Carcereiros de Juiz de Fora são mais arbitrários que os do Rio,
diz preso
"Já tirei cadeia quase 20 anos nas penitenciárias
do Rio de Janeiro. Tem uns dez que estou cumprindo pena em Minas,
primeiro na Segurança Máxima de Contagem e agora aqui na Campos
Pires. Lá no Rio eles não maltratam os presos como aqui. Os agentes
dão o respeito, pra ter respeito". A comparação entres os dois
sistemas penitenciários, desfavorável a Minas, foi feita pelo
detento Renato Ferreira, em depoimento prestado aos deputados da
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, que foram a Juiz de fora
nesta quinta-feira (21/10/2004).
Renato Ferreira foi um dos oito detentos das
penitenciárias José Edson Cavalieri e Ariosvaldo Campos Pires que
solicitaram a presença dos deputados para denunciar casos de
tortura, maus-tratos e espancamentos por parte do agente
penitenciário Sérgio Rodrigues Ribeiro e do diretor dos dois
estabelecimentos, o ex-tenente do Exército Flávio Moreira de
Oliveira. As queixas dos presos, amplamente divulgadas pela imprensa
regional, resultaram em inquérito judicial, até agora sem
comprovação através de exames de corpo de delito.
Iuri de Oliveira Alonso disse que estava no regime
semi-aberto e trabalhava como gari do Departamento Municipal de
Limpeza Urbana (Demlurb), fazendo capina e limpeza na localidade de
Torreões. Tinha havido um furto na igreja local e os presos foram
apontados como suspeitos. Disse que o agente Sérgio chegou onde
trabalhava, o algemou e trancou na viatura. Passando mal pelo calor,
gritou e deu pancadas dentro da caçapa. Isso teria enfurecido o
agente, que lhe bateu até que desmaiasse.
Apenas um preso, Eduardo Guimarães Faria, tinha
marcas de maus-tratos para mostrar aos deputados: cicatrizes nos
pulsos causadas, segundo ele, por ter sido algemado e arrastado.
Outro detento, Aluísio Martins Prado, alega ter sido espancado com
socos e cassetete por Sérgio Ribeiro, o Serjão, enquanto levava
choques elétricos do próprio diretor, para confessar posse de
drogas. Os deputados apuraram três versões diferentes para essa
mesma estória, contadas pelo preso, pelo diretor e pelo agente
penitenciário.
O aparelho de eletrochoque descrito pelo preso pode
ser uma sirene anti-distúrbio que o diretor Flávio Oliveira admite
carregar no colete. O presidente da Comissão, deputado Durval
Ângelo, quis apurar a notícia de jornal de que alguns bastões usados
em espancamentos fossem apelidados de "Nilmário Miranda" e "Direitos
Humanos", mas apenas Aluísio Prado confirmou ter ouvido o nome do
ministro de Direitos Humanos, o qual inclusive esteve preso durante
o regime militar no presídio Edson Cavalieri, que então se chamava
Linhares.
Carlos Fernando de Melo disse que foi atingido por
chutes e pauladas por um agressor não identificado, por estar
disfarçado, durante sua transferência do regime fechado na Campos
Pires para o semi-aberto da Cavalieri. Afirma que o diretor de
segurança Guy Madson presenciou os maus-tratos.
Eduardo Faria disse ter sido retirado da cela por
Serjão depois das 22 horas para ser espancado por estar "zoando a
cadeia". Ademar dos Santos Moreira e Sílvio Gomes confirmam que
viram o preso ser retirado da cela durante a noite e depois
devolvido de manhã, mas não viram se estava machucado. Edésio
Gerciano de Oliveira nada sabe acerca de maus-tratos. Pediu para ser
levado à presença dos deputados apenas para pedir revisão de sua
pena.
Agente apresenta versões diferentes para denúncias
dos presos
Depois que os presos foram reconduzidos a suas
celas, os deputados, os vereadores e o representante da OAB
interrogaram o agente Sérgio Rodrigues Ribeiro, apelidado Serjão, um
homem de grande estatura e vigor físico. Esse disse que foi policial
ferroviário e que havia dez anos entrara por concurso no sistema
penitenciário estadual. Negou que tenha maltratado os presos e
apresentou sua própria versão para cada estória contada por esses.
