Carcereiros de Juiz de Fora são mais arbitrários que os do Rio, diz preso

"Já tirei cadeia quase 20 anos nas penitenciárias do Rio de Janeiro. Tem uns dez que estou cumprindo pena em Minas, p...

22/10/2004 - 00:00
 

Carcereiros de Juiz de Fora são mais arbitrários que os do Rio, diz preso

"Já tirei cadeia quase 20 anos nas penitenciárias do Rio de Janeiro. Tem uns dez que estou cumprindo pena em Minas, primeiro na Segurança Máxima de Contagem e agora aqui na Campos Pires. Lá no Rio eles não maltratam os presos como aqui. Os agentes dão o respeito, pra ter respeito". A comparação entres os dois sistemas penitenciários, desfavorável a Minas, foi feita pelo detento Renato Ferreira, em depoimento prestado aos deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, que foram a Juiz de fora nesta quinta-feira (21/10/2004).

Renato Ferreira foi um dos oito detentos das penitenciárias José Edson Cavalieri e Ariosvaldo Campos Pires que solicitaram a presença dos deputados para denunciar casos de tortura, maus-tratos e espancamentos por parte do agente penitenciário Sérgio Rodrigues Ribeiro e do diretor dos dois estabelecimentos, o ex-tenente do Exército Flávio Moreira de Oliveira. As queixas dos presos, amplamente divulgadas pela imprensa regional, resultaram em inquérito judicial, até agora sem comprovação através de exames de corpo de delito.

Iuri de Oliveira Alonso disse que estava no regime semi-aberto e trabalhava como gari do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb), fazendo capina e limpeza na localidade de Torreões. Tinha havido um furto na igreja local e os presos foram apontados como suspeitos. Disse que o agente Sérgio chegou onde trabalhava, o algemou e trancou na viatura. Passando mal pelo calor, gritou e deu pancadas dentro da caçapa. Isso teria enfurecido o agente, que lhe bateu até que desmaiasse.

Apenas um preso, Eduardo Guimarães Faria, tinha marcas de maus-tratos para mostrar aos deputados: cicatrizes nos pulsos causadas, segundo ele, por ter sido algemado e arrastado. Outro detento, Aluísio Martins Prado, alega ter sido espancado com socos e cassetete por Sérgio Ribeiro, o Serjão, enquanto levava choques elétricos do próprio diretor, para confessar posse de drogas. Os deputados apuraram três versões diferentes para essa mesma estória, contadas pelo preso, pelo diretor e pelo agente penitenciário.

O aparelho de eletrochoque descrito pelo preso pode ser uma sirene anti-distúrbio que o diretor Flávio Oliveira admite carregar no colete. O presidente da Comissão, deputado Durval Ângelo, quis apurar a notícia de jornal de que alguns bastões usados em espancamentos fossem apelidados de "Nilmário Miranda" e "Direitos Humanos", mas apenas Aluísio Prado confirmou ter ouvido o nome do ministro de Direitos Humanos, o qual inclusive esteve preso durante o regime militar no presídio Edson Cavalieri, que então se chamava Linhares.

Carlos Fernando de Melo disse que foi atingido por chutes e pauladas por um agressor não identificado, por estar disfarçado, durante sua transferência do regime fechado na Campos Pires para o semi-aberto da Cavalieri. Afirma que o diretor de segurança Guy Madson presenciou os maus-tratos.

Eduardo Faria disse ter sido retirado da cela por Serjão depois das 22 horas para ser espancado por estar "zoando a cadeia". Ademar dos Santos Moreira e Sílvio Gomes confirmam que viram o preso ser retirado da cela durante a noite e depois devolvido de manhã, mas não viram se estava machucado. Edésio Gerciano de Oliveira nada sabe acerca de maus-tratos. Pediu para ser levado à presença dos deputados apenas para pedir revisão de sua pena.

