Papel dos comitês de bacia é destaque no segundo dia de seminário

No segundo dia do Seminário Legislativo "Saneamento Ambiental - Demandas e Intervenções Necessárias", nesta terça-fei...

14/09/2004 - 00:02
 

Papel dos comitês de bacia é destaque no segundo dia de seminário

No segundo dia do Seminário Legislativo "Saneamento Ambiental - Demandas e Intervenções Necessárias", nesta terça-feira (14/9/04), no Plenário da Assembléia Legislativa, o diretor-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Paulo Teodoro de Carvalho, destacou a importância dos comitês de bacias para o gerenciamento dos recursos hídricos no Estado. Ele foi o primeiro palestrante da mesa dos trabalhos, que também teve a participação dos deputados Ricardo Duarte (PT) e Fábio Avelar (PTB). Para o diretor do Igam, os comitês garantem a descentralização do gerenciamento e a participação de quem realmente conhece os problemas de cada bacia: "São o fórum mais adequado para a discussão do modelo de desenvolvimento sustentável".

Atualmente, Minas Gerais está dividida em 34 unidades de planejamento e gestão e em cada uma deve haver um comitê. Já estão funcionando 21 deles. "Mas já chegamos à conclusão de que é preciso ser feita uma nova divisão, com união de algumas unidades e separação de outras", afirmou Paulo Teodoro de Carvalho. Um exemplo é o caso de três municípios mineiros que contribuem para o abastecimento do Estado de São Paulo. Minas está reivindicando investimentos por parte da administração de recursos hídricos paulista. "A destruição do rio não é interessante nem para os mineiros nem para os paulistas", destacou.

Paulo Teodoro de Carvalho relacionou, ainda, algumas das principais funções dos comitês de bacias hidrográficas. São elas: arbitrar conflitos, aprovar e acompanhar execução do plano de recursos hídricos da bacia, aprovar outorgas de grande porte e definir usos insignificantes, sugerir valores de cobrança e propor o enquadramento dos cursos d'água. E lembrou que 45 milhões de pessoas ainda vivem sem água potável, enquanto 83 milhões vivem sem esgoto.

"A tradição no País é de desperdício e degradação", analisou outro expositor, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Aldo da Cunha Rebouças. O pesquisador defendeu o uso da água subterrânea, que é encarada como alternativa pelos países desenvolvidos, mas ignorada, segundo ele, pelas empresas de água no Brasil. "A água subterrânea é a mais barata. É necessário usar e preservar", cobrou.

Desigualdade marca cobertura do saneamento

"A cobertura dos serviços de saneamento no País ainda é marcada por desigualdades, tanto regionais, quanto entre populações urbana e rural", destacou o representante da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), José Luiz Ribeiro Reis. No caso das regiões Norte e Nordeste, se comparadas às regiões Sul e Sudeste, que apresentam bons índices de cobertura, as principais deficiências são abastecimento de água, sistema de esgoto sanitário, vigilância de qualidade da água e coleta de lixo. "A queima é o principal destino dos resíduos que não são coletados. Ou então, eles são jogados em terreno baldio, soluções extremamente condenáveis", criticou.

O representante da Funasa lembrou que as ações desenvolvidas pelo órgão, que integra a estrutura do Ministério da Saúde, refletem diretamente nos municípios, prioritariamente naqueles com menos de 30 mil habitantes. Nesses municípios, do Norte ou do Nordeste mas até mesmo das outras regiões do País, ressaltou José Luiz Ribeiro Reis, é considerável a ocorrência de doenças relacionadas com baixo índice de cobertura, como cólera, malária, dengue, hantavirose. "Antes de ser infra-estrutura, saneamento é controle e prevenção de doenças", afirmou.

Um exemplo disso é que 1.179 municípios apresentam transmissão autóctone de esquistossomose, o que significa que 70 milhões de brasileiros vivem em área endêmica. Na maioria dos casos, a ocorrência das doenças se associa à deficiência de saneamento. A dengue é outro problema sério. No Brasil, só nos últimos cinco anos, foram registrados cerca de 800 mil casos da doença. "Um quarto dos municípios brasileiros ainda sofre com intermitência ou paralisação de serviços de água. Com isso, o armazenamento inadequado causa grande infestação de doenças", disse, acrescentando que os lixões também provocam números alarmantes de dengue.

José Luiz Ribeiro Reis explicou que a Funasa dá apoio técnico e financeiro aos municípios, visando à promoção da saúde e ao controle das doenças. Como a demanda é muito grande, o órgão federal exige critérios de elegibilidade e prioridade, como baixo índice de desenvolvimento humano e participação em programas sociais, como o Fome Zero. Em Minas Gerais, a Funasa está realizando cerca de 700 obras, com recursos empenhados, em 2004, da ordem de R$ 23 milhões, além de recursos que podem ser descontigenciados via emendas parlamentares.