Serjão informou aos deputados que faz
esporadicamente trabalho externo de investigação de crimes ligados
ao presídio, por ordem do diretor, e inclusive teria descoberto a
participação de um agente penitenciário novato num assalto a banco
em Liberdade. O assaltante teria tentado silenciá-lo com uma propina
de R$ 900,00. O deputado Durval Ângelo perguntou se andava armado, e
Serjão admitiu que usa arma durante o serviço, embora não possua
porte. O deputado Roberto Ramos tentou apurar se o agente tinha
ligação com roubo de veículos, conforme denúncia dos presos, mas
este respondeu que sequer possuía carro.
O diretor das penitenciárias José Edson Cavalieri
(112 presos no regime semi-aberto) e Ariosvaldo Campos Pires (198
presos fechados), Flávio Moreira de Oliveira, recebeu os deputados
da Comissão de Direitos Humanos com solicitude e respeito, e não se
negou a responder a nenhuma pergunta. Disse que há 28 anos trabalha
em segurança pública e que foi tenente do Exército. Desde junho de
2003 é diretor dos dois estabelecimentos.
Diretor denuncia campanha de desgaste
Questionado pelos deputados sobre as acusações de
violação dos direitos humanos, Oliveira alegou que o rigoroso
esforço de moralização dos presídios que vem realizando desde que
chegou havia contrariado muitos interesses, tanto de detentos quanto
de funcionários, e atribui a isso a campanha através da imprensa
para derrubá-lo. O diretor assegura que teve que afastar e demitir
encarregados de revista envolvidos com a entrada clandestina de
armas e drogas nos estabelecimentos e traçou um quadro da
degeneração do sistema que encontrou ao assumir.
"Montamos um museu criminológico com facas, facões,
armas, 'terezas' e celulares que jamais poderiam ter entrado aqui
sem a conivência dos funcionários. Numa única revista, apreendemos
52 trouxas de cocaína e crack e dois quilos de maconha. Até
plantação de maconha encontramos aqui dentro. Havia condenados por
estelionato trabalhando na área administrativa, com acesso a
documentos de redução de pena. Havia funcionários que agendavam
visitas íntimas de prostitutas, inclusive menores de idade. Com
apoio do subsecretário Agílio Monteiro e as portarias disciplinares,
estamos acabando com tudo isso. Visita íntima agora é só da mulher
cadastrada pelo próprio preso", relatou o diretor.
Questionado pelo deputado Durval Ângelo se
participava de torturas e se aplicava choques nos presos, o diretor
afirmou categoricamente que "a única arma que uso contra o preso é a
caneta". No caso de Aluísio Martins Prado, que alega ter recebido
dele choques na nuca, enquanto Serjão o socava e contundia com o
cassetete, Flávio Oliveira explicou que viu da janela de sua sala o
preso escondendo dois pacotes de maconha, que o interrogou sobre a
posse da droga e que o conduziu para a delegacia para lavrar o
flagrante criminal. O exame médico não teria acusado maus-tratos no
detento.
Participaram da visita também os deputados Roberto
Ramos (PL), vice-presidente da Comissão, e Biel Rocha (PT),
representante de Juiz de Fora, além dos vereadores José Mariano e
Sílvio Ravaimi, da Comissão de Direitos Humanos de Juiz de Fora, e
do advogado Fernando Tadeu David, da OAB. Na saída, o deputado
Durval Ângelo disse à imprensa que haveria uma reunião da Comissão
na próxima semana para decidir se devem ou não pedir o afastamento
do diretor e do agente acusados de truculência.
Sem conciliação em Santos Dumont
Antes de se dirigir ao presídio José Cavalieri em
Juiz de Fora, a Comissão de Direitos Humanos realizou uma reunião na
Câmara Municipal de Santos Dumont, para esclarecer perseguições que
estariam sendo sofridas pelo metalúrgico Eliseu Gravina Jr. e sua
noiva Camila Sá Fortes Nacif por parte de policiais militares, desde
que o metalúrgico representou contra estes há mais de quatro anos
por importunarem sua noiva.