Agente apresenta versões diferentes para denúncias dos presos

Depois que os presos foram reconduzidos a suas celas, os deputados, os vereadores e o representante da OAB interrogaram o agente Sérgio Rodrigues Ribeiro, apelidado Serjão, um homem de grande estatura e vigor físico. Esse disse que foi policial ferroviário e que havia dez anos entrara por concurso no sistema penitenciário estadual. Negou que tenha maltratado os presos e apresentou sua própria versão para cada estória contada por esses.

Serjão informou aos deputados que faz esporadicamente trabalho externo de investigação de crimes ligados ao presídio, por ordem do diretor, e inclusive teria descoberto a participação de um agente penitenciário novato num assalto a banco em Liberdade. O assaltante teria tentado silenciá-lo com uma propina de R$ 900,00. O deputado Durval Ângelo perguntou se andava armado, e Serjão admitiu que usa arma durante o serviço, embora não possua porte. O deputado Roberto Ramos tentou apurar se o agente tinha ligação com roubo de veículos, conforme denúncia dos presos, mas este respondeu que sequer possuía carro.

O diretor das penitenciárias José Edson Cavalieri (112 presos no regime semi-aberto) e Ariosvaldo Campos Pires (198 presos fechados), Flávio Moreira de Oliveira, recebeu os deputados da Comissão de Direitos Humanos com solicitude e respeito, e não se negou a responder a nenhuma pergunta. Disse que há 28 anos trabalha em segurança pública e que foi tenente do Exército. Desde junho de 2003 é diretor dos dois estabelecimentos.

Diretor denuncia campanha de desgaste

Questionado pelos deputados sobre as acusações de violação dos direitos humanos, Oliveira alegou que o rigoroso esforço de moralização dos presídios que vem realizando desde que chegou havia contrariado muitos interesses, tanto de detentos quanto de funcionários, e atribui a isso a campanha através da imprensa para derrubá-lo. O diretor assegura que teve que afastar e demitir encarregados de revista envolvidos com a entrada clandestina de armas e drogas nos estabelecimentos e traçou um quadro da degeneração do sistema que encontrou ao assumir.

"Montamos um museu criminológico com facas, facões, armas, 'terezas' e celulares que jamais poderiam ter entrado aqui sem a conivência dos funcionários. Numa única revista, apreendemos 52 trouxas de cocaína e crack e dois quilos de maconha. Até plantação de maconha encontramos aqui dentro. Havia condenados por estelionato trabalhando na área administrativa, com acesso a documentos de redução de pena. Havia funcionários que agendavam visitas íntimas de prostitutas, inclusive menores de idade. Com apoio do subsecretário Agílio Monteiro e as portarias disciplinares, estamos acabando com tudo isso. Visita íntima agora é só da mulher cadastrada pelo próprio preso", relatou o diretor.

Questionado pelo deputado Durval Ângelo se participava de torturas e se aplicava choques nos presos, o diretor afirmou categoricamente que "a única arma que uso contra o preso é a caneta". No caso de Aluísio Martins Prado, que alega ter recebido dele choques na nuca, enquanto Serjão o socava e contundia com o cassetete, Flávio Oliveira explicou que viu da janela de sua sala o preso escondendo dois pacotes de maconha, que o interrogou sobre a posse da droga e que o conduziu para a delegacia para lavrar o flagrante criminal. O exame médico não teria acusado maus-tratos no detento.

Participaram da visita também os deputados Roberto Ramos (PL), vice-presidente da Comissão, e Biel Rocha (PT), representante de Juiz de Fora, além dos vereadores José Mariano e Sílvio Ravaimi, da Comissão de Direitos Humanos de Juiz de Fora, e do advogado Fernando Tadeu David, da OAB. Na saída, o deputado Durval Ângelo disse à imprensa que haveria uma reunião da Comissão na próxima semana para decidir se devem ou não pedir o afastamento do diretor e do agente acusados de truculência.

