Ex-gerente conta detalhes de transações irregulares na Cafecredi

Uma carta-depoimento com um desabafo pessoal do ex-gerente da Cooperativa de Crédito dos Cafeicultores de Poços de Ca...

16/09/2004 - 00:02
 

Ex-gerente conta detalhes de transações irregulares na Cafecredi

Uma carta-depoimento com um desabafo pessoal do ex-gerente da Cooperativa de Crédito dos Cafeicultores de Poços de Caldas (Cafecredi), Fábio Garcia Marques, narra detalhes do descalabro administrativo que culminou num rombo de R$ 4 milhões na entidade. A carta foi lida pelo advogado de Fábio, Hélio Guedes Oliveira, na manhã desta quinta-feira (16/9/04), durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Café da Assembléia Legislativa. Residente nos Estados Unidos, Fábio foi gerente da Cafecredi e assumiu a responsabilidade por diversas transações bancárias irregulares.

Até então, um dos principais personagens do esquema de operações irregulares na Cafecredi era o empresário Paulo Afonso Gomes. Ele teria movimentado contas de seus familiares irregularmente e teria sido o principal beneficiário de uma transferência de R$ 390 mil da Cafepoços para cobrir o rombo de suas contas na Cafecredi. O ex-presidente da Cafepoços e da Cafecredi, Jaime Junqueira Payne, é quem teria autorizado as operações para beneficiar o empresário. O ex-gerente da Cafecredi revelou os detalhes de muitas dessas transações, confirmou que todas foram realizadas por ordem de Payne, mas assumiu parte da responsabilidade pelas irregularidades.

"Não sou santo. Errei, tirei vantagens e sou responsável por tudo o que fiz, ainda que tenha sido por subordinação", diz Fábio, em sua carta. O ex-gerente, no entanto, não atribui as irregularidades administrativas à má-fé de Payne. "Não creio que ele tenha tirado algum proveito financeiro. Acredito que todos os lançamentos tenham sido feitos para tentar acobertar sua incompetência administrativa", escreve.

As transações irregulares tiveram início logo que Fábio começou a trabalhar na Cafecredi, quando começou uma intensa troca de favores com Payne. O presidente da cooperativa teria lhe emprestado dinheiro e, poucos dias depois, teria lhe pedido para aumentar o limite do cheque especial da conta de sua mãe na Cafecredi. Depois desse primeiro favor, vieram muitos outros, como redução de taxas de juros do cheque especial, liberação de empréstimos pessoais sem o aval do conselho diretor, troca de cheques antes do prazo de compensação. À essa altura, Fábio já era o braço direito de Payne.

A abertura da conta do empresário Paulo Afonso Gomes foi um dos fatores que precipitaram a crise da Cafecredi.. Ele movimentava grande volume de dinheiro, mas com cheques a serem descontados em até 60 dias, pagando altas taxas de juros para cobrir o risco da operação. Essas transações de factoring, segundo Fábio, teriam sido viabilizadas com a participação do irmão de Paulo, o médico Moacyr Nabo Gomes Filho. Na prática, o médico atuava como agiota, trocando cheques da cooperativa com deságio de até 10%. Mas em pouco tempo o empresário perdeu a capacidade de honrar seus compromissos e a situação tornou-se insustentável, deixando a cooperativa endividada.

Outro fator agravante foi a entrada da Cafecredi no mercado de hedge, ou seja, operações na bolsa de valores para tentar amenizar a crise provocada pela queda na cotação do café. Para as operações na bolsa, foram criadas várias contas fantasmas em nome de cooperados, movimentadas pelo próprio Payne, segundo Fábio. "Ele tentou uma tacada de mestre e movimentava muito a conta do Paulo, na ânsia de ganhar dinheiro para cobrir sua dívida. Estornava-se juros, usava-se o resultado da Cafecredi, diluía-se em várias contas, eram muitos lançamentos tentando enfraquecer o monstro (que era o rombo da cooperativa). Mas as dívidas só cresciam e os lançamentos fugiam ao meu controle", descreve Fábio.

Ao final de sua carta, o ex-gerente pede à CPI proteção policial para sua família. O representante de Fábio leu também a autorização que Payne lhe deu para fazer transferências entre contas da Cafecredi. Também leu carta de Payne endereçada a Paulo Afonso, na qual o ex-presidente da cooperativa admite que "a situação está ficando incontrolável". O advogado de Fábio também entregou à comissão três fitas cassete com gravações de suas ligações telefônicas para Payne e o médico Moacyr Gomes Nabo Filho.

