os docentes tiveram dois indicativos de greve, e só assim
conseguiram receber os atrasados. "A fundação não cumpre o piso
salarial da categoria, que é de R$ 20,82 a hora. Em seu pseudo-plano
de carreira, professores assistentes ganham R$ 16,72, os auxiliares
R$ 17,00 e os titulares poucos centavos acima de R$ 19,00. A
situação ali é de promiscuidade e antiprofissionalismo. Os nomes que
constam da folha de pagamento não são aqueles que estão na sala de
aula. O passivo trabalhista é imenso", acusou.
Governo e PBH não repassam recursos
conveniados
Os pais de alunos trouxeram outros pontos de vista.
Haroldo Magalhães Carneiro, que tem duas filhas estudando Medicina,
acredita que parte da insolvência da Feluma deve ser creditada aos
baixos repasses do SUS e à suspensão dos pagamentos conveniados pela
Prefeitura de Belo Horizonte e pelo Governo do Estado. "Ao se
eximirem de suas responsabilidades, os governos deixaram a corda
arrebentar do lado mais fraco. Hoje, nós, pais de alunos, pagamos
pelo tratamento que as pessoas pobres do interior vêm buscar no
Hospital São José", queixou-se.
José Nelson Machado, com um filho no 1º ano e outro
formado em 1996, lembrou que em 1992 a mensalidade era equivalente a
US$ 180, e que em 1996 já havia subido para US$ 840. "Falam
inclusive em 'ajuste de mercado', o que é muito perigoso, porque há
demanda que justifique uma escola particular cobrar R$ 5 mil ou mais
pela mensalidade. Isso deixaria a Ciências Médicas fora do nosso
alcance", disse Machado.
O ex-presidente do diretório acadêmico, Diran
Rodrigues Souza Filho, considera que a situação da Feluma é caso de
polícia, e que "mais uma vez o Ministério Público nos deixou na
mão", por não comparecer à audiência e por não tomar providências a
partir das denúncias já encaminhadas. Diran revelou que, entre as
250 ações trabalhistas movidas contra a Fundação, estão as de
descendentes de diretores que já controlaram a instituição,
inclusive um neto do fundador Lucas Machado, que é filho do atual
presidente Lucas Viana Machado.
Deputados vão discutir se pedem CPI ou Comissão
Especial
Depois de ouvirem os depoimentos, os deputados
tomaram partido dos denunciantes. Laudelino Augusto (PT) que
presidia a reunião, leu carta da Feluma justificando a ausência, mas
prontificando-se a comparecer depois do julgamento da ação coletiva
contra o aumento, que estava na Justiça. Laudelino comentou que
"quem não abre suas portas e não se mostra merece desconfiança".
Gustavo Valadares (PFL) elogiou o bloco PT-PCdoB
pelo requerimento da audiência e considerou "um abuso o aumento
aplicado pela faculdade para bancar as mais diversas vantagens para
seus diretores". Valadares cobrou respeito aos alunos, que são a
razão de existir da faculdade, e ofereceu o apoio da bancada do PFL
ao pedido de CPI formulado pelo presidente do DA da Faculdade de
Ciências Médicas.
Weliton Prado (PT) relatou várias iniciativas já
tomadas na Assembléia em favor dos estudantes, a partir da reunião
da Comissão de Defesa do Consumidor ocorrida em junho último.
Apresentou requerimentos de estudos técnicos do Procon sobre a
planilha de custos e de parecer do Ministério Público sobre a
planilha e o contrato assinado pelos estudantes. Prado tratou ainda
de incentivar a luta dos estudantes: "Cabe a vocês resgatarem a
faculdade, colocar a mão no vespeiro para ter resguardados seus
direitos. É impossível suportar esses preços. Lutem, formem-se,
sejam excelentes médicos e retribuam cuidando das pessoas
pobres".
Laudelino Augusto encerrou a reunião confessando-se
angustiado com as denúncias, mas com esperança de que as coisas
possam ser diferentes. Anunciou que o bloco PT-PCdoB vai se reunir
para examinar o pedido de CPI, que precisa de 26 assinaturas.
Contando as 16 do bloco e as cinco do PFL, ainda faltariam cinco.
"Talvez seja melhor pedirmos uma Comissão Especial, que tem menores
poderes de investigação, mas seria instalada mais rápido",
ponderou.
Presenças: Deputados André
Quintão (PT), presidente; Gustavo Valadares (PFL), vice-presidente;
Laudelino Augusto (PT) e Weliton Prado (PT).
|