Sem conciliação em Santos Dumont

Antes de se dirigir ao presídio José Cavalieri em Juiz de Fora, a Comissão de Direitos Humanos realizou uma reunião na Câmara Municipal de Santos Dumont, para esclarecer perseguições que estariam sendo sofridas pelo metalúrgico Eliseu Gravina Jr. e sua noiva Camila Sá Fortes Nacif por parte de policiais militares, desde que o metalúrgico representou contra estes há mais de quatro anos por importunarem sua noiva.

Compareceram à reunião o soldado José Eduardo Ferreira, da 63ª Cia. do 9º Batalhão da PMMG, acusado de dirigir galanteios à moça, e seu colega Alexandre Figueiredo, acusado de causar danos materiais à motocicleta de Eliseu Gravina, durante uma blitz policial. Ambos rebateram as acusações do metalúrgico e deram versões diferentes dos fatos. A promotora de Justiça Nicole Frossard de Felippo informou que os soldados ofereceram denúncia em Juízo contra o casal por calúnia e difamação, e que essa ação está em curso.

O capitão Júlio Malta de Araújo, comandante da 63ª Cia., informou aos deputados que assumiu o posto há três anos, e que examinou as sindicâncias contra os policiais, encontrando discrepâncias entre as datas relatadas pelo casal e as escalas de serviço dos militares. "A Polícia Militar tem regulamento disciplinar severo, mas não encontrou provas suficientes para punir os soldados. O que existe é apenas a palavra do Sr. Gravina. Várias autoridades analisaram os autos e estes foram arquivados", disse o capitão.

Olhar para policial é considerado desacato

Tomaram partido do casal vários membros da Comissão de Direitos Humanos de Santos Dumont, inclusive Ruth Freitas, que afirmou ter sido recebida com deboche pelas autoridades da PM. O deputado Roberto Ramos (PL), opinou que a vítima estava sendo tratada como criminoso pela Polícia Militar e sofrendo tortura psicológica. "Vivemos uma época em que esbarrar num policial na rua é agressão e olhar para ele é desacato", lamentou o deputado.

O tenente instrutor Sérgio Morais disse que não via maior gravidade na questão e sugeriu que as partes pusessem um ponto final no caso. Assim também entendeu o deputado Durval Ângelo, que se reuniu em particular com Gravina e o soldado José Eduardo, tentando uma conciliação para que retirassem as ações da Justiça. Como ambos se recusaram a fazê-lo, Durval Ângelo previu que essas ações correriam ainda anos na Justiça, e que seu destino final seria o arquivamento. "Seria melhor que vocês evitassem esse desperdício de tempo, de dinheiro gasto com advogados, e de energia que poderia ser melhor empregada em tocar suas vidas", aconselhou o deputado.

PM espanca bêbado diante de testemunhas

Antes do encerramento da reunião, a Comissão de Direitos Humanos recebeu uma corajosa denúncia do estudante Paulo Rafael Coura Jr, que presenciou o espancamento de dois rapazes pela Polícia Militar. Coura relatou que, da janela de sua casa, em 10 de outubro, viu uma viatura policial atender a um chamado por causa de um rapaz alcoolizado que fazia tumulto num bar, enquanto um amigo tentava inutilmente levá-lo para casa.

"Os PMs tentaram algemá-lo com calma para levar à delegacia, mas o rapaz resistiu. Então ficaram mais agressivos e o colocaram à força na caçapa. Sem razão, começaram a bater na nuca do amigo. Eu e várias pessoas presenciamos o espancamento e começamos a gritar que éramos testemunhas. Só então eles pararam e levaram os dois para a delegacia".

Paulo Rafael disse que foi à Companhia de Polícia para relatar o que viu, e que foi tratado com gentileza pelo Sargento Alvarenga. Mas fez questão de frisar, para os policiais presentes à reunião, que eles perdiam o direito ao respeito da comunidade quando recorriam à violência desnecessária. "Policiais não podem ser bandidos com porte de arma. Têm que ser os anjos-da-guarda da comunidade", concluiu.

O presidente Durval Ângelo designou o deputado Biel Rocha para tomar todas as providências referentes àquele caso e acompanhá-lo até sua conclusão.

 

 

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