Empresário desconhece que era prejudicado pelo próprio irmão

Paulo Afonso Gomes aparece no depoimento de Fábio como vítima do esquema de transações irregulares. Uma de suas contas na Cafecredi movimentadas sem sua autorização por Payne, segundo o ex-gerente, teria "dormido com R$ 10 mil de saldo num dia e amanhecido no dia seguinte com débito de R$ 500 mil". O empresário teve que vender parte de seu patrimônio para quitar a dívida com a Cafecredi, mas com taxas de juros que variavam entre 6% e 15% ao mês, ela ficou impagável.

O novo depoimento de Paulo Afonso Gomes foi em consonância com o testemunho de Fábio. Mas o empresário disse não saber que estaria sendo prejudicado pelo próprio irmão, que estaria atuando como agiota no esquema de troca de cheques com altas taxas de deságio. "Ele sempre me emprestou dinheiro cobrando juros de poupança", justificou. A afirmação deixou o deputado Sargento Rodrigues (PDT) intrigado. "O senhor deveria ter ficado estarrecido com a atuação do seu irmão, mas nem ficou surpreso", afirmou o deputado.

O deputado Rogério Correia (PT) também não se convenceu do depoimento e defendeu a quebra do sigilo bancário de Paulo Afonso para investigar a possibilidade de utilização da Cafecredi para lavagem de dinheiro proveniente de interceptação de carga roubada, crime pelo qual o empresário já cumpriu pena de seis meses em São Paulo.

O empresário novamente reiterou que vendeu seu patrimônio para cobrir suas dívidas com a Cafecredi, negou participação em possível esquema de lavagem de dinheiro e admitiu que sua conta na cooperativa pode ter sido movimentada por Payne sem seu consentimento.

A CPI ainda promoveu na noite desta quinta-feira uma acareação entre Payne e Paulo Afonso, já que os dois haviam dado depoimentos contraditórios à comissão. Antes, o gerente de inspetoria da Crediminas, Marcos Vinícius Francisco, foi ouvido pelos deputados a portas fechadas.

Durante a acareação, os deputados se detiveram em esclarecer uma operação lesiva de R$ 480 mil, que saíram da Cafepoços, quando Payne era seu presidente, passaram pela corretora Link e depois foram distribuídos entre 15 contas, várias delas de Paulo Afonso e seus parentes, mas também de Payne e sua mãe, Maria Clara Junqueira. Os deputados demonstraram, através de documentos, que Payne tentou adulterar o relatório de auditoria da Crediminas no trecho em que ele e sua mãe eram incriminados. Mesmo assim Payne tentou negar os fatos.

Diante da atitude evasiva do depoente, os deputados se tornaram cada vez mais severos, e chegaram ao ponto de comparar as assinaturas dos papéis com a da carteira de identidade que pediram a Jaime Payne para entregar. O deputado Sargento Rodrigues, que dirigia a reunião, diversas vezes o admoestou de que a sonegação de informações à CPI constituía crime passível de 1 a 3 anos de prisão. "Estou alertando o senhor seguidas vezes sobre isso, já que parece estar desmemoriado", ironizou o deputado.

O deputado Domingos Sávio, que já foi dirigente de cooperativa, deteve-se em interrogar o depoente sobre suas responsabilidades estatutárias de diretor-financeiro da Cafecredi, e negou-se a acreditar que Payne fosse negligente ao ponto de não conferir as operações de crédito e os desembolsos, e desconhecesse inclusive relatórios de auditoria encomendados pela própria diretoria. Domingos Sávio registrou que Payne admitia que as decisões da cooperativa eram colegiadas e que os outros diretores eram tão responsáveis quanto ele.

Paulo Afonso foi mais incisivo em suas respostas, e admitiu que a gestão ruinosa de seus negócios foi causada por sua própria incompetência. Confirmou que havia transacionado imóveis e veículos com Jaime Payne. Sua acareação só produziu um conflito na questão dos juros que pagava sobre seus empréstimos. Para ele, eram altas taxas de 13 a 14% ao mês, que foram formando uma bola de neve que crescia incontrolavelmente. Payne informou que os cheques eram descontados numa factoring de Belo Horizonte, mas que internamente a cooperativa operava com juros abaixo das taxas de mercado.

A comissão aprovou requerimento para que seus trabalhos sejam suspensos por 20 dias para análise da documentação recolhida. Também foi aprovado requerimento pedindo a prorrogação de seus trabalhos por 30 dias para a elaboração de seu relatório final. Ambos os requerimentos são de autoria do presidente da comissão, deputado Sebastião Navarro Vieira (PFL). A próxima reunião da CPI do Café foi convocada para 7 de outubro.