Compareceram à reunião o soldado José Eduardo
Ferreira, da 63ª Cia. do 9º Batalhão da PMMG, acusado de dirigir
galanteios à moça, e seu colega Alexandre Figueiredo, acusado de
causar danos materiais à motocicleta de Eliseu Gravina, durante uma
blitz policial. Ambos rebateram as acusações do metalúrgico e
deram versões diferentes dos fatos. A promotora de Justiça Nicole
Frossard de Felippo informou que os soldados ofereceram denúncia em
Juízo contra o casal por calúnia e difamação, e que essa ação está
em curso.
O capitão Júlio Malta de Araújo, comandante da 63ª
Cia., informou aos deputados que assumiu o posto há três anos, e que
examinou as sindicâncias contra os policiais, encontrando
discrepâncias entre as datas relatadas pelo casal e as escalas de
serviço dos militares. "A Polícia Militar tem regulamento
disciplinar severo, mas não encontrou provas suficientes para punir
os soldados. O que existe é apenas a palavra do Sr. Gravina. Várias
autoridades analisaram os autos e estes foram arquivados", disse o
capitão.
Olhar para policial é considerado desacato
Tomaram partido do casal vários membros da Comissão
de Direitos Humanos de Santos Dumont, inclusive Ruth Freitas, que
afirmou ter sido recebida com deboche pelas autoridades da PM. O
deputado Roberto Ramos (PL), opinou que a vítima estava sendo
tratada como criminoso pela Polícia Militar e sofrendo tortura
psicológica. "Vivemos uma época em que esbarrar num policial na rua
é agressão e olhar para ele é desacato", lamentou o deputado.
O tenente instrutor Sérgio Morais disse que não via
maior gravidade na questão e sugeriu que as partes pusessem um ponto
final no caso. Assim também entendeu o deputado Durval Ângelo, que
se reuniu em particular com Gravina e o soldado José Eduardo,
tentando uma conciliação para que retirassem as ações da Justiça.
Como ambos se recusaram a fazê-lo, Durval Ângelo previu que essas
ações correriam ainda anos na Justiça, e que seu destino final seria
o arquivamento. "Seria melhor que vocês evitassem esse desperdício
de tempo, de dinheiro gasto com advogados, e de energia que poderia
ser melhor empregada em tocar suas vidas", aconselhou o
deputado.
PM espanca bêbado diante de testemunhas
Antes do encerramento da reunião, a Comissão de
Direitos Humanos recebeu uma corajosa denúncia do estudante Paulo
Rafael Coura Jr, que presenciou o espancamento de dois rapazes pela
Polícia Militar. Coura relatou que, da janela de sua casa, em 10 de
outubro, viu uma viatura policial atender a um chamado por causa de
um rapaz alcoolizado que fazia tumulto num bar, enquanto um amigo
tentava inutilmente levá-lo para casa.
"Os PMs tentaram algemá-lo com calma para levar à
delegacia, mas o rapaz resistiu. Então ficaram mais agressivos e o
colocaram à força na caçapa. Sem razão, começaram a bater na nuca do
amigo. Eu e várias pessoas presenciamos o espancamento e começamos a
gritar que éramos testemunhas. Só então eles pararam e levaram os
dois para a delegacia".
Paulo Rafael disse que foi à Companhia de Polícia
para relatar o que viu, e que foi tratado com gentileza pelo
Sargento Alvarenga. Mas fez questão de frisar, para os policiais
presentes à reunião, que eles perdiam o direito ao respeito da
comunidade quando recorriam à violência desnecessária. "Policiais
não podem ser bandidos com porte de arma. Têm que ser os
anjos-da-guarda da comunidade", concluiu.
O presidente Durval Ângelo designou o deputado Biel
Rocha para tomar todas as providências referentes àquele caso e
acompanhá-lo até sua conclusão.
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