BHTrans admite rever sua forma de abordar motoristas
Fiscais da BHTrans sem uniforme e em veículos
descaracterizados fazem abordagem de motoristas nas portas das
escolas de Belo Horizonte com o objetivo de coibir o transporte
escolar clandestino. O procedimento, que antes era apenas objeto de
denúncia por parte dos condutores, foi confirmado nesta quinta-feira
(4/11/04), durante audiência pública conjunta das comissões de
Segurança Pública e de Defesa do Consumidor e do Contribuinte da
Assembléia Legislativa. Foi o próprio diretor de Ação Regional de
Operações da empresa, Hélio Rodrigues da Costa Filho, quem
reconheceu que a direção da BHTrans adota essa prática.
Mas ele admitiu rever o procedimento após ouvir as
críticas formuladas principalmente pelo deputado Sargento Rodrigues
(PDT), presidente da Comissão de Segurança Pública, e pelo promotor
de Justiça de Minas Gerais Carlos André Mariani. De acordo com o
parlamentar, os fiscais não têm a prerrogativa nem o treinamento
necessário para abordar os motoristas. Essa atitude, segundo ele,
significa um risco muito grande tanto para o condutor quanto para as
crianças dentro do veículo e até mesmo para o fiscal.
Segundo Sargento Rodrigues, o clima de insegurança,
principalmente nas grandes cidades, pode facilmente levar um
motorista a acreditar que se trata de um seqüestro ou assalto. Daí,
o condutor pode fugir, colocando em risco a sua vida e das crianças,
ou mesmo reagir, provocando uma tragédia. O promotor Mariani também
considerou descabida a abordagem. "A BHTrans deveria ter outra
postura", disse ele.
Motoristas reclamam de arbitrariedade
A audiência pública contou com a participação de
diversos motoristas de transporte escolar e taxistas. Uma das
convidadas a apresentar seu depoimento foi a representante comercial
Desymar Gonçalves, acusada pela BHTrans de ser motorista de
transporte escolar clandestino. Ela disse que foi abordada por um
veículo descaracterizado e decidiu não parar. Poucos dias depois,
recebeu cinco multas, cada uma emitida um minuto após a outra. Entre
as irregularidades estariam o excesso de passageiros e o transporte
de crianças sem cinto de segurança. Desymar disse que já deve R$
1.200 só em multas. "Recorri, mas perdi, porque é a BHTrans quem
multa e também quem julga os recursos", disse.
A dona de casa Tânia Maria Rodrigues e a motorista
Soraia Freitas Ci-Polansky também se disseram vítimas de
arbitrariedades por parte da BHTrans. Mas o superintendente de
operações da empresa, Odilon Servilho Filho, garantiu que as três
fazem transporte escolar clandestino. Ele citou inclusive as placas
de seus veículos, áreas de atuação e número de pessoas
transportadas. Afirmou ainda que elas são investigadas desde 2000,
quando a BHTrans recebeu as denúncias. Motoristas legalizadas
confirmaram a acusação, lamentando que muitos pais, por causa de
"dez ou vinte reais", colocam em risco a vida de seus filhos.
Já diversos taxistas reclamaram do que chamaram de
"perseguição" por parte dos fiscais da BHTrans. Segundo eles, os
agentes são autoritários e multam até mesmo de madrugada. Hélio
Rodrigues, diretor da empresa, disse que a orientação não é essa.
"Então há um fosso enorme entre a orientação da empresa e o que
acontece na outra ponta da linha", interveio Sargento
Rodrigues.
BHTrans fere princípio da razoabilidade
O parlamentar e o promotor questionaram o
comentário feito pelo superintendente de Operações da empresa,
Odilon Servilho Filho, que afirmou que o cidadão que transportar
quatro crianças uniformizadas em seu veículo para a escola está
fazendo transporte escolar clandestino. "Quer dizer que se eu levo
meus dois filhos para a escola, e resolvo dar carona para outros
dois, todos os dias, estou fazendo transporte clandestino? Não vejo
embasamento nenhum para a BHTrans me autuar por isso", afirmou
Sargento Rodrigues.
"Impedir o cidadão de levar os alunos para a escola
transborda o princípio da razoabilidade da administração pública.
Não vivemos em tempos que comportam esse tipo de coisa", disse o
promotor. Ele acrescentou que não há lei que impeça a pessoa de
transportar quem quer que seja em seu carro. "Se isso ocorrer, é
abuso de autoridade", completou. A deputada Lúcia Pacífico (PTB),
presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte,
também questionou a coerência da postura da BHTrans: "Então não se
pode nem fazer revezamento para levar os filhos na escola?".
Odilon Servilho, da BHTrans, tentou justificar o
procedimento dizendo que a empresa não aborda todos os motoristas,
mas apenas aqueles que são denunciados por condutores de veículos
escolares legalizados e pais de alunos. Além disso, afirmou, os
fiscais não abordam veículos em movimento, exatamente para não criar
uma situação de perigo para as crianças. Somente quando os carros
param é que os fiscais se aproximam, se identificam e pedem a
documentação do veículo e a licença para transportar estudantes,
disse Servilho. Mas suas explicações não convenceram os
deputados.
Sargento Rodrigues, Lúcia Pacífico e o promotor
Mariani deixaram claro, no entanto, que são totalmente favoráveis à
fiscalização para coibir o transporte escolar clandestino. O
problema está na forma como ela é realizada. "Não me conformo com a
descaracterização, porque o próprio carro caracterizado na porta das
escolas já inibiria o transporte clandestino", disse Lúcia Pacífico.
"Seria uma fiscalização preventiva", acrescentou Sargento
Rodrigues.
Mas os representantes da BHTrans disseram que a
presença de um carro caracterizado colocaria em risco as crianças,
porque os motoristas clandestinos, para não serem apanhados,
acabariam deixando os estudantes a dois quarteirões da escola,
obrigando-os a caminhar na rua e até atravessar ruas. Mesmo assim,
eles levaram em conta as argumentações. "A BHTrans tem que rever
esse procedimento de abordar motoristas sem caracterização",
reconheceu o ouvidor da empresa, Wellington Leal.
Particular multando particulares
Durante a audiência pública, os deputados da
Comissão de Segurança Pública e de Defesa do Consumidor e do
Contribuinte também questionaram o fato de a BHTrans ser uma empresa
de economia mista, ou seja, uma sociedade anônima, com acionistas e
objetivos financeiros. De acordo com o deputado Sargento Rodrigues,
isso faz com que a empresa passe ao público a idéia de que as multas
que aplica têm caráter arrecadatório, e não educativo.
A argumentação foi reforçada pelo promotor Carlos
André Mariani. Segundo ele, a BHTrans deveria mudar sua identidade
jurídica para autarquia, "porque do jeito que está, vemos um
particular multando outro particular". Ele acrescentou que o
Ministério Público entende que não é possível a administração
pública delegar esse poder de polícia a uma empresa privada. "A
fiscalização do trânsito é necessária, o município deve fazê-la, mas
a personalidade jurídica da BHTrans é incompatível com essa
atividade", disse o promotor.
Presenças - Deputado
Sargento Rodrigues (PDT), que presidiu a reunião; e deputada Lúcia
Pacífico (PTB).
|