2,5 mil sacas de café desapareceram em Lavras

A CPI tomou conhecimento do desaparecimento de 2,5 mil sacas do armazém da Cooperativa Agrícola Alto Rio Grande, de Lavras. Segundo o presidente da cooperativa, Ozany Pereira Barbosa, além do desfalque no estoque, outras 8.877 sacas de café de primeira qualidade foram trocadas por grãos de terceira categoria, o chamado café de escolha. Ele diz que as irregularidades no depósito da cooperativa vinham acontecendo nos últimos três anos, mas só foram descobertas em fevereiro deste ano.

Diferente das outras cooperativas investigadas pela CPI, a Alto Rio Grande não dividiu o prejuízo de R$ 1,5 milhão com os cooperados. De acordo com Ozany, parte do rombo (R$ 497 mil) foi coberta com o próprio capital de giro da cooperativa, e outros R$ 700 mil foram cobertos com um empréstimo bancário. O diretor da cooperativa espera poder cobrir o restante do rombo até o final deste ano. "Felizmente a cooperativa não perdeu a credibilidade junto aos cooperados. Outras 15 mil sacas de café já entraram em nosso depósito desde esse episódio", disse Ozany.

O delegado que investiga o caso, Osvaldo Wiermann Júnior, adiantou que há indícios de participação de funcionários da cooperativa no sumiço do café. Ele disse que todas as testemunhas já foram ouvidas e o inquérito deve ser concluído dentro de dois meses. Para isso, falta apenas a quebra de sigilo bancário dos suspeitos de envolvimento no crime.

Caso Cooparaíso é novamente discutido

A comissão também retomou as investigações sobre empréstimos irregulares contraídos pela Cooperativa Regional dos Cafeicultores de São Sebastião do Paraíso (Cooparaíso). Há a suspeita de uma assinatura falsa num contrato de alongamento de empréstimo do Funcafé no valor de R$ 5 milhões. A diretora financeira da cooperativa, Cecília Marcolini, havia dito à comissão que a concessão desse empréstimo foi de inteira responsabilidade da agência do Banco do Brasil (BB) em São Sebastião do Paraíso.

O ex-funcionário do BB apontado por Cecília como o responsável pelo empréstimo, Gesiel Salgueiro Canoas, disse não ter conhecimento da operação. "Eu era chefe do setor de operações financeiras rurais, apenas cumpria ordens", disse. Gesiel esquivou-se de responder aos questionamentos dos deputados sobre o empréstimo, alegando que essas informações são protegidas por sigilo bancário. O nome do gerente do BB em São Sebastião do Paraíso só foi revelado após a advertência do deputado Sargento Rodrigues de que ele poderia ser preso caso não colaborasse com a CPI. Trata-se de Elias Martins Amorim, que teria sido o responsável pelo empréstimo do Funcafé em 1995, segundo Gesiel.

Requerimentos aprovados:

Do deputado Rogério Correia (PT):

* pedindo uma acareação entre a diretora financeira da Cooparaíso, Cecília Marcolini, o gerente do Banco do Brasil na cidade, Elias Martins Amorim, e o funcionário do banco, Gesiel Salgueiro Canoas;

* solicitando à superintendência do Banco do Brasil em Minas Gerais o encaminhamento à comissão de toda a documentação relativa aos contratos do Funcafé em 1995;

* convocando Itamar Peixoto de Melo e demais fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda a prestar depoimento;

* convocando Ivan Malaquias e Frederico Ozanan, procuradores da Cafepoços, a prestarem depoimento;

Do deputado Sargento Rodrigues (PDT):

* pedindo ao juiz de Lavras agilidade na quebra do sigilo bancário de José Teixeira dos Santos, em sua conta no Banco Real;

* solicitando ao Instituto de Criminalística da Polícia Civil urgência na degravação das fitas de áudio enviadas à comissão por Fábio Garcia Marques;

* solicitando exames grafotécnicos para comprovar a autenticidade das cartas e assinaturas de Jaime Payne que constituem documentos da CPI.

Do deputado Sebastião Navarro Vieira (PFL):

* pedindo ao comando da Polícia Militar proteção especial para a família de Fábio Garcia Marques;

Do deputado Domingos Sávio (PSDB):

* pedindo ao Detran/MG o rastreamento da compra e venda de veículos relatadas na carta de Fábio Garcia Marques;

* solicitando informações sobre o recebimento de veículos como pagamento pela compra de medicamentos por duas distribuidoras de São Paulo, conforme relatou Paulo Afonso Gomes;

Presenças - Deputados Sebastião Navarro Vieira (PFL), presidente; Sargento Rodrigues (PDT), vice; Rogério Correia (PT), relator; Roberto Ramos (PL), Domingos Sávio (PSDB) e Rêmolo Aloise (PL).

 

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