Participante critica condução do saneamento

O coordenador-geral do Projeto Manuelzão, Apollo Heringer Lisboa, marcou seu discurso por críticas quanto à condução das políticas de saneamento no Brasil. Segundo ele, em função do crescimento das cidades, o homem foi jogando lixo e esgoto nos rios, comprometendo a saúde, a agricultura e a produção animal das cidades rio abaixo. "Não há nada mais atrasado que um planejamento baseado apenas no município. A bacia hidrográfica tem outra racionalidade", ponderou, completando que "o saneamento incorporou, se adaptou à especulação imobiliária, ao excesso de drenagem e à impermeabilização do solo".

Apollo Heringer Lisboa, que é também presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das velhas, focou suas reflexões na política de saneamento implementada ao longo do tempo em Belo Horizonte e região metropolitana, que, na opinião dele, estaria financiando a canalização de rios e córregos, beneficiando uma "indústria da enchente". Segundo ele, é preciso ter autonomia de pensamento, deixando de copiar modelos de fora, e incorporar o preço futuro das ações, uma vez que "a natureza tende a destruir a canalização do Arrudas". Outra providência importante seria deixar de tratar o financiamento de forma tecnicista ou burocrática, privilegiando a cooperação e a solidariedade mais que a competição.

Pesquisa - O professor da Escola de Engenharia da UFMG, Léo Heller, disse que a pesquisa na área de saneamento é ainda recente no País, faltando definições quanto à função social e aos marcos regulatório, legal e institucional do setor. Além disso, ele entende que é fundamental sintonizar as pesquisas nacionais com as de outros países. Outra necessidade citada por Heller seria definir o que, como, porque, para quê e para quem pesquisar. "Essas definições teriam um papel essencial na organização do arcabouço conceitual da pesquisa na área", conclui ele.

Transposição do S. Francisco seria desperdício, afirmam técnicos

José Chacon de Assis, presidente da Federação das Associações de Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro (Fearj), calculou que cada real investido em saneamento corresponde a 4 reais poupados em médicos, medicamentos e internações, e avaliou que o Brasil ainda está longe de conquistar uma posição razoável diante da definição que a OMS divulgou para domicílio saneado. Segundo a organização, domicílio saneado é aquele servido por água tratada, esgotos coletados e tratados, coleta e tratamento de lixo, drenagem superficial e controle de pragas e vetores.

Chacon fez críticas também à Agência Nacional das Águas (ANA). Para ele, "deveria ser um órgão técnico, mas é órgão político, porque implementa as políticas que o Governo Federal quiser, mesmo que estejam distanciadas do desejo da comunidade". Como exemplo, citou a transposição das águas do rio São Francisco, que é condenada pela população de Minas e até dos estados do Nordeste, mas que seria "uma decisão tomada pelo núcleo duro do poder, sem ouvir a oposição da sociedade".

Na fase de debates, Paulo Teodoro, do Igam, concordou que a transposição resolveria apenas o abastecimento de uma pequena parcela da população nordestina ao longo do canal. "O problema no Nordeste é a adução. A água dos açudes é suficiente para abastecimento humano e mitigação da sede dos animais. Somos radicalmente contra a transposição para projetos de agricultura irrigada. A perenização é muito mais importante, porque, se não cuidarmos do rio São Francisco em toda a sua extensão, ninguém terá água", afirmou.

Aldo Rebouças, da USP, acrescentou que a formação de comitês de bacia, que fortalecem as populações ribeirinhas, é um fenômeno que só acontece nas regiões mais desenvolvidas do Brasil. "De Minas para cima é proibido falar em comitê de bacia, porque implica em perda de poder político para o ministro Ciro Gomes", disse Rebouças.

Participantes do seminário colocaram para a mesa muitas questões referentes à utilização de águas subterrâneas, que não devem ser outorgadas a pivôs centrais ou outros sistemas de irrigação que desperdiçam água. Beto Pêgo, consultor da Cipe Rio Doce, expôs um plano traçado de comum acordo entre capixabas e mineiros para reduzir a carga de esgotos lançada no rio Doce em 90% até 2020, a um custo de R$ 800 milhões, obtidos através de emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Grupos de trabalho - Na tarde desta terça-feira, três grupos de trabalho se reuniram para discutir e apresentar propostas para o Documento Final do Seminário Legislativo "Saneamento Ambiental - Demandas e Intervenções Necessárias". Os participantes do grupo 1 debateram assuntos relacionados ao tema "Saneamento ambiental e gestão de recursos hídricos", sob a coordenação do representante da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), Ronaldo De Luca Ferraz Gonçalves. Já no grupo 2, coordenado por Carlos Henrique de Melo, coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), foi enfocado o tema "Saneamento ambiental: educação e saúde". O assessor de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Presidência do Crea/MG, Odair Santos Júnior, foi o coordenador dos trabalhos no grupo 3, com o tema "Saneamento ambiental: ciência e tecnologia". Outros três grupos se reúnem nesta quarta-feira para discutir os seguintes temas relacionados ao saneamento ambiental: "Legislação e políticas públicas", "Mecanismos de financiamento" e "Demandas e intervenções necessárias".